Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Protagonismo da periferia nas eleições municipais dá o tom de seminário da Folha de S. Paulo
O seminário 'Periferia nas Eleições Municipais', que aconteceu em 24 de setembro, no auditório da Folha de S.Paulo, teve como foco apresentar ao público perspectivas plurais sobre o espaço das periferias no debate político, em particular durante o processo eleitoral.
Como candidatas e candidatos lidam com a periferia nas eleições municipais? Qual espaço os territórios têm nos planos de governo? Estes e outros questionamentos foram centrais no seminário que a Folha de S.Paulo organizou em 24 de setembro, em parceria com a Fundação Tide Setubal, para tratar das nuances sobre o tema.
Nesse sentido, o seminário Periferia nas Eleições Municipais teve como foco, então, apresentar ao público perspectivas plurais sobre o espaço das periferias no debate político, em particular durante o processo eleitoral.
Desse modo, o evento teve duas mesas de diálogos, as quais tiveram mediação do jornalista Vinícius Torres Freire. A primeira, A disputa entre esquerda e direita na periferia, teve participações de:
- Uvanderson Vitor da Silva, coordenador do Programa Democracia e Cidadania Ativa da Fundação Tide Setubal;
- Andressa Oliveira, articuladora política do Mulheres Negras Decidem;
- Tiaraju Pablo D’Andrea, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do Centro de Estudos Periféricos;
- Luciana Chong, diretora do instituto de pesquisas Datafolha.
Território político de direitos
“A ideia sobre periferia precisa ser revista a partir de novos termos.” Esta constatação permeou a fala de Uvanderson Vitor da Silva durante a sua participação no seminário Periferia nas Eleições Municipais. De acordo com ele, a visão que se tinha sobre territórios periféricos dizia respeito à demanda de políticas públicas para suprir a falta de acesso a direitos básicos.
No entanto, candidaturas de diferentes vieses políticos começaram a reivindicar identidade e trajetória periféricas, ao tornar-se um ativo político. “Isso tem a ver também substantivamente com uma mudança da maneira como a periferia começa a se projetar politicamente a partir dos anos 2000”, comenta.
Tais aspectos, inclusive, dialogam com a ideia de ascensão social da classe C – e têm reflexo no que se entende por identidade periférica. “O início de uma identidade periférica que perpassa pela ideia de ascensão de uma classe começa a mudar o repertório do que é ser periférico a ponto de hoje haver, no cenário político, uma reivindicação de periferia alinhada tradicionalmente a uma agenda de esquerda, assim como outra periferia que começa a ser disputada e articulada pela direita em torno, principalmente, da ideia de empreendedorismo e de aumento do consumo”, reforça o coordenador do Programa Democracia e Cidadania Ativa da Fundação.
Para Tiaraju Pablo D’Andrea, por sua vez, é necessário compreender a coexistência de crises existentes na sociedade. E tais eventos reverberam de modo mais dramático nas periferias. Um fator de destaque nesse cenário é a crise no contexto trabalhista. “Percebe-se um paulatino desmonte de algo que se chamou, em algum momento, de sociedade salarial. Isso empurra grandes parcelas da população moradora das periferias, principalmente a juventude, às situações de informalidade e a subempregos. E mesmo quem está empregado formalmente vê as condições de trabalho piorando.”
Tal conjuntura dialoga também com o desmonte de políticas públicas. Esse tipo de decisão tem, então, no acesso aos cuidados com a saúde, transporte público e educação, assim como com os impactos das mudanças climáticas – cujos efeitos são sentidos com veemência ainda maior nas periferias. Esses fatores culminam na deslegitimação e descrença no processo eleitoral.
“Ao mesmo tempo que há o vetor de afirmação das periferias nas eleições, pode-se ver cada vez mais candidaturas se autoafirmando ou se posicionando como periféricas. Ao mesmo tempo, grande parte da população vota ou branco ou nulo, ou se abstém, por não acreditar no processo eleitoral. Ou vota em candidatos que são antissistêmicos”, pondera Tiaraju.
Para além da polarização
Durante sua participação no seminário Periferia nas Eleições Municipais, Andressa Oliveira falou sobre a já clássica – e perceptível em diversas regiões do mundo – polarização política. Nesse sentido, com base em análises sobre como a população se relaciona com o debate político, pôde-se compreender que pessoas que se consideram de direita têm forte convicção na defesa de temas caros aos seus interesses. “Pautas como a questão religiosa, familiar e meritocrática são sempre muito fortes – e existe convicção.”
