Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Um novo tempo
Após uma década de atuação em São Miguel Paulista, a Fundação Tide Setubal amplia suas atuação pela redução das desigualdades, buscando a criação de novas pontes com outras regiões da cidade
Por Paula Galeno*
Em 2017, iniciamos um novo ciclo para a Fundação Tide Setubal. Após dez anos de trabalho de desenvolvimento local em São Miguel Paulista, revisitamos nosso percurso de atuação analisando aprendizados, conquistas e nos colocando diante de uma nova missão: fomentar iniciativas que promovam a justiça social e o desenvolvimento sustentável de periferias urbanas e contribuam para o enfrentamento das desigualdades socioespaciais das grandes cidades, em articulação com diversos agentes da sociedade civil, de instituições de pesquisa, do Estado e do mercado.
A experiência desenvolvida ao longo de uma década, orientada pelos princípios de inclusão social e redução das desigualdades, é o ponto de partida para a construção de novas pontes com outras regiões da cidade.
A escuta permanente, o diálogo e o fazer com as comunidades, valores inegociáveis para a Fundação, geraram um conjunto de parcerias com potencial para ser ampliado e diversificado.
Somado a isso, o interesse e a atenção de diferentes organizações para questão da desigualdade social cresceram substancialmente nos últimos anos, o que gera oportunidades de articulação, de sinergia e de coalizões entre projetos e instituições de territórios distintos, visando a transformação social e o desenvolvimento integrado.
O trabalho desenvolvido na zona leste da capital paulistana sempre teve como premissa olhar para os ativos e as potências da comunidade, buscando fazer com a comunidade e não para ela. A escuta constante nos apoiou na construção de vínculos fortes que geraram a construção de metodologias que levam em consideração a realidade local, seus costumes e desejos, nos guiando sempre pela perspectiva de que o território importa.
Importa não apenas para as atividades ali desenvolvidas, mas também para a influência na formulação e implementação de políticas públicas que, se criadas e implementadas de forma universal, deixam de lado especificidades e necessidades do contexto local.
Acreditamos em um movimento de influência do local para o global, com conexão estabelecida por meio do diálogo e da construção conjunta, o que confere o engajamento da comunidade e maior legitimidade para as políticas.
Com esse acumulo de experiências, a Fundação Tide Setubal estabeleceu para o seu novo ciclo três eixos de atuação: territórios, conhecimento e ação macro política.
Ao longo da última década, um considerável número de jovens encontrou nos espaços e projetos da Fundação acolhimento para debater seu seus projetos de vida ; educadores sociais e professores passaram a usar ferramentas de comunicação para potencializar o desenvolvimento local; famílias foram estimuladas a um protagonismo para solução de seus problemas; crianças vivenciaram a inclusão social por meio do esporte; diversas atividades culturais foram oferecidas em bairros com pouquíssimas opções nesse segmento. Organizações locais fortaleceram suas metodologias, sua gestão, sua mobilização de recursos e sua atuação em rede.
Olhando para a nossa história é possível conectar muitos dos princípios de atuação aos novos formatos e valores que despontam nas sociedades contemporâneas. Nesse sentido gostaria de destacar alguns pontos.
A escuta com eixo central do nosso jeito de fazer. Essa é uma forma de chegar, respeitar e dialogar com o território. Foi com essa postura que construímos um vínculo de confiança essencial para todas as nossas ações e parcerias. Esse modo de fazer vai de encontro ao desejo de autoria e ao respeito e valorização das experiências e das vivências de cada um. É uma construção conjunta de co-responsabilização e portanto de não submissão ao clientelismo, assitencialismo ou controle empresarial.
Nesse sentido, ser uma Fundação familiar, que não está associada a um grupo empresarial, é uma das características determinante para o andamento dos trabalhos, pois permite um posicionamento político, porém absolutamente apartidário, e nos torna hábil a fazer articulações em prol do território. Foram várias as conquistas em que participamos ativamente: 02 creches, 01 escola de ensino fundamental, 01 unidade de saúde, acesso à estação de trem, entre tantas outras.
O território Importa é outro aspecto que quero destacar. Esse tem sido nosso slogan na discussão das políticas públicas. Para nós, o desenvolvimento social pleno e integrado só se efetivará com políticas formuladas e implementadas de acordo com a história, os valores, e características próprias cada lugar. Políticas flexíveis, ouvindo, fazendo junto com a comunidade, lideranças e profissionais locais.
