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Clubes de leitura criam redes de leitores nas periferias

Prática de desenvolvimento

1 de novembro de 2018
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Quem passasse em frente ao Galpão de Cultura e Cidadania (na zona leste de São Paulo) em uma sexta-feira à noite, acharia pelo som empolgado das conversas e risadas que ali acontecia uma festa. Mas na verdade, o evento, embora festivo, se tratava do encontro de um dos clubes de leitura da iniciativa Circuito Literário nas Periferias (CLIPE), uma parceria da Fundação Tide Setubal com a editora Companhia das Letras.

 

Os clubes acontecem nas cinco macrorregiões da cidade (Norte, Sul, Centro, Leste, Oeste) e são mediados por agentes culturais que já atuavam nas regiões. Em uma série de encontros mensais, leitores de idades e ocupações variadas se encontram para conversar sobre livros sugeridos pelos mediadores, compartilhar experiências literárias, dúvidas e impressões, frutos de suas experiências territoriais e subjetivas. Cerca de uma vez por mês, acontecem os encontrões, eventos abertos em diferentes regiões da cidade em que os participantes dos clubes podem conhecer e conversar com escritores como Geovani Martins (autor de “O Sol na Cabeça”, publicado pela Companhia das Letras), Ecio Salles e Julio Ludemir (criadores da FLUP) e Akins Kinte (autor de “Muzimba”).

 

Leia neste link a entrevista de Geovani Martins para a Fundação Tide Setubal, e confira no vídeo abaixo sua participação nos clubes de leitura

 

 

 

 

“Achamos muito interessante a formação de um circuito em que os participantes dos clubes transitam entre os diferentes territórios periféricos da cidade e conhecem essas diferentes cenas culturais e núcleos articuladores em torno da literatura, sejam saraus ou projetos de formação”, diz Rafaela Deiab coordenadora do departamento de educação da Companhia das Letras. “Essas diferentes pessoas acabam constituindo uma comunidade de leitores, lendo os mesmos livros e tendo acesso a eventos grandes com os mesmos escritores e formadores. É um circuito também de circulação de ideias e leituras”.

 

Na noite de sexta-feira, 19 de outubro, o livro discutido era “O Sol na Cabeça”, e os exemplares lidos faziam um desenho no chão do centro da roda de discussão. Antonia Marlucia, a Mallu, conduzia a conversa com os presentes, que tinham entre 15 a 38 anos. Convidados a comentar cada um dos contos, os leitores falavam sobre o sentimento de identificação com o livro, sua linguagem coloquial e os causos contados.  “Nesse livro parece que o personagem não é o Geovani, é você”, diz Daniel dos Santos, de 15 anos, ao comentar como ele frequentemente passa por uma situação de preconceito racial narrada em um dos contos, a de reparar que algum pedestre apressa o passo ao notar sua presença na rua.

 

Segundo Malu, no início os participantes eram mais tímidos, e falavam pouco. Mas com o passar dos encontros, foram se soltando, e hoje precisam apenas de poucos direcionamentos para compartilhar suas opiniões. Outro fator curioso é o crescimento do grupo, conforme a atividade torna-se mais conhecida. Josiane Costa da Cruz, de 22 anos, chegou ao clube a convite de uma amiga. “Gosto bastante de ler e pensei ‘que legal, parece coisa de filme!’ Já tinha tentando participar de clubes online e não tinha dado certo, mas esse estou gostando”.

 

“Os clubes de leitura não funcionam apenas em ambientes onde já se trabalha a leitura, e envolvem indivíduos que não necessariamente transitam em circuitos de literatura. Queremos formar leitores fora desse ecossistema de literatura”, afirma Márcio Black, especialista em cultura da Fundação Tide Setubal.

 

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Felipe Kennedy, de 18 anos, é uma dessas pessoas e afirma sem meias palavras que “O Sol na Cabeça” é o primeiro livro que lê de cabo a rabo. “O pessoal me recomendava vários livros e eu não me interessava, lia só um pouquinho e não curtia ou procurava um vídeo na internet que resumisse. Nesse, eu me senti dentro do livro, gostei pra caramba. Vou procurar agora mais livros com que eu me identifique”, conta.

 

Raquel dos Santos Almeida, agente cultural e mediadora do clube do livro da Zona Norte, defende que não é verdade que os jovens pararam de ler. “A gente reclama muito que eles não leem, mas tenho uma opinião diferente. Eles estão lendo, mas em outros formatos, com os meios digitais, que disputam a atenção com os livros. Dependendo de como é a dinâmica, a leitura do livro pode ser gostosa, sem parecer obrigatória”, diz. Nas rodas de conversa que acompanha, Raquel afirma que as reflexões acabam dialogando com temas próximos da vida dos leitores, mesmo quando o livro estudado trata de uma realidade distante, como é o caso de “Persépolis”, HQ que aborda a revolução islâmica, ou “A Revolução dos Bichos”, alegoria de George Orwell inspirada pela revolução russa. Outros títulos trabalhados pelo clube são “Essa menina” de Tina Correia e “Meio sol amarelo”, de Chimamanda Ngozie Adichie.

 

Cada mediador teve liberdade para definir como mobilizar os participantes do seu clube e definir as datas, horários e dinâmicas. E mudanças vão sendo feitas ao longo do caminho, com a participação de leitores mais jovens que o inicialmente esperado. No Jardim Lapenna, a reunião oficialmente acaba depois das nove da noite, mas os participantes continuam a bater papo, sobre literatura e sobre suas vidas. Talvez seja a hora de Malu adotar um novo formato para os encontros. “Estou pensando em fazer o próximo em uma pizzaria”, diverte-se a mediadora.


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