Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
A periferia no centro da produção literária
Embora o movimento artístico e literário das periferias esteja cada vez mais vibrante, com saraus, slams e rodas de conversa em diversas regiões da cidade, os livros de autores periféricos ainda são ignorados por grande parte do mercado editorial brasileiro, e desconhecidos pelos leitores de regiões centrais. A falta de visibilidade da literatura periférica […]
Embora o movimento artístico e literário das periferias esteja cada vez mais vibrante, com saraus, slams e rodas de conversa em diversas regiões da cidade, os livros de autores periféricos ainda são ignorados por grande parte do mercado editorial brasileiro, e desconhecidos pelos leitores de regiões centrais. A falta de visibilidade da literatura periférica e sua importância para a quebra de preconceitos foram alguns dos temas discutidos na mesa Conversa com Autor(a) – Sujeitos Periféricos: Identidade e Protagonismo, realizada durante o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel.
Debatem o tema Débora Garcia, poetisa, produtora cultural e idealizadora do Sarau das Pretas, e o poeta Akins Kinte, autor do livro “Punga” em coautoria com Elizandra Souza, com mediação de Valmir de Souza, doutor em Letras. Na plateia, estavam alunos de diversas escolas da região.
Em sua fala de abertura, Débora contou sobre sua dificuldade de identificar-se com a literatura durante a infância e adolescência. “O meu encontro com a literatura foi muito tardio, já na vida adulta. Quando eu estava na escola pública, e depois na faculdade, a literatura que me foi apresentada era a literatura branca, de séculos passados, produzida majoritariamente por homens”, disse a autora. “Eu escrevia muito, mais jamais pensava em ser escritora. Isso não era colocado como uma alternativa para nós, e como eu não conhecia autores negros não poderia me espelhar”.
A poetisa conta que, aos 25 anos, quando conheceu os saraus e escritores e escritoras periféricos, um novo mundo se abriu. “O contato com essa literatura periférica, marginal, e com essas vivências de encontrar pessoas se apropriando de sua língua matriz para contar sua própria história fez com que eu tirasse o escritor daquele pedestal de homem branco em uma sala, tomando um chá e escrevendo sobre uma mulher que não parecia nada comigo. Eu compreendi que eu poderia também contar a minha história e transformar a minha vida com a literatura”, disse Débora.
Akins compartilha da mesma opinião sobre a importância da literatura para a construção da identidade, e imprime em seus textos muito de suas experiências pessoais. No debate, o poeta afirma que a literatura periférica e negra são fundamentais para discutir-se a história do Brasil e da África e romper com preconceitos. “Tem uma gíria nas quebradas que diz que “é nas menor que a gente vê as maior”. Esse movimento de quebrada tem uma grande importância”, disse o autor, sobre a necessidade de valorização da literatura periférica. Mas segundo Akins, a falta de visibilidade desta literatura nas regiões centrais ainda é um problema. “Quem compra livro? Quem distribui os livros nas escolas? No sistema capitalista, esses livros ficam na mão de poucos. Sempre as mesmas editoras conseguem acessar as escolas”.
Na plateia, muitos dos jovens já conheciam o trabalho de Débora e Akins, mostrando que iniciativas como o Festival do Livro e projetos de leitura nas escolas são fundamentais também para o fortalecimento da literatura periférica.
Veja o debate completo:
Amauri Eugênio Jr.