1° Congresso Internacional sobre o Direito à Participação de Crianças e Adolescentes destaca o protagonismo desses públicos em decisões sobre as suas vidas
Organizado pelo IBDCRIA no Jardim Lapena, evento coloca em pauta o direito à participação de crianças e adolescentes; entenda a importância do debate
Falar que o território importa abrange também o direito à participação de crianças e adolescentes na construção de iniciativas que dizem respeito às suas vidas.
O artigo 3° do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”. Ainda, a legislação assegura “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Ao levar-se em conta tais aspectos, o Jardim Lapena foi sede do 1° Congresso Internacional sobre o Direito à Participação de Crianças e Adolescentes. Organizado pelo Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente (IBDCRIA) entre 13 e 15 de outubro, o evento objetivou colocar esse público como protagonista no desenvolvimento de ações em áreas multidisciplinares e determinantes para o seu desenvolvimento.
Nesse sentido, o caráter multidisciplinar dos debates dos três dias de atividades – sendo dois no Galpão ZL, núcleo de Prática de Desenvolvimento Local da Fundação Tide Setubal no Jardim Lapena – mostrou que a participação de crianças e adolescentes depende de diversos fatores para ser efetiva. E essa dimensão relaciona-se com a proteção integral de direitos.
“Sem participação não existe proteção integral. Estamos na doutrina da proteção integral, que não é da criança: é a proteção integral dos direitos. Se não protegermos a participação, não existirá proteção integral”, comenta Raul Augusto Souza Araújo, psicólogo, psicanalista e presidente do IBDCRIA.
Nesse contexto, Raul considera urgente insistir no exercício dessa lógica com crianças e adolescentes para haver soluções efetivas dentro da lógica da participação. “É importante insistirmos, pois ouvirmos crianças e adolescentes é a possibilidade de mudarmos as instituições em que eles vivem e a nossa sociedade. Uma sociedade boa para a criança é boa para todo mundo.”
Sobre legislação, participação e direitos
Ao aprofundar-se nas reflexões que surgiram durante as rodas de debate que compuseram o 1° Congresso Internacional sobre o Direito à Participação de Crianças e Adolescentes, alguns pontos vieram à tona.
Nesse sentido, Ruthiléia Barbosa, advogada e diretora de Comunicação do IDBCRIA, destaca que as legislações existentes precisam acompanhar mudanças sociais. Esse é também o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que abranja temáticas e contemple a proteção integral do público-alvo. “Haver permanentemente espaços como esse, com temas novos trazidos a partir das perspectivas das crianças, é superimportante. Isso porque se consegue entender qual é a realidade e o que se precisa adaptar no Direito”, pondera.
Ruthiléia Barbosa traz também à tona o debate referente à reforma do Código Civil, o que prevê reflexos importantes na proteção de crianças e adolescentes. No formato atual, esse público é considerado legalmente como incapaz. E, ao considerar-se o direito à participação de crianças e adolescentes, essa dimensão precisa passar por mudanças. “Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos em desenvolvimento. Mas, como todas e todos nós, elas precisam protagonizar suas próprias vidas – e precisamos reconhecê-las dessa forma.”
Raul Augusto Souza Araújo explica também que para uma lei funcionar, é necessário haver políticas públicas e arcabouço institucional. E mudanças estruturais são também importantes. “O Brasil tem tradição de criação de leis e manutenção das mesmas instituições – e, é claro, as legislações não funcionam. Esse é, então, o grande esforço: é necessário pensar-se em mudanças institucionais, que passam pelo modo como se treinam, formam e selecionam juízes.”

Mauricélia Martins durante mediação da mesa sobre Justiça Restaurativa no 1° Congresso Internacional sobre o Direito à Participação de Crianças e Adolescentes
Território do direito à participação de crianças e adolescentes
Os três dias de programação do 1° Congresso Internacional sobre o Direito à Participação de Crianças e Adolescentes contaram com diálogos em frentes diversas. A saber, as discussões, que contaram com participações de especialistas brasileiros e estrangeiros – de países como Argentina, Estônia, EUA e Irlanda -, abrangeram tópicos como acesso à justiça, justiça restaurativa, acolhimento residencial, dissidência de gênero e acolhimento.
Além disso, a iniciativa contou também com oficinas para fomentar a participação de crianças e adolescentes. Algumas das atividades passaram pelo desenvolvimento de peças teatrais, diálogos entre membros desse grupo e o que essas mesmas jovens pessoas cidadãs consideram importante para a construção de cidades.
Assim sendo, tanto as rodas de conversa, como as oficinas, dialogavam também com a atuação territorial. Quem trouxe essa reflexão foi Mauricélia Martins, analista de Programas e Projetos da Fundação Tide Setubal, que também mediou a mesa sobre Justiça Restaurativa durante o congresso. Mauricélia destacou, desse modo, a realização do congresso no território. “Essa convergência se dá-se a partir dos debates, ao entender que quem conhece a realidade local são os moradores, a juventude e as lideranças. Trata-se de reconhecer o protagonismo de jovens e das lideranças nessa discussão.”
Assim sendo, Mauricélia Martins considera também que a realização do evento no Jardim Lapena reforça a lógica de que a comunidade vai além do papel de instância beneficiária, ao poder desenvolver práticas transformadoras. “Dentro disso, acreditamos que o território importa e pode ser protagonista e ator da sua própria transformação – desde que receba condições para fazê-lo.”
Do debate à prática
Por fim, ao trazer a dimensão de que a vivência e a agência estão em jogo, é fundamental promover-se o direito à participação de crianças e adolescentes.
Ao considerar-se também aspectos como os efeitos das mudanças climáticas e a vulnerabilidade, que requerem também a realização de ações com foco na saúde mental, é fundamental colocar esse mesmo público para pensar em ações para melhorias e promoção de bem-estar no território.
“Isso é superimportante, pois são elas que vivem essas situações. Então, nada mais justo e bonito que elas pensem nas soluções para essas dificuldades”, completa Mauricélia. “Essa discussão é essencial, pois a vulnerabilidade social impacta diretamente o bem-estar emocional de crianças e adolescentes – assim como o da população em geral. Então, pensar em iniciativas que buscam acolher e cuidar como base comunitária é de extrema importância.”
Texto: Amauri Eugênio Jr.
