A oralidade da ancestralidade
Por Amauri Eugênio Jr. / Fotos: Léu Britto / DiCampana Foto Coletivo Em 4 de novembro, a criançada da EMEF Antonio Carlos de Andrada e Silva, que esteve presente no Galpão ZL, núcleo de prática local da Fundação Tide Setubal no Jardim Lapena, na zona leste de São Paulo, pôde assistir a uma […]
Por Amauri Eugênio Jr. / Fotos: Léu Britto / DiCampana Foto Coletivo
Em 4 de novembro, a criançada da EMEF Antonio Carlos de Andrada e Silva, que esteve presente no Galpão ZL, núcleo de prática local da Fundação Tide Setubal no Jardim Lapena, na zona leste de São Paulo, pôde assistir a uma apresentação que ia muito além da contação de histórias.
Naquele dia, elas puderam ter contato com histórias e lendas afro-brasileiras apresentadas pelo Núcleo Histórias de Comadres. O grupo apresentou dois espetáculos naquele dia: Dikeledi e as Voltas que o Mundo Dá…, sobre a história da princesa Dikeledi, que teve o corpo transformado em berimbau após morrer; e Dandara, a Guerreira Quilombola, que retratava a história de Dandara, figura lendária da história brasileira que, apesar de ser subrepresentada em aulas de história – quando é -, se tornou um símbolo do empoderamento da população e da cultura negras.
De acordo com Jordana Dolores, atriz, capoeirista, educadora e narradora de histórias, boa parte das histórias apresentadas por ela e pelo grupo teatral do qual faz parte retratam ícones da cultura africana e afro-brasileira, nas quais a maioria dos protagonistas é representado por mulheres. Algumas partes importantes para entender a importância que tem a contação de histórias sobre lendas africanas estão relacionadas à representatividade e ao consequente aumento pelo interesse sobre o tema.
Jordana Dolores interage com o público (Léu Britto / DiCampana Foto Coletivo)
Deve-se destacar também o trabalho de pesquisa e curadoria de conteúdo para a construção do enredo das histórias contadas. Jordana aborda o acesso que existia há aproximadamente uma década a informações sobre cultura e história afro-brasileira: “há dez anos, eu fui fazer um espetáculo sobre Zumbi dos Palmares e havia me dado conta de que a única informação que tinha era sobre ele ter sido líder do quilombo dos Palmares.”
Como consequência, um ponto importante dentro deste cenário está relacionada às histórias com as quais crianças, em especial negras, tiveram historicamente – e como o pouco ou nulo contato com cultura afro-brasileira foi naturalizado com o passar do tempo. “Há muitas(os) contadoras(es) de histórias que abordam os [contos dos] irmãos Grimm, que são histórias lindas. Os mitos europeus são lindos também, mas há muita gente contando-os e, por isso, a gente precisa contar as nossas próprias histórias. A gente precisa se amar e só conseguirá quando se conhecer”, destaca a atriz e educadora.
Cada contação tem a sua história
Foi possível perceber, durante a contação da lenda sobre Dandara, que a quantidade de crianças que conheciam a história do ícone afro-brasileiro era pequena. Apesar disso, o engajamento da garotada foi grande – e algumas sementes foram plantadas entre elas. Mas, apesar da dinâmica ter se desenvolvido desse modo no Galpão ZL, dada evento tem uma realidade diferente. “Muitos lugares são como hoje [dia da apresentação], em que as pessoas não tinham muitas referências, mas já fui surpreendida: fiz, há pouco tempo, uma temporada nas Fábricas de Cultura, na periferia de São Paulo. Em algumas unidades onde cheguei, o público conhecia Dandara, Marielle e Conceição Evaristo”, descreve Jordana.
No fim das contas, a percepção é de que o panorama sobre o contato com a cultura africana e afro-brasileira está longe do ideal, mas o trabalho feito com base na Lei 10.639/03, segundo a qual o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira é obrigatório, vem surtindo efeito. “Chegar em um lugar e ver a criançada de cabelo crespo, numa boa, não existia – poder se amar desde criança faz muita diferença: poder se amar desde criança. Cada lugar tem uma dinâmica diferente. Isso vale para chegar em um espaço e pensar: ‘estou trazendo esta informação agora, pois não havia chegado’. E é muito legal também chegar e perceber: ‘nossa, que legal! Já trabalharam aqui e preparou a cama para mim’”, finaliza.
O público acompanha atentamente a apresentação (Léu Britto / DiCampana Foto Coletivo)
Aulas além dos livros
Ana Maria Rodrigues e Cleydiane Maria de Andrade Sena, professoras do 5º ano da EMEF Antonio Carlos de Andrada e Silva, falaram sobre a importância de os alunos terem contato com atividades como a realizada no Galpão ZL e, como consequência, com cultura afro-brasileira.
Para Ana Maria, o contato lúdico é importante, pois ajuda as crianças a entenderem melhor a história brasileira, o que acontece de modo mais dinâmico de acordo com a sua perspectiva. “Comentamos com eles que [a apresentação] seria uma aula diferente. Contações de histórias e saraus devem fazer parte da vida deles, para eles entenderem que aprender não é só na escola e que todos os lugares são educativos. Eles aprendem com os territórios e com os ambientes, e isso agrega muito para o crescimento deles.”
Cleydiane segue a linha de sua colega de profissão e considera que conteúdos como os assimilados por meio de Dandara, a Guerreira Quilombola serve como ponto de partida para a realização de debates e para a busca por novas formas de conhecimento. “Os alunos costumam voltam com muita coisa para contar. Isso desperta o interesse neles [pela busca por dados] e eles começam a fazer pesquisas. Atividades como essa são muito importantes, pois eles começam a buscar por novas informações”, finaliza a professora.