Desenvolvimento econômico periférico multidisciplinar e plural
Segundo dia do 1° Fórum de Desenvolvimento Econômico Periférico colocou em debate o papel da pequena indústria formal e o consumo de luxo nas periferias
Quais são as dimensões do desenvolvimento econômico periférico no cotidiano das populações que vivem em territórios vulnerabilizados afastados de áreas centrais? Quais são as características da atividade econômica em tais territórios e como é possível criar processos de geração de renda que favoreçam tais espaços?
Essas perguntas, assim como por que existem periferias em âmbito econômico, nortearam os diálogos que compuseram o segundo dia do 1° Fórum de Desenvolvimento Econômico Periférico da Fundação Tide Setubal.
A primeira mesa do evento, Pequena indústria local como alternativa para a reorganização produtiva, contou com mediação de Kenia Cardoso, coordenadora do Programa Nova Economia e Desenvolvimento Territorial da Fundação, e as participações das seguintes pessoas painelistas:
- Kelly Cristiane de Souza, empreendedora (Coopellap)
- Demétrio Toledo, sociólogo e docente da Universidade Federal do ABC (UFABC);
- Marcos Lima, gestor de portfólio de investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
- Vahid Vahdat, diretor-adjunto do Instituto Veredas.

Participantes da mesa ‘Pequena indústria local como alternativa para a reorganização produtiva’ (Foto: Lucas Santos)
Protagonismo e desenvolvimento econômico periférico
Durante a sua participação nas periferias para haver desenvolvimento econômico. O docente da UFABC destacou que a maneira como o fluxo tecnológico reverbera e opera nas periferias, seja em âmbitos regional ou transnacional, “é o modo de brutalizar a vida das pessoas. Então, é necessário que as pessoas deixem de ser usadas pela tecnologia e que as tecnologias se tornem algo que as pessoas usem.”
Ainda nesse contexto, ele reforça o fato de que a população periférica, em particular jovens, usam tais recursos, mas têm seus corpos explorados. Desse modo, para o docente, “é necessário inverter essa relação existente na periferia entre tecnologia e pessoas.”
Durante a sua intervenção, Kelly Cristiane de Souza destacou que “a economia criativa existe e acontece na periferia, não nos grandes centros. Tanto que as pessoas nos grandes centros vão buscar na periferia produtos novos e diferentes.”
Assim sendo, a empreendedora reforça a necessidade de investir no potencial criativo e produtor das periferias para reverter a lógica da exploração – seja em âmbitos tecnológico, criativo e de mão de obra propriamente dita. “Acho fundamental [o acesso a] essa tecnologia para podermos nos desenvolver também, assim como o investimento financeiro tanto de empresa privada quanto dos nossos governantes.”
Em consonância com a urgência de apoiar o desenvolvimento econômico periférico, Marcos Lima considera a atuação de instituições financeiras como um problema nesse contexto. “O problema, neste caso, está no produto que a instituição financeira oferece ou no empreendedor que não consegue acessá-lo? Parece-me que o problema está nas instituições financeiras. Isso porque é possível ver ali que há um recurso que não consegue alcançar uma população que poderia fazer o dinheiro girar – e o banco tirar o resultado a partir do giro. Sem haver um ponto de partida, a população não conseguirá acessar o recurso.”
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Novos horizontes de desenvolvimento econômico
Em sua intervenção durante o 1° Fórum de Desenvolvimento Econômico Periférico, Vahid Vahdat comentou sobre aspectos diversos da crise existente no mercado de trabalho formal. Nesse sentido, ele considera que o crescimento econômico não traz consigo. Isso ocorre por causa de fatores como a digitalização e o acesso à realização de atividades profissionais por meio de recursos tecnológicos, o aumento de vagas. E esse aspecto resulta, em particular entre profissionais de classes socioeconômicas mais baixas, desilusão com o mercado em si.
“Há cada vez mais, então, pessoas não interessadas em ter um trabalho CLT ou formal, pois não terá autonomia ou [entender que] será respeitado e, por isso, não se desenvolverá como deseja. Há, desse modo, uma questão estrutural muito grande, que é a crise desse mercado de trabalho formal que acaba por impor o empreendedorismo às pessoas”, pondera.
Dentro desse contexto, o diretor-adjunto do Instituto Veredas considera também ser necessário apoiar e priorizar o crescimento de pequenas empresas. Idem as atuantes em territórios periféricos. “Isso nos leva muito para uma questão: como pensamos mesmo em caminhos estratégicos para as pequenas empresas no nosso país, que são muito relevantes”, destaca. “Muito do emprego jovem também passa por essas micro e pequenas empresas.”
