Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Especialistas apontam que fortalecer o potencial e economia nos territórios pode ser caminho para superar desigualdades
Ricardo Abramovay, Aldaiza Sposati e Ricardo Sennes discutem o tema na mesa de debate “Do caos urbano à cidade sustentável”
Como acabar com as desigualdades existentes e que dividem as próprias cidades? Que caminhos são possíveis? Eles existem? Diversos especialistas se reuniram para debater essas questões durante a mesa “Do caos urbano à cidade sustentável”, promovida durante o Seminário Internacional Cidades e Territórios: encontros e fronteiras na busca da equidade.
Ricardo Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), acredita que, antes de mais nada, é preciso acabar com o mito da redução das desigualdades. “Olhando os dados percebemos que não tivemos o avanço que poderíamos esperar de progresso social de uma sociedade democrática e isso se deve à privatização dos espaços públicos e de convivialidade nas nossas cidades”, ressaltou logo no início do debate.
Assim, é preciso falar em desigualdades, no plural, pois elas são diversas. A primeira delas é a educacional, tendo em vista que, apesar do país ter quase universalizado o ensino, ele não foi seguido pela qualidade, mantendo grandes disparidades entre as unidades escolares instaladas em áreas mais periféricas das cidades. Uma situação similar também é observada no atendimento à saúde, no qual dados da USP apontam as diferenças entre os territórios. Em Cidade Tiradentes, por exemplo, as mortes por doenças infecciosas foram duas vezes maiores do que em outros bairros de São Paulo.
O aumento da renda da população – uma das conquistas do crescimento econômico do país – não foi acompanhado de cidadania, pois os bens e serviços característicos de uma sociedade moderna não foram criados para que a população, principalmente a mais vulnerável, pudesse usufruí-los. Segundo Abramovay, o aparthaid territorial se manifesta também em grandes empreendimentos imobiliários que criam ‘ilhas’ dentro das cidades, separando cada vez mais a população, e gerando mais violência. O ponto mais negativo deste aparthaid se manifesta na violação dos direitos humanos, que coloca o Brasil como campeão em assassinatos e em quarto lugar com a maior população carcerária do mundo.
Ricardo Sennes, coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP, aponta que o país não tem conseguido dar respostas consistentes a estes desafios criando políticas públicas padronizadas, que não levam em consideração a especificidade destas dimensões territoriais e urbanas do país, estabelecendo indicadores e metas que escondem as assimetrias entre regiões e territórios.
“Quem faz política industrial e de fomento? São bancos que aprovam as ações baseadas em mérito de projetos, ou seja, viabilidade econômica, mas nada do ponto de vista de impacto destas ações na cidade. Essa variável é desconsiderada no processo. O Ministério da Fazenda, por exemplo, pensa em políticas globais e não considera pontos de articulação no âmbito local. Isso prejudica demais”, comentou.
Esse caos urbano se materializa, na opinião Aldaiza Sposati, professora do Centro de Estudos de Desigualdades Socioterritoriais da PUCSP, no que ela chamou de “insustentabilidade social do cotidiano na metrópole”, com uma disparidade de oportunidades entre as diferentes áreas da cidade. O Mapa da Exclusão/Inclusão Social, por exemplo, que incorpora índices em quatro grandes áreas – equidade, autonomia, qualidade de vida e desenvolvimento humano – aponta a Vila Andrade com altos índices de exclusão ao mesmo tempo que há o Itaim Bibi com as melhores condições de inclusão. A Vila Andrade é uma das áreas de São Paulo em que, lado a lado, estão prédios luxuosos e casas de famílias de baixa renda, separadas apenas por um muro.
“Ao observarmos o histórico dos mapas que já produzimos vemos que há uma nucleação da inclusão e um forte espalhamento da cidade da exclusão social. Temos um crescimento que vai afinando o ponto de inclusão. Percebemos que, ao longo de três décadas, a cidade de São Paulo não fez a sua lição de casa em reduzir a exclusão e sim concentrou ainda mais a inclusão social”, ressaltou, destacando que hoje há uma distribuição de serviços públicos feita na cidade de forma muito desigual.
Saídas possíveis
Um caminho para reverter esse quadro e sair de um movimento caótico pelo qual as cidades estão vivendo, acredita Ricardo Sennes, é criar instrumentos de desenvolvimento econômico no âmbito local. “Me incomoda que as políticas de zoneamento, por exemplo, olhem como a única várivel de caráter econômico a questão imobiliária. Com isso, subestimasse o fenômeno econômico muito mais diverso e fundamental por trás disso”, comentou.
A ideia é incorporar no planejamento urbano das grandes cidades brasileiras a dimensão da competitividade econômica, tornando diversos pontos da cidade competitivos, descentralizando o desenvolvimento e gerando valor agregado em várias áreas. “Se continuarmos concentrando as oportunidades em ‘manchas urbanas’ será pouco eficaz não só do ponto de vista econômico, mas social. Isso fica claro quando observamos que as pessoas logo se mudam para áreas mais centrais quando conseguem aumentar a sua renda. Isso se deve ao fato de que os empregos e as oportunidades estão concentradas”, explicou.
Para Sennes, nestes novos ‘pólos econômicos específicos’ – espalhados nas cidades – o governo deveria investir em infraestrutura, a fim melhorar a mobilidade, além de oferecer incentivos para a instalação das empresas, e fomentar a criação de centros de inovação, aumentando a empregabilidade local. “A ideia é ser radical”.
Nessa direção em criar dinâmicas para fortalecer o local, Ricardo Abramovay aposta ainda no estímulo, cada vez mais, de movimentos empreendedores locais e integração digital nos territórios, trazendo novas oportunidades para as populações.
A pergunta que deve permear as ações a partir de agora, acredita o especialista, é qual economia o país quer e para quem. “Não queremos mais um crescimento que consolide padrões de ocupação de espaços que marginalizem as pessoas como temos feito até aqui. Há uma urgência em cuidarmos e valorizarmos cada vez mais os ambientes naturais que formam as nossas cidades”.
Para finalizar, Aldaiza Sposati lembrou os presentes de que podemos olhar a cidade de diferentes formas e que a aposta deve ser no potencial. “Território é mais do que lugar. Ele é força, vida, construção e história”.