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Conversa com autores promoveu debates sobre literatura e democracia

Prática de desenvolvimento

10 de dezembro de 2015
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Há 30 anos, o regime democrático foi instaurado no Brasil. Sob o comando de órgãos de censura amparados por governos ditatoriais, milhares de livros foram proibidos ou queimados por razões políticas ou ideológicas no mundo todo. Na era Vargas, entre 1930 e 1945, Jorge Amado e José Lins do Rêgo, entre outros, tiveram obras destruídas em praça pública. A palavra une diferentes vozes, tece encontros e cria novos conhecimentos; acaba por ser uma das chaves essenciais para a liberdade. O grande sucesso do Festival do Livro e da Literatura deste ano é uma prova disso.

 

“Ao longo da história, os livros sistematizaram ideias e serviram como pilares para a vida em sociedade.” Com esta frase, o escritor Hamilton Faria abriu a primeira mesa da edição 2015. Livro, Literatura e Democracia, que aconteceu no dia 5 de novembro e trouxe como convidados Bernardo Carvalho –escritor contemporâneo brasileiro, vencedor, em 2014, do Prêmio Jabuti na categoria Romance; e Cadão Volpato –escritor, músico, ilustrador e jornalista.

 

Já no dia 6 de novembro, durante a tarde, a plateia estava repleta de jovens. O temaA Batalha do Rap pelo Espaço Democrático provocou uma reflexão sobre a poesia musicada da periferia. Alessandro Buzo, escritor, Ricardo Teperman, músico e antropólogo, além de Tiaruju Pablo, morador da zona leste, sociólogo e músico, surpreenderam a plateia e foram surpreendidos pela participação popular.

 

As discussões sobre as redes sociais também foram pauta do festival. Leonardo Sakamoto, jornalista e doutor em Ciências Políticas, e Luiz Ruffato, escritor e colunista do jornal El País Brasil e um dos finalistas do Prêmio Jabuti de Literatura 2015, debateram Leitura em Rede. A conversa foi mediada por Piero Locatelli, jornalista e escritor, e contou com a participação ativa da plateia.

 

 

Livro, Literatura e Democracia

 

Na opinião de Bernardo Carvalho, o mundo mudou completamente desde a redemocratização: “Ninguém queima mais livros hoje, todo mundo tem direito a ler. O perigo da democracia não existe de forma visível. Isso é interessante e assustador. Combater Hitler e o nazismo era mais fácil”.

 

Para Cadão Volpato, esse período não foi nada literário: “Naquele tempo, não tínhamos internet, não tínhamos acesso a informação. Porém, era mais fácil sobreviver, pois tínhamos apenas dois lados: os militares e os militantes”.

 

Hamilton Faria acrescentou que momentos passados trazem muitas vozes. “A ética individual e a ética coletiva se juntam. Estamos vivendo tempos ambíguos. Como vocês veem o papel da internet em contraposição a outras formas de linguagem?”, questionou.

 

“Acho que a internet aceita tudo. Ela é uma experiência coletiva solitária. Você é um indivíduo porque compra ou consome alguma coisa e não pelo que pensa. Escrever um livro também é uma expressão individual”, ponderou Volpato.

 

Já Carvalho acredita que cada vez mais existe um discurso que afasta as pessoas do que realmente elas são: “O principal problema do país é a educação, se não há questionamento, a barbárie pode continuar acontecendo. O Brasil é um país sem educação, as pessoas aguentam tudo e a sociedade não questiona”.

 

Na avaliação de Faria, é a literatura, diante desse contexto, que tem o poder de reconstruir o real: “A literatura nos traz a mágica da linguagem num momento de incredulidade”.

 

 

A Poesia Musicada da Periferia

 

O dia a dia da periferia também pode se transformar em informação e poesia. “Antigamente, tínhamos apenas livros falando sobre a periferia escritos por quem não morava na periferia. Não adianta falar da favela se você não conhece a favela. Hoje, a literatura marginal é uma forma de luta”, apontou Alessandro Buzo, autor de 12 livros, entre eles O Trem, sobre o cotidiano vivenciado pelos moradores da zona leste dentro dos trens paulistanos durante as décadas de 1970 e 1980. “Este livro mudou minha vida”, disse.

 

Durante a conversa, Tiaruju perguntou a Buzo o que faltava na periferia. De forma contundente, o escritor respondeu: “Tudo! Falta visibilidade, respeito, mas muita coisa melhorou. Se estivéssemos no tempo da ditadura, os militares teriam me ‘limado’ depois de escrever O Trem”.

 

Uma das principais mudanças, segundo os autores, foi o acesso dos jovens da periferia à universidade. Tiaruju é um exemplo. Morador da região de Itaquera, ele se formou em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). “Li muito texto no ônibus e dentro do metrô, diariamente fazia o trajeto Itaquera–Butantã. Isso prova que os filhos da periferia podem, sim, ocupar os bancos universitários deste país, a gente precisa acreditar que a caminhada é possível.”

 

 

Leitura em Rede

 

A internet se tornou um espaço aberto em prol da democratização.  No entanto, nos últimos tempos, a rede também tem sido palco de uma disseminação de ódio e intolerância. Piero Locatelli chamou a atenção quando perguntou a Ruffato e Sakamoto porque ambos não possuíam caixas de comentários em seus blogs e colunas.

 

“Durante muito tempo meu blog teve comentários. A ideia era criar uma arena onde as pessoas lessem os textos e pudessem fazer uma reflexão sobre aquilo que estavam lendo. Porém, aquilo se tornou um espaço para as pessoas destilarem o ódio. Depois que retirei a caixa de comentários, muitos disseram que a audiência do blog iria cair, mas, ao contrário, fizemos uma pesquisa e ela aumentou em sete pontos”, respondeu Sakamoto.

 

Ruffato explicou que uma das exigências que fez ao jornal El País era de que sua coluna não tivesse espaço para comentários. Porém, suas matérias iam para o Facebook: “No começo, eu acompanhava os comentários, depois, resolvi não fazer mais. Fiquei impressionado com o grau de agressividade das pessoas. Descobri que o ambiente da internet, que é democrático, pode ser fortemente intolerante e autoritário”.

 

Na observação de Locatelli, é estranho perceber como as pessoas conseguem conversar sobre determinados assuntos pessoalmente, mas, pela internet, tudo se torna mais ácido.

 

“Eu gosto de pensar nessa questão sobre o que nós somos e o que nós estamos construindo. No livro, eu sou um escritor, já no El País, eu represento uma ideia, uma opinião”, disse Ruffato. Para ele, a sociedade brasileira é hipócrita: “O que estamos vivenciando é que as pessoas estão deixando as máscaras caírem. Estamos assistindo a um dos grandes fracassos dos governos democráticos que é a educação. A educação vai muito além da instrução. Temos que educar para a cidadania”.

 

Sakamoto definiu a escola como o primeiro espaço de socialização: “Convivemos com o diferente, por isso é necessário ter professores que saibam lidar e conviver, também, com as diferenças”.

 

Na conclusão, Rufatto fez uma análise mais abrangente: “Mesmo assim, sou um otimista. Somos um país relativamente jovem, nossa democracia tem apenas 30 anos. A história de formação de nosso país é violentíssima, tivemos genocídios de índios, escravagismo, depois a mão de obra escrava foi substituída por italianos e japoneses. Enfim, acredito que nossa dificuldade em debater determinados assuntos esteja enraizada em nossa própria história. No entanto, os jovens podem dar uma contribuição importante para que essa intolerância mude”.


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