Maria Alice Setubal: Investimento social privado e democracia
O contexto eleitoral de 2018 é uma oportunidade para que cada um de nós possa sair de seu pequeno mundo, formado por pessoas que compartilham opiniões semelhantes, para debatermos ideias que possam viabilizar a construção de pontes entre diferentes posicionamentos. Não precisamos pensar da mesma forma, mas erguer novas bases que sustentem uma sociedade mais […]
O contexto eleitoral de 2018 é uma oportunidade para que cada um de nós possa sair de seu pequeno mundo, formado por pessoas que compartilham opiniões semelhantes, para debatermos ideias que possam viabilizar a construção de pontes entre diferentes posicionamentos. Não precisamos pensar da mesma forma, mas erguer novas bases que sustentem uma sociedade mais justa e próspera.
A partir de 2014, com o acirramento de opiniões, preferências eleitorais e disputas ideológicas, paramos de ouvir o outro e rompemos um pacto, gerando intolerância e o nascimento de iniciativas autoritárias oriundas de segmentos diversos da sociedade.
As desigualdades agudas se somam à degeneração de políticas sociais e atingem os grupos mais pobres, provocando o esgarçamento do tecido social e o enfraquecimento das redes de proteção social, e também da sociedade como um todo, pois geram violência (física, verbal e simbólica), desconfiança nas instituições e o enfraquecimento da nossa —ainda jovem— democracia.
Para reverter esse cenário, é necessário um esforço coletivo entre governo, cidadãos, empresas e organizações da sociedade civil.
Somando-se a esse contexto, o investimento social privado tem contribuído não só com recursos financeiros para apoiar programas e projetos voltados a potencializar as políticas públicas, como também com o desenvolvimento de tecnologias sociais e com a criação de ferramentas relativas à gestão e avaliação, além da implementação de uma governança mais atualizada e com maior transparência.
Finalmente, o investimento social privado vem inserindo-se nas discussões e no apoio aos chamados negócios de impacto social.
O Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) acompanha essas conquistas, mas também propõe uma reflexão sobre as necessidades de avanços contínuos do setor e a responsabilidade ante o atual contexto brasileiro. Na perspectiva de pensar em seus desafios de atuação, realiza a 10ª edição de seu congresso em 2018 com a temática: Brasil, Democracia e Desenvolvimento Sustentável – o papel do investimento social privado.
Nele, pretende-se proporcionar o diálogo entre os diferentes setores do campo social, com suas diferentes áreas de atuação e realidades, além de dar luz à pluralidade temática da agenda pública para, assim, construir um novo momento, a partir de novas perguntas e novos olhares.
O investimento social privado pode ampliar as fronteiras dos temas mais tradicionais de sua atuação, olhando com atenção para questões desafiadoras do século 21, como mudanças climáticas, novas tecnologias, grandes cidades, formação de jovens lideranças, temas identitários referentes a raça e gênero, entre outros.
É preciso ter como norte a busca pela equidade, o esforço de uma escuta ativa, a procura por inovações verdadeiras em torno de projetos pilotos que possam virar referência para alcançar escala. Paralelamente à implementação de grandes projetos, o apoio às pequenas organizações de base, além de fortalecer a pluralidade do tecido social, traz a institutos, empresas e fundações a escuta dos territórios, de novos modos de fazer, sentir e pensar.
Há muito a ser feito no campo de pesquisas aplicadas, com potencial de colaboração para a criação de políticas públicas mais eficazes. Finalmente, enfatizar as causas e os propósitos aliados a uma comunicação mais ágil e efetiva, que gera uma contribuição do investimento social privado mais ativa.
A filósofa Hannah Arendt (1906-1975) diz que cada criança que nasce traz ao mundo o potencial do novo, acrescentando também que somos responsáveis pela durabilidade do mundo.
Precisamos refletir sobre essa responsabilidade coletiva e redescobrir o Brasil em toda a sua diversidade e pluralidade para construir esse espaço comum de visibilidade pública, que nos faz sentir parte integrante de uma sociedade pautada pelo bem-estar de todos.
Maria Alice Setubal, a Neca, é socióloga e educadora; doutora em psicologia da educação, preside os conselhos da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)
Texto publicado orginalmente na Folha de S. Paulo em 06/04/2018