“A gente vive e respira o Lapenna”
Moradores apontaram seus desejos para o território no Lançamento do Plano de Bairro Participativo do Jardim Lapenna. Confira a reportagem do coletivo Periferia em Movimento
Por Mariana Caires e Thiago Borges – Periferia em Movimento
Sábado de sol, ruas movimentadas: cenário propício para pensar as mudanças que a gente quer. Assim estava o Jardim Lapenna, na Zona Leste de São Paulo, no último dia 10 de junho. Naquela manhã, quem passava pela rua Dr. Almiro dos Reis, a “Rua da Feira”, logo interagia com as propostas de cada barraca – não para fazer compras e encher o carrinho, mas sim para expressar de diversas maneiras os sonhos que almeja para a quebrada onde vive.
“Apontei que na rua Nordestina há alagamentos horríveis quando chove. Os moradores perdem tudo. Chove, passa a chuva e a enchente continua. Também tinha que ter mais lazer, coisa que não tem mais”, conta Andrea Santos, moradora do Lapenna há mais de 10 anos, que deixou suas críticas e sugestões na Barraca dos Sonhos.
O evento, com diversas atividades e atrações musicais, marcou a apresentação do Plano de Bairro Participativo do Jardim Lapenna aos moradores da região. O Plano é uma experiência pioneira na cidade de São Paulo, fruto da mobilização popular, construída por representantes do bairro com apoio da Fundação Tide Setubal e da Fundação Getúlio Vargas.
O Plano acontecerá em três etapas essenciais: diagnóstico externo, diagnóstico interno e estruturação do plano. Após o lançamento, a própria comunidade dará seu parecer sobre o bairro e o que poderia mudar. Para Ciro Biderman, da FGV, “este é um momento de mobilizar as pessoas para construir o plano desde dentro. A partir do diagnóstico, as pessoas mostram algumas coisas que não conseguimos ver nos números. isso é uma forma de entrar nos detalhes, juntar informações humanas às técnicas. A intenção é conseguir que as pessoas tenham seus direitos reservados no que se reflete no território, é garantir que o Lapenna seja um território de direitos”, ressalta Biderman.
Lançamento animado
Diversas atividades, como a Barraca dos Sonhos, marcaram o lançamento. Quem passava pela rua podia apontar locais de referência em um mapa afetivo do território e se deparava com fotos penduradas em postes e grades das casas que estampavam momentos marcantes da memória local, com atividades culturais e educativas – afinal, o bairro tem muitas lembranças boas para contar.
“É muito bom morar no Lapenna porque as pessoas são humildes e você nunca tá sozinho. É difícil acontecer situações em que pessoas virarem as costas para você. Nós somos felizes aqui, mas faltam melhorias”, aponta Marli da Silva, líder do Conselho Gestor da Unidade Básica de Saúde local e integrante do Colegiado do Plano de Bairro. Para ela, a iniciativa será fruto de colaboração coletiva:
“Este é o meu plano para o bairro. Cada um aqui tem um plano para o bairro. Se 20 pessoas têm o mesmo plano que o meu, então temos que trabalhar em cima desse plano”, completa Marli.
As equipes da UBS e do Programa Saúde da Família marcaram presença no lançamento com o recolhimento de óleo de cozinha usado e uma barraca com brincadeiras para crianças, como a trilha da saúde, em que os participantes respondiam a questões sobre a dengue; uma caixa de enigmas sobre o descarte de aparelhos eletrônicos; e um jogo da memória sobre árvores frutíferas.
A garotada participou, ainda, de uma oficina de grafite que coloriu os muros com informações sobre as próximas reuniões para elaboração do Plano de Bairro e pode jogar futebol de botão na barraca armada pelos diferentes times de várzea que deixaram as disputas para o campinho e se uniram por melhorias para a região. “Eu acredito que se o pessoal se unir, o plano vai dar certo, temos que procurar o melhor. A gente vive e respira o Jardim Lapenna”, afirma Carlos Borel de Carvalho, o Dida, membro do Colegiado e criador da ONG SOS Lapenna – organização que surgiu como associação esportiva.
Participação jovem
Em um bairro que tem a maioria da população formada por jovens, adolescentes e crianças, nada mais justo que incluir os meninos e meninas que frequentam o Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) Lapenna nesse momento de articulação de demandas. Na barraca da rádio Comunidade no Ar, eles apresentaram uma radionovela sobre Plano de Bairro, entrevistaram especialistas e conduziram um bate papo com a participação de lideranças locais e membros do colegiado. No debate, participaram Marcel Ianderson Pereira (Presidente da Sociedade Amigos do Jardim Lapenna), Carlos Borel (Presidente da organização SOS Lapenna), Jeferson Rodrigues (Gestor do PAVS), Ciro Biderman (Pesquisador da Fundação Getúlio Vargas), Paula Galeano (Superintendente da Fundação Tide Setubal), Marcelo Ribeiro (Gerente administrativo da Fundação Tide Setubal) e Maria da Gloria Oliveira, moradora do Jardim Lapenna.
Dona Glória, como é chamada, tem 72 anos e sua família foi a segunda a comprar um terreno no Jardim Lapenna, em 1961. Conhecida também como Vó Gloria, em mais de 50 anos pisando neste chão, ela participou de memoráveis mobilizações sociais articuladas pelo Fórum de Moradores que garantiram a conquista de moradia, posto de saúde, as duas creches, a escola e o CCA. “As melhorias estão vindo, mas precisamos continuar. Se a gente cochila, as coisas voltam de ré”, diz ela.
Afinal, o bairro ainda sofre com muitos problemas – e a história demonstra que apenas a mobilização popular pode trazer as mudanças almejadas. “Eu não posso consertar o mundo. Mas o Lapenna, que é o meu mundo, eu posso ajudar a melhorar”, conclui Vó Gloria.