Entre luxo e necessidade
A mesa de encerramento do 1° Fórum de Desenvolvimento Econômico Periférico teve o tema Consumo de luxo nas periferias como assunto principal. Com mediação de Marcelo Ribeiro, gerente de Projetos Estratégicos da Fundação Tide Setubal, o painel contou com participações de:
- Uvanderson Silva, coordenador do Programa Democracia e Cidadania Ativa da Fundação Tide Setubal;
- Tiaraju Pablo D’Andrea, sociólogo e docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
- Lidiane da Silva, pesquisadora periférica;
- Adriana Barbosa, CEO da PretaHub.

Imagem da mesa ‘Consumo de luxo nas periferias’ (Foto: Lucas Santos)
Durante sua participação, Uvanderson Silva traz um elemento histórico para o debate sobre consumo – e impacto no imaginário – de populações periféricas. Ao levar-se em consideração que não eram raros casos em que pessoas parcelavam a compra de um determinado produto em diversas parcelas para adquiri-lo, levando a um padrão em que “se trabalha mais para as instituições financeiras pagando juros do que criando um projeto próprio de desenvolvimento local”, pode-se considerar o consumo como um elemento-chave para entender a periferia.
“Acho que saímos de uma ideia de periferia da privação para uma periferia de potência. Mas não podemos perder de vista a dimensão da desigualdade territorial, que é constitutiva dos grandes centros urbanos, pois esse é um ponto importante também”, pondera.
Entre consumo e consumismo
Lidiane da Silva destacou, em sua fala, a dimensão da pluralidade estética e dos padrões de consumo. Ao reforçar o impacto que marcas grandes e consolidadas têm no imaginário popular, inclusive quando se fala nas juventudes, a pesquisadora destaca a importância de trazer o debate nesse contexto para a realidade em vez de mantê-lo apenas no campo da utopia.
“Precisamos ter letramento sobre consumo, entender a diferença entre consumo e consumismo e saber como podemos fortalecer os nossos. Idem como podemos consumir os nossos e se apropriar das nossas formas de gambiarra e de inovação, pois a periferia é muito tecnológica”, comentou.
Tiaraju Pablo D’Andrea seguiu linha semelhante para falar sobre o caráter plural da população das periferias – o que se reflete no modo como consomem. E, desse modo, evitar a reduzi-la a um determinado estereótipo. Logo, a estética periférica pode ter diversas camadas e perspectivas.
Nesse sentido, o docente da Unifesp destaca a dicotomia e desdobramentos do consumo considerado necessário e do que se lê como consumismo – “aquilo o que é supérfluo”, descreve. “Precisamos pensar, e aí há um detalhe que não é pequeno, sobre o que é ‘se vestir bem’ e é legal, importante para todo mundo, e podemos chamar de dignidade, empoderamento ou qualquer outro nome que pudermos dar, e o que é a posse de mercadorias que trará uma opressão interna ao próprio território em que você mora. Talvez precisemos debater com a crueza e com a dificuldade que esse tema tem, pois isso acontece nas quebradas.”
Dados e inclusão produtiva
Ainda na chave do consumo, Adriana Barbosa apresentou reflexão que dialoga com a inclusão produtiva em territórios periféricos e atividade econômica local. A CEO da PretaHub considera que o ISP e o poder público – por meio de políticas específicas – têm “uma enorme chance de apoiar essa população a ser dona do seu próprio negócio.”
Na seara do desenvolvimento econômico periférico, Adriana considera que um ponto de atenção passa por entraves para instituições financeiras no processo para liberar capital para empreendedores negros e das periferias investirem nos seus respectivos negócios. Por fim, esse ponto passa, para ela, também pela organização e análise de dados demográficos.
“Se as empresas hoje fazem um censo de autodeclaração com os colaboradores, por que eu, ao abrir uma MEI ou qualquer empresa, não posso me autodeclarar para saber quem empreende no Brasil, em que área estão e como potencializamos para que, de fato, os bancos saiam nesse lugar em que não podem acessar o dinheiro para a população, e podermos ter mais autonomia? Tem muita coisa envolvida nesse processo do consumo – e do fazer – que passa, com muita força, pelas questões racial e social”, finaliza.
Texto: Amauri Eugênio Jr.
