Além do que se lê
Texto e foto: Amauri Eugênio Jr. Realizada durante o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, a roda de conversa Literatura à Flor da Pele: Paulo Colina era muito mais do que um debate sobre representatividade negra na literatura. Mediado pela escritora, poeta, socióloga, educadora e produtora cultural Neide Almeida, o […]
Texto e foto: Amauri Eugênio Jr.
Realizada durante o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, a roda de conversa Literatura à Flor da Pele: Paulo Colina era muito mais do que um debate sobre representatividade negra na literatura. Mediado pela escritora, poeta, socióloga, educadora e produtora cultural Neide Almeida, o bate-papo contou com participações de Marciano Ventura, editor e diretor da Ciclo Contínuo Editorial, e do escritor, pesquisador e jornalista Oswaldo de Camargo, que falaram sobre a vida e obra do escritor e poeta Paulo Colina (1950-1999).
A obra de Colina, marcada por poemas que transitavam com veemência e propriedade entre o lirismo e o engajamento político e sociorracial, passa por uma espécie de releitura. E o momento é oportuno, pois em 2019 foram completados 20 anos de sua morte – se estivesse vivo, o autor completaria 70 anos em 2020. Além disso, ele, que foi autodidata – formou o seu repertório, inclusive no que diz respeito ao idioma por conta própria -, era considerado um intelectual de destaque à época.
De acordo com Ventura, o estilo literário de Colina era marcado pela estética que mesclava objetividade gramatical e complexidade na construção dos poemas escritos por ele. “Por meio da estética, ele consegue comunicar a insatisfação, dores e chagas que a sociedade brasileira insiste em deixar infeccionada e aberta. Por outro lado, ele não subestima o leitor – pelo contrário: ele o superestima -, pois ele é muito exigente na questão do sentido estético e da criação literária. Ele era um poeta muito exigente, mas, ao mesmo tempo, ele conseguia se comunicar com o outro.”
Oswaldo de Camargo tem propriedade para falar sobre a vida e a obra de Paulo Colina, até porque eles foram amigos – os dois formaram, ao lado do autor Abelardo Rodrigues, o grupo de poetas negros conhecido como Triunvirato. O decano da literatura negra considera que a obra de Colina era pautada pela consistência, pelo cuidado lírico dos poemas e pela temática social – vide o verso “a princesa esqueceu-se de assinar as nossas carteiras de trabalho”, presente no poema Pressentimento.
Por diversos motivos relacionados à obra, inclusive o engajamento político, Oswaldo de Camargo acredita que haverá um revival relativo à obra do poeta homenageado. “Acredito que a influência [da obra de Paulo Colina] sobre o jovem de hoje que quer escrever acontecerá quando ler os três livros dele. Apenas um poema dará uma ideia de apenas uma das facetas dele, mas ao ler todos os livros dele – os lados lírico e social, que são muito fortes, assim como o lado negro dele – darão outra dimensão.”
Ainda sobre a parte estética e o engajamento que marcaram a obra de Paulo Colina, Neide Almeida considera que o caráter atual de sua obra convoca o leitor a refletir sobre a permanência de desigualdades sociorraciais e, como consequência, a necessidade de continuar a resistir. “Para além das questões sociais e raciais, Colina falou muito a respeito da experiência de viver em São Paulo, e tematizou as relações amorosas e a solidão. A vida e a obra de Colina nos remetem a pensar sobre o desafio de construir espaços mais consistentes de representatividade, e pensar que sua história e sua obra pouco são conhecidas e acessadas é prova disso.”
Versos ancestrais
No mesmo dia, Neide Almeida realizou apresentação de seu livro Nós: 20 Poemas e uma Oferenda, obra na qual na qual aborda a vivência de uma mulher negra em uma sociedade marcada pelo racismo, na qual procura reconhecer a ancestralidade africana que constituiu a sua identidade. A atividade contou também com roda de conversa com leituras de poemas de Conceição Evaristo e Beatriz Nascimento, da qual participou também a atriz e cantora Mariana Per.
Ao falar sobre a sua obra, Almeida considera que a literatura tem potencial importante para ser possível conhecer, reconhecer e valorizar a ancestralidade, uma vez que a presença de tais aspectos em um texto pode afetar o leitor de modo ímpar – o que remete ao debate sobre representatividade. “Para isso [um texto afetar o leitor de modo singular], é preciso, reaprender a ler e olhar para essa produção com outras lentes que não aquelas deformadas pelo eurocentrismo. Precisamos buscar, compreender e ampliar nossa formação a partir de outras epistemes [conhecimentos]. Caso contrário, correremos o risco de pensar a ancestralidade como um conceito vazio, frouxo ou mesmo deturpado”, completa.
Quem foi Paulo Colina?
Nascido em Colina, no interior de São Paulo, em 1950, o poeta Paulo Eduardo de Oliveira (Paulo Colina) foi também um dos idealizadores do projeto Cadernos Negros, cuja primeira edição foi lançada em 1978 – posteriormente, passaria a ser editado pelo coletivo Quilombhoje Literatura.
Paulo Colina foi também tradutor e o seu trabalho na área pode ser destacado por meio das obras Anotações para Minha Aula Sobre Joyce: Ulysses – Notes From Here to my Joyce Class e Poemas de Wole Soyinka, assim como da tradução de obras do poeta japonês Takuboku Ishikawa. Além disso, ele chegou a aventurar-se pela música e teatro. O artista faleceu aos 49 anos, em 8 de outubro de 1999.