Era período de quarentena e, por causa da pandemia de Covid-19, todos os espaços culturais haviam sido fechados de modo a garantir a segurança da população. De sua casa no Jardim Lapena, na zona leste de São Paulo, Malu Gomes, há 11 anos responsável pelo Ponto de Leitura do território, não parava de receber mensagens de parte dos 400 leitores e leitoras cadastrados sobre o desejo de retirar livros.
Em tempos de isolamento social, a leitura tornou-se, mais do que nunca, uma aliada das pessoas para passar o tempo e envolver-se com histórias para além das paredes que as cercam. Países como o Reino Unido e a Espanha tiveram, respectivamente, aumento de 33% e 50% nas vendas online de livros em março de 2020.
Um dia, sentada diante da janela de sua casa, Malu viu passar alguns ciclistas. Aquela imagem despertou nela um pensamento novo: “Queria saber andar de bicicleta para levar livros às pessoas.” Imediatamente, ela percebeu que aquilo podia ser um projeto. Quando voltou ao trabalho semipresencial no Galpão ZL, meses depois, achou que era o momento de articular.
Conversou aqui e acolá com pessoas envolvidas no trabalho da Fundação Tide Setubal no território e ouviu de Marcelo Ribeiro, coordenador de Prática Local, que, além da demanda pelo Ponto de Leitura ter sido intensa na quarentena, o Galpão ZL tinha recebido, na área literária, uma doação de 500 livros do Chico Mattoso, escritor de Longe de Ramiro (Editora 34) e Nunca vai embora (Cia das Letras).
“Temos também a parceria com o Instituto Aromeiazero, que acabou de formar pessoas no Lapena para fomentar o comércio local a partir do delivery justo. Podemos integrar essas ações”, disse Marcelo a Malu. O delivery justo é uma maneira de promover alternativas mais transparentes, dignas e sustentáveis para a crise da pandemia, além de valorizar o trabalho dos entregadores e entregadoras. Assim nasceu o projeto Bike Literária.
O Sistema Municipal de Bibliotecas de São Paulo, gestor dos Pontos de Leitura, ainda os mantém fechados por determinação da prefeitura. Mas, a partir do Bike Literária, o incentivo à leitura no bairro pode continuar. Primeiro, foram doados cinco livros aos leitores e leitoras mais assíduos no período pré-pandemia. E, desde o final de outubro, a população tem um cardápio de 30 livros no whatsapp para escolher. Depois de devolvidos, cada livro é higienizado e passa por uma quarentena antes de poder ir para outra casa.
Malu via seu momento de inspiração na janela de sua casa tornar-se realidade. Mas ainda era possível fazer mais.
Tem uma geladeira na minha praça
O território do Jardim Lapena tem um colegiado de moradores que, nos últimos anos, vem pensando soluções para a região. Uma das propostas criadas por esse grupo foi a de revitalizar as praças como espaços de lazer, esporte e cultura.
Anselmo Serafim, morador e integrante do colegiado, pensava em novas ações para as praças quando, durante um encontro da rede literária, o coordenador da casa de cultura do Itaim paulista, Cacau Ras, contou de um projeto chamado Gelateca. Quando soube dessa iniciativa, Anselmo achou a ideia conveniente para a sua comunidade. E, mais uma vez, a articulação com a Fundação Tide Setubal foi fundamental para o andamento dessa ideia.
Mas, afinal, o que é uma gelateca? A ideia é simples e rápida de ser executada. Coloca-se, em uma praça, uma geladeira já sem condições de uso para resfriar alimentos para transformá-la em uma estante de livros. Da sua parte, a Fundação comprou duas delas para colocá-las em praças diferentes e aproveitou a mesma doação de livros do escritor para recheá-las. As pessoas podem escolher quais levar para casa, mas também podem doar os seus livros já lidos, deixando a geladeira sempre farta e, como diz Malu, “levarmos, assim, a literatura para os quatro cantos da comunidade.”
Seja por bike ou nas praças, os livros continuam a alimentar a imaginação e os sonhos das e dos moradores do Jardim Lapena.
Ponto de Leitura lança livro
No próximo dia 4 de dezembro será lançado o livro de 10 anos do Ponto de Leitura do Jardim Lapena. O evento acontecerá por meio de uma live especial, conduzida pela escritor Eduardo Agualuz, com participações de pessoas da Fundação Tide Setubal, financiadores e leitores e leitoras que frequentam o espaço por todo esse tempo.
A live acontecerá às 17h e será transmitida no Enfrente, canal da Fundação Tide Setubal no YouTube.