Também gostaria de destacar a integração das nossas ações no espaço público. Nossa gestão dos espaços de atuação foi feita de forma compartilhada com o poder público e associações da comunidade. Eventos como o Festival do Hip Hop, Encontro de Cultura Caipira e Festival do Livro e Literatura ocupam diferentes lugares de São Miguel com a parcerias de inúmeras organizações, tornando-se eventos públicos tradicionais do bairro.
Nesse contexto, as parcerias são fundamentais. Não é possível realizar ações isoladas diante de questões tão complexas. Com as parcerias agregamos novas competências, maior profissionalização assim como a possibilidade de maior escala e impacto das nossas ações. É o nosso fazer coletivo.
Com esses princípios gerados pela experiência em São Miguel Paulista, queremos circular por outros territórios da cidade com a perspectiva de ampliar a compreensão sobre os desafios da equidade em outras regiões, compartilhando experiências vividas, estabelecendo parcerias, aprendendo e ampliando a possibilidade de transformações das periferias urbanas.
São Miguel Paulista continuará sendo a nossa base, mas queremos ampliar nosso olhar, por meio de uma atuação focada na construção colaborativa e nas redes, com organizações, moradores e poder público, estabelecendo novas conexões e intercâmbios na cidade.
Na mesma perspectiva, gerar conhecimento com base na atuação em periferias urbanas sempre foi um dos grandes patrimônios institucionais. A sistematização e disseminação do conhecimento e das metodologias são formas de democratizar a experiência para ampliar o escopo e a escala de nossos programas.
Neste novo momento, a produção de conhecimento se fortalece e será ampliada por meio da articulação e do fomento de uma rede de pesquisadores que possam levantar questões para subsidiar ações no enfrentamento dos desafios das desigualdades em territórios vulneráveis e fortalecer o debate público em torno desses temas.
Além de embasarem ações nos territórios, as pesquisas devem servir para a influência e defesa de ações macropolíticas, buscando, assim, dar escala às soluções que buscam a equidade nos grandes centros urbanos.
O terceiro eixo desse novo ciclo foi batizado de ação macropolítica. Segundo a ONU (?), São Paulo é uma das 50 cidades mais desiguais do mundo. Uma das principais causas desse problema é a má distribuição de recursos públicos entre os territórios. Nossas ações de advocacy estão comprometidas em dar luz à questão da desigualdade, buscando:
- fomentar a cultura de participação social nas periferias, visando a efetivação de suas demandas;
- apoiar a qualificação de mecanismos de diálogos e atuação conjunta entre o poder público e a sociedade civil
- apoiar iniciativas de outras organizações que trabalhem a redução das desigualdades;
- apoiar ações que organizem dados territoriais e transformá-los em informações que possam ser usadas em prol da participação das comunidades nas decisões da cidade sobre alocação de recursos públicos.
O Brasil alcançou avanços significativos na área social nos últimos 20 anos, mas ainda persistimos com enormes desigualdades sociais e a recente crise econômica solapou algumas conquistas recentes. Entre 2003 e 2010, o ganho real dos mais pobres foi de 70%, o que realmente tirou milhares de brasileiros da extrema pobreza e criou uma nova classe média. Mas com a recessão, o mercado de trabalho foi duramente impactado, com o aumento de desemprego e perda da renda do trabalhador.
A desigualdade também tem sido tema recorrente em fóruns internacionais como O Fórum Econômico Mundial, que listou as desigualdades econômicas como uma das três maiores ameaças ao mundo. A diretora do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, manifestou que o combate à desigualdade deve ser prioridade na agenda econômica global. Segundo ela, as instituições, inclusive o FMI, demoraram a aceitar a ideia de que a desigualdade é nociva – e só agora a instituição “se converteu” para aceitar a importância da desigualdade social e promover políticas para combatê-la.
Nesse contexto, chamamos a atenção para o papel do investimento social privado, espaço de debate onde a Fundação Tide Setubal também está inserida. Temos um papel no combate às desigualdades sociais num cenário de um desenvolvimento sustentável e por meio do diálogo entre diferentes posições e ações cidadãs. A eficiência, a meritocracia e os resultados só adquirem sentido se tivermos clareza que o objetivo principal de nossa ação no campo social deve ser a equidade.
Um novo ciclo se inicia com o nosso compromisso de contribuir para o debate de políticas públicas para as grandes cidades. Políticas que possam se transformar em programas que enfrentem as desigualdades sociais, que sejam implementadas de acordo com cada realidade oferecendo novos caminhos e oportunidades para uma maior integração entre os diferentes territórios das cidades.
*Paula Galeano
Superintendente da Fundação Tide Setubal