Por outro lado, a articuladora política do Mulheres Negras Decidem destaca que quem se declara de esquerda não quer ser vista como alguém com posicionamento extremista. “Existe um grupo de pessoas que não quer ser colocado ou visto, então, como extremista. Isso porque, de alguma forma, as pautas consideradas de esquerda estão colocadas no sentido de parecer extremas.”
Outro aspecto diz respeito à cooptação do sentido de temas referentes à implementação de políticas públicas. “Esse discurso está em voga de maneira muito potente em vários lugares, inclusive entre quem se coloca com certa dificuldade dentro do espectro de esquerda. Então, percebe-se que o não político acaba ganhando muito espaço dentro desse cenário”, reforça.
Ao dialogar com essa lógica, Luciana Chong apresenta, então, o perfil médio de pessoas que se identificam com a perspectiva da individualização na política. Trata-se do eleitor homem, com idades entre 35 e 44 anos, com ensino médio e que está no mercado informal, principalmente.
Nesse sentido, a diretora do instituto de pesquisas Datafolha reforça que “ele se declara um evangélico que pode conquistar tudo sem frequentar a Igreja” nesse cenário. E isso pode ser um dos fatores de aproximação com pessoas candidatas antissistema. “Ele pode conquistar pelo seu esforço pessoal. É isso o que esse candidato antissistema acaba pregando e esvaziando de fato toda a pauta da esquerda, que é baseada nas políticas públicas. Isso é algo que vimos acontecer e que agora é um pouco diferente.”
Metas plurais
Por sua vez, Mariana Almeida, diretora executiva da Fundação Tide Setubal, destaca, durante a mesa As propostas dos candidatos a prefeito de São Paulo para as periferias, que compôs a programação do seminário Periferia nas Eleições Municipais, que há certo cansaço da população das periferias com as entregas dispersas, por meio de políticas públicas, em tais territórios. Desse modo, ela considera que o processo para a elaboração dos projetos entregues na periferia não as consideram “enquanto um sujeito, um projeto territorial que faça parecer que existe um processo de transformação em andamento, e que a dívida histórica com esses territórios esteja sendo paga, pois a vida não muda completamente.”
Ao falar sobre a dificuldade para se implementar políticas públicas, inclusive em territórios periféricos, a diretora executiva da Fundação Tide Setubal falou sobre o projeto (Re)age SP. A iniciativa, cujo lançamento ocorreu em 2020 e que teve desenvolvimento em conjunto da fundação com a Rede Nossa São Paulo, estabeleceu, então, metas multissetoriais em consonância no combate às desigualdades.
As propostas do (Re)age SP abrangeram também melhorias na articulação do planejamento nas esferas territorial, urbana e setorial para otimizar os seus resultados. Desse modo, o projeto propunha o desenho dos objetivos desejados em termos de grandes metas setoriais, a partir de fatores como a estrutura orçamentária.
Pode-se considerar-se também, nesse contexto, aspectos como a regionalização do orçamento público, cuja razão de ser é incentivar o poder público investir mais nas periferias. “As secretarias começaram a falar de território e há sistemas de monitoramento olhando para lá. Mas ainda está muito interno e isso ainda não chega na população, pois o pedacinho da tomada de decisão ainda ficou concentrado. E falar da desigualdade ainda não entrou plenamente no debate. Essas mudanças para dentro viram pauta pública à medida que mais gente se engaja e passa a ser possível realmente usar isso dentro da política.”
Por fim, o seminário Periferia nas Eleições Municipais teve também o lançamento da publicação (Re)age SP – Quatro Anos Depois: Recomendações para a construção de um planejamento municipal centrado no combate às desigualdades. O material busca atualizar recomendações para o ciclo de planejamento e orçamento de São Paulo trazer para o seu centro o tema do combate às desigualdades econômicas e sociais.
“Entendemos que os processos são longos, para além, inclusive, das campanhas e dos períodos eleitorais de quatro anos. O convite é para conseguirmos seguir nessas construções e podermos, como sociedade civil, contribuir com esse processo”, finaliza Mariana Almeida.
Para dar o play
Assista a seguir à participação dos representantes das candidaturas à prefeitura de São Paulo na mesa As propostas dos candidatos a prefeito de São Paulo para as periferias, do seminário Periferia nas Eleições Municipais:
- Antônio Donato, deputado estadual pelo PT e representante da campanha de Guilherme Boulos (PSOL);
- Fernando Chucre, representante do candidato Ricardo Nunes (MDB);
- José Aníbal, representante de José Luiz Datena (PSDB) e candidato à vice-prefeitura;
- Vivian Satiro, representante da campanha de Tabata Amaral (PSB).
Texto: Amauri Eugênio Jr.