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Como a insatisfação com o poder público pode ser uma ferramenta para estimular a participação política da população?

Comunicação

16 de outubro de 2024
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O processo para fomentar a participação política da população apresenta obstáculos importantes, ainda mais quando se considera a insatisfação populacional com o poder público.

 

Nesse sentido, o nível de confiança da população em instituições democráticas é um indicativo desse cenário. De acordo com a pesquisa Índice de Confiança Social 2023, do Ipec, o patamar de segmentos da esfera pública alcançou a seguinte pontuação de 0 a 100:

 

 

  1. Sistema público de saúde: 56;
  2. Governo da cidade onde mora: 54;
  3. Poder Judiciário / Justiça: 53;
  4. Eleições / sistema eleitoral: 43;
  5. Governo Federal: 52;
  6. Congresso Nacional: 40.

 

 

Todavia, esse cenário mostra que, apesar de a participação política da população ter se intensificado desde o período da reabertura, há ainda um longo caminho para se alcançar o protagonismo populacional. E, com isso, o quadro político vigente – em especial desde meados dos anos 2010 – apresentou vulnerabilidades passíveis de exploração por parte de grupos antissistêmicos e com verniz antidemocrático.

 

“O cenário atual é muito mais delicado, pois a falta de crença no futuro acaba fazendo crescer um tipo de argumento de que é necessário ‘destruir tudo o que está aí’. Com isso, a parcela da população desacreditada embarca em discursos como esse”, explica Tiaraju Pablo D’Andrea, professor do Campus Zona Leste da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Centro de Estudos Periféricos (CEP).

 

Contudo, o discurso antissistêmico respalda tentativas de se acabar com direitos sociais e garantidos pela Constituição Federal de 1988. Desse modo, destruí-la é avançar contra populações historicamente marginalizadas – e, consequentemente, reduzir a efetividade da participação política da população. “Há todo um arcabouço ideológico que vem junto com a descrença, que é, na verdade, destruir tudo que foi construído. Isso é muito perigoso, pois é um discurso de reação e esse tipo de discurso é reacionário”, destaca Tiaraju.

 

Da descrença à luta

Os níveis deficitários – e, consequentemente, abaixo do ideal – de prestação de serviços públicos à população transmitem, em particular para cidadãs e cidadãos de áreas periféricas, de que promessas inerentes ao processo democrático. Os exemplos a seguir tornam essa dimensão emblemática.

 

Por exemplo, quem mora em Jardim Campo Grande ou Cidade Líder, na zona sul, precisa esperar cerca de 39 dias para conseguir uma consulta com um clínico geral. Em contrapartida, quem mora em bairros centrais têm espera de zero a quatro dias para a mesma especialidade. Além disso, segundo o Mapa da Desigualdade de São Paulo 2023, da Rede Nossa São Paulo, a expectativa de vida no distrito de Itaim Bibi chega aos 82 anos, enquanto no distrito de Anhanguera é de 59 anos.

 

Assim sendo, ao considerar-se estes exemplos e iniquidades existentes em demais áreas, o nível deficitário na oferta serviços públicos resulta em terreno fértil para discursos de políticos autodeclarados antissistêmicos e que podem, inclusive, defender ações para reduzir, justamente, o nível de incidência e trabalho do poder público.

 

Nesse sentido, Tiaraju Pablo D’Andrea chama a atenção para, justamente, a importância de adotar perspectiva inversa. Ou seja, aumentar a oferta de serviços públicos e, desse modo, intensificar a participação política da população. “O cansaço da população origina-se de percepção e experiência práticas. Porém, o problema da política pública que não funciona, que é real e concreto, não será solucionado com redução de serviços. Tem-se uma falsa solução para um problema que é concreto, logo, é necessário mobilizar-se para que as políticas públicas funcionem de fato para a população.”

 

 

Leia a íntegra da entrevista com Tiaraju Pablo D’Andrea

 

Luta por mais espaço

“O Estado nunca deu nada de graça. Foram mulheres das periferias, trabalhadores das periferias e população moradora de favela que se organizaram com o passar do tempo. Elas pressionaram para que tais políticas públicas sejam implementadas fundamentalmente nos bairros populares.” É deste modo como Tiaraju Pablo D’Andrea destaca a importância histórica da participação política da população para o acesso a direitos básicos inerentes à cidadania.

 

Desse modo, um exemplo clássico é o modo como a luta de mulheres da zona leste de São Paulo nos anos 1970, por meio do Movimento de Saúde da Zona Leste (MSZL), teve papel fundamental para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988.

 

Logo, a luta por acesso a serviços – seja nas áreas da Saúde, Educação, mobilidade urbana, lazer e demais segmentos – passa por melhorias e fortalecimento do poder público. E isso passa, assim sendo, por combater o desmonte de políticas públicas. “Pode-se observar que houve, nos últimos anos, gestões municipais que tiveram como principal bandeira privatizações. Com ela, passou-se a ver um serviço, de comum direito, para algo a ser pago. Com isso, as pessoas deixam de ser cidadãs para serem clientes”, pondera o docente.

 

Finalmente, o objetivo de fazer cidadãs e cidadãos, em particular das periferias, voltarem a acreditar na capacidade do Estado de suprir suas necessidades e, desse modo, haver solução factível para problemas concretos, passa por estimular e fortalecer a participação política da população.

É necessário mobilizar-se para as políticas públicas funcionem de fato para a população, pois ela paga impostos e deveria vê-los sendo restituídos para ela em forma de serviços. A melhor forma de organizar a sociedade é pautar o serviço público gratuito de qualidade e para todas as pessoas”, finaliza Tiaraju Pablo D’Andrea.

 

 

 

Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Monstera Productionn / Pexels


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