Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
“A educação só será de qualidade se esse direito for para todos de fato: com equidade”, apontam especialistas
“A palavra equidade virou moda e tudo continua como está. A questão é que esse conceito é uma dimensão concreta da desigualdade. Equidade é tratar desigualmente os desiguais de tal maneira para permitir o acesso”. A fala de José Francisco Soares, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reflete o tom das discussões […]
“A palavra equidade virou moda e tudo continua como está. A questão é que esse conceito é uma dimensão concreta da desigualdade. Equidade é tratar desigualmente os desiguais de tal maneira para permitir o acesso”. A fala de José Francisco Soares, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reflete o tom das discussões que nortearam a mesa de debate “Equidade: o que é, como e por que promovê-la”, no segundo dia do seminário.
Como lembram os especialistas presentes, debater equidade é extremamente importante, pois estamos falando de igualdade de oportunidades, ou seja, permitir que todos possam ter acesso de maneira igual. Porém, apesar da sua relevância num país marcado pelo racismo estrutural, que cria dificuldades concretas de acesso principalmente aos negros, pobres e mulheres, o que se vê, segundo José Francisco, é uma política de equidade inexistente ou que é pouco efetiva.
“Nós não somos iguais. A diferença é algo do humano. Mas a diferença entre pessoas não pode ser levada para a diferença entre grupos. Quando eu olhar a distribuição das crianças nas escolas, precisamos manter a diversidade, mas não podemos aceitar a diferença que se caracteriza numa desigualdade que é uma desigualdade de grupos”, ressaltou, lembrando, portanto, que é preciso discutir, antes de mais nada, o direito à educação.
“Na educação nós temos os três grandes resultados: acesso, permanência e aprendizagem. Só que antes de uma criança perguntar: ‘eu tenho direito de aprender o quê?’, a questão precisa ser: ‘quem vai garantir o meu direito?’. Alguém tem que se sentir responsável por isso. É impressionante como isso não faz parte da discussão institucional. O direito vem antes da igualdade de oportunidades. A meritocracia sem direito é cinismo, pois a maioria ficou para trás. Temos que expandir a definição de excelência. Qualidade para poucos não é qualidade”, defendeu o professor.
Por isso, não é à toa e nem um jogo de palavras, como lembrou Marlova Noleto, diretora e representante da UNESCO no Brasil, que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 4 aponta como foco “assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”, tendo em vista que todos precisam aprender e a educação só será de qualidade se esse direito for para todos de fato, ou seja, com equidade.
O impacto da equidade
Mas, afinal, quais são as razões para a equidade ser um princípio a ser adotado em todas as políticas e iniciativas da sociedade, sejam elas quais forem? Marc Fleurbaey, professor de Economia e Políticas Públicas da Princeton University, trouxe para a pauta essa discussão. Segundo o especialista, um dos aspectos negativos centrais da desigualdade, ou seja, quando há profundas exclusões, é a perda de tempo em dois aspectos.
Um deles diz respeito ao próprio crescimento econômico, o que já vem sendo discutido, inclusive, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), tendo em vista que quando se tem na sociedade uma forte desigualdade, há muitas pessoas que não têm acesso ao mercado de crédito, poder de compra, maneiras de se tornar mais produtivas etc.
Já o segundo ponto diz respeito ao desperdício de desenvolvimento humano. “Quando temos fortes desigualdades na educação, por exemplo, inúmeros estudantes não chegam onde poderiam chegar como seres humanos. Isso se reflete também em outras instâncias, como relações no trabalho que são alteradas pelas desigualdades entre grupos, o que causa problemas de saúde, na força de trabalho, cria depressão etc. Isso é um desperdício de potencial humano para toda a sociedade”, analisou.
Um ponto central a se analisar nesse debate, acredita Marc, é o fato de que quando há desigualdade, quando existe discriminação racial, de gênero etc., há um impacto direto na dignidade pessoas, ou seja, elas se sentem menos que as demais, de que não podem ter os mesmos sonhos, não podem ter acesso às mesmas coisas que as outras. “Não há como alcançarmos a justiça social quando alguns não se sentem tratados com dignidade”, alertou.
Como enfrentar as desigualdades
O primeiro passo para superar a falta de equidade, segundo os especialistas, é dar luz a essas desigualdades. Ou seja, torná-las visíveis para poderem ser superadas. Assim as evidências são ponto central. O Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (IDeA), lançado durante o evento (clique aqui para ler matéria a respeito), tem justamente esse propósito.
O instrumento ajuda a apontar situações em que os alunos não aprenderam o que deveriam, junto com aquelas em que indivíduos de um grupo aprenderam menos que os de outro. Ou seja, leva em conta a qualidade da aprendizagem e, ao mesmo tempo, as desigualdades entre grupos de nível socioeconômico, raça e gênero.
“No Brasil não dá para usarmos a média. Temos ‘Brasis’. O Brasil dessas pessoas tem que vir à tona. A cara da educação implica em mostrarmos como estamos. Temos que olhar a exclusão das pessoas para que todas as discriminações sejam enfrentadas. Com os dados em mãos conseguimos ver, por exemplo, que quem está evadindo não é uma amostra aleatória. Ao olhar os resultados, podemos perguntar: quem é que ficou para trás”, ponderou o professor da UFMG.
E as desigualdades educacionais não são poucas e precisam ser superadas de diversas formas, destacaram os especialistas presentes. Um olhar importante a ser tomado no país, na avaliação de Marcos Lisboa, presidente do Insper, é definir, por exemplo, o que os adolescentes precisam de fato aprender em cada ano do Ensino Médio, algo que não foi ainda estabelecido com clareza, mesmo com a elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com a reforma do Ensino Médio.
“É preciso lembrar que o país passou a investir, nas últimas décadas, 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, sendo que antes era menos de 2%. Porém, ao analisarmos os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do Ensino Médio, os resultados foram um fracasso imenso. Houve retrocesso na escolaridade, além de uma preocupante evasão escolar. Precisamos analisar isso com muita atenção”, completou Marcos.
A partir desse cenário, um ponto central na avaliação dos participantes é focar na melhoria da gestão dos recursos e, como destacou Marc, na governança dos processos que, segundo ele, é o aspecto mais fraco de diversas instituições, algo que pode impactar diretamente atingir o ODS 4,entre muitos outros.
Por fim, para avançar, outra recomendação é o país conseguir disseminar, de fato, os bons exemplos de redes municipais e estaduais e também de escolas que estão conseguindo enfrentar as desigualdades e alcançando resultados efetivos de qualidade educacional, dando escala a essas iniciativas, como foi o caso do Espírito Santo, Ceará e tantos outros pelo país.
“O que estamos fazendo é um esforço de trazer a equidade para o centro do debate. Mas só vamos conseguir de fato mudança quando de fato gostarmos do assunto. Quando estivemos motivados a alcançar isso e com muita alegria interna”, deixou o seu recado o professor José Francisco.