Por uma política feita por e para os jovens
Por Amauri Eugênio Jr. Falar sobre renovação política e em novas maneiras para fazê-la no dia a dia envolve, obrigatoriamente, criar condições para as juventudes terem protagonismo. Isso vale para, em especial, a juventude negra e periférica, que recebe sinais dia sim, outro também, de que espaços políticos não são feitos para ela. […]
Por Amauri Eugênio Jr.
Falar sobre renovação política e em novas maneiras para fazê-la no dia a dia envolve, obrigatoriamente, criar condições para as juventudes terem protagonismo. Isso vale para, em especial, a juventude negra e periférica, que recebe sinais dia sim, outro também, de que espaços políticos não são feitos para ela. Qual é o efeito disso? A impossibilidade de ver-se nessa esfera e, como consequência, a desconfiança sobre as instituições políticas.
Estes pontos deram o tom do evento Juventudes, Democracia e Territórios, realizado em 20 de maio no Galpão ZL, núcleo de Prática de Desenvolvimento Local da Fundação Tide Setubal situado no Jardim Lapena, bairro da zona leste de São Paulo.
A atividade contou com duas rodas de conversas com a participação dos alunos da E.E. Professor Pedro Moreira Matos, localizada também na região, e abordaram aspectos relativos ao fortalecimento da democracia e da cidadania ativa.
A democracia depende também da juventude
A primeira mesa, Juventude e formação política: um voto na democracia, colocou na mesa o poder que as/os jovens têm de transformar os ambientes e contextos dos quais fazem parte. A atividade foi mediada por Bruninho Souza, da Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura e do coletivo Encrespad@s.
Na sua fala de abertura do evento, Souza destacou a perspectiva racial e o risco maior de letalidade para jovens negros, ao apontar um dado do Índice de Homicídios da Adolescência (IHA), da Organização das Nações Unidas (ONU), segundo o qual quatro a cada mil adolescentes morrerão no Brasil antes dos 19 anos. Para além disso, segundo ele, o tema relativo às juventudes tem sido fruto de reflexões sobre a sociedade – e é necessário considerar a subjetividade desse grupo.
“A verdade é que, por muito tempo, as juventudes foram enxergadas como um grupo homogêneo – como se todo mundo aqui fosse igual -, sem serem considerados com as contradições, expressões e identidades. Para muitos indivíduos desse grupo, ser jovem é, a todo o momento, reafirmar a sua existência e a sua singularidade. Reconhecer as juventudes, no plural, é reconhecer os dilemas e os desafios que atravessam esse grupo”, destaca.
A mesa contou também com participações de Gustavo Telles, conselheiro municipal dos direitos das juventudes de São Paulo e mobilizador da embaixada São Paulo do Politize!; Douglas Alencar, coordenador do Instituto Pensamentos e Ações para Defesa da Democracia (IPAD) no Rio de Janeiro; João Saraiva, da Juventude Negra Política; Kemilly Mendes Pardinho, ex-aluna da Escola Comum e atual monitora da organização; e Débora Dias, militante da Uneafro Brasil e covereadora do Mandato Periférico; e Anderson da Silva Guimarães, liderança potencializada no Edital Traços, da Plataforma Alas.
Durante a atividade, as/os convidadas/os falaram sobre as suas respectivas trajetórias e, mesmo com as particularidades nos seus respectivos caminhos, alguns pontos foram unânimes: a superação de adversidades e a urgência em colocar objetivos em prática.
Kemilly Mendes levantou, por exemplo, a importância da união entre as juventudes. “Não deixem de acreditar no coletivo, porque a gente não faz nada sozinho. É muito importante vocês se fortalecerem entre si, criar conexões com coletivos e militâncias. Não basta levantar uma bandeira na Paulista: é necessário fortalecermos as nossas mentes, pois lidaremos com muita coisa lá fora.”
Já Débora Dias seguiu a mesma lógica em sua fala: “Se tem uma coisa que posso dizer para vocês, é para não deixarem de ter esperança e sonhar. Os nossos sonhos não estão à venda. A realidade não é fácil, mas se o processo é muito ‘louco’, teremos de ser ainda mais loucos e alcançar o que queremos.”
Territórios e inclusão
Já a segunda mesa, Excluídos da cidade: potência e convívio, contou com participações de Jaílson de Souza e Silva, diretor da Uniperiferias, conselheiro da Fundação Tide Setubal e cofundador do Observatório de Favelas; Macaé Evaristo, vereadora, mestre em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Rodrigo Santos, escritor; e do geógrafo Aiala Colares, professor e pesquisador da Universidade do Estado do Pará (UEPA). A discussão colocou em perspectiva o conceito de exclusão dentro da cidade, ao questionar sobre o conceito de cidade sobre o qual se fala.
Durante sua fala, Jailson destacou o protagonismo de moradoras/es de áreas periféricas na composição desses espaços, por fatores como a criação de novas narrativas, discursos e saberes. “As cidades somos nós também – e muito mais do que a cidade tradicional dos brancos, nas áreas mais ricas. Somos pessoas efetivamente potentes e queremos trabalhar com a noção de que a cidade é nossa. Não somos excluídos da cidade e a reinventaremos.”
Macaé Evaristo colocou em pauta o papel de raça e gênero em pauta. “Pensar em mulheres negras no Brasil é fazê-lo com o maior recorte populacional do país – somos 27% da população. Pensar o Brasil a partir da nossa perspectiva é uma possibilidade – talvez, o único caminho para a gente reverter a desigualdade pela qual a gente passa no nosso país.”
Rodrigo Santos, cuja obra traz interseção entre território, população e perspectiva de religiões de matriz africana, reforçou o papel da educação na formação de cidadãs/ãos: “Se vocês perguntarem para qualquer adulto sobre o que queria ter feito se pudesse voltar no tempo, todos responderiam que queriam ter estudado mais – desde o meu pai, que era pedreiro e estudou até a quarta série [atual terceiro ano do ensino fundamental], até Aiala, que é doutor.”
Por fim, Aiala Colares, que foi inclusive citado por Rodrigo Santos em sua fala, trouxe o papel que o território tem para a formação da lógica da cidadania e para a busca por direitos. “O mais importante é sempre poder me posicionar e saber de onde vim e para onde irei, pois não adianta nada virar as costas para a periferia e para o quilombo. Tenho de voltar e conversar com todos e dizer que a educação é o caminho, mesmo com todas as dificuldades A escola pública também tem potência, cultura, arte, condições de mostrar o outro mundo possível.”