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Estratégias para financiar negócios de impacto social

Programas de influência

17 de julho de 2018
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Por Neca Setubal e Marco Gorini

 

 

Em setembro de 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs uma agenda global para 2030, composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, na esperança de que encontremos, como civilização, uma forma de viver mais justa, digna e sustentável.

 

O êxito dependerá da nossa capacidade de criar, implementar, desenvolver e escalar soluções assertivas, para que o impacto social, ambiental e econômico que estão no cerne dessas soluções produzam os efeitos desejados. Frente a este desafio, abre-se uma janela de responsabilidade, mas também de oportunidade e esperança, em relação ao papel que devemos assumir para protagonizarmos a transformação que desejamos imprimir ao mundo.

 

No Brasil, uma das perguntas chave é: como iremos financiar esse movimento? De onde e como virá o capital adequado para viabilizar as ações necessárias? Parece óbvio que, dada a magnitude de dimensões continentais que enfrentamos, sem a mobilização conjunta e articulada do setor público, do terceiro setor, do setor privado e da sociedade civil em geral, será impossível. Sabemos que, isoladamente, nenhum destes agentes é capaz de apresentar uma resposta.

 

Portanto, precisamos criar estratégias e infraestruturas inovadoras, desenvolvidas em uma lógica ganha-ganha, que estabeleçam pontes que conectem esses atores de perfis tão distintos e, assim, potencializem sinergias, viabilizando a atração do capital com as características adequadas em termos de volume, prazo e custo.

 

Acreditamos que o ecossistema de finanças sociais e negócios de impacto nos oferece um caminho possível e promissor nesta direção. Uma experiência inovadora e recente, focada no problema do déficit qualitativo habitacional brasileiro, serve como uma evidência prática e dá concretude aos aspectos explorados neste texto, trazendo em seu bojo uma semente inspiradora para novas formas de se construir nosso futuro comum.

 

É fato conhecido que o déficit habitacional no Brasil é elevado, mas um problema esquecido é o do déficit qualitativo, que diz respeito ao número de famílias que vivem em residências precárias, convivendo com problemas como falta de ventilação, mofo, piso batido, infiltrações, saneamento e afins, com consequências impactantes para a autoestima, a dignidade, a saúde familiar, a educação dos filhos, o convívio social, entre outros. Estima-se que há mais de 25 milhões de residências em condições de precariedade no nosso país, principalmente nas comunidades de baixa renda das grandes regiões urbanas. Diante deste contexto, a reforma é uma solução, além de ser bem mais barata do que a construção.

 

Foi lançada a primeira Debênture Social do país, que permitirá 8 mil reformas de moradias para 32 mil pessoas

 

O Programa Vivenda é uma startup de impacto social que oferece reformas profissionais para famílias que vivem em condições de vulnerabilidade em comunidades de baixa renda em São Paulo. Para oferecer uma solução adequada de financiamento para os seus clientes, em janeiro passado foi emitida a primeira Debênture Social do país. Em uma operação piloto, foram captados R$ 5 milhões, o que permitirá a realização de aproximadamente 8 mil reformas nos próximos 5 anos, beneficiando 32 mil pessoas.

 

Dois são os fatores que mais chamam a atenção nesta operação. O primeiro é o fato de que graças à inovação da estratégia de “blended finance” adotada, foi possível a união de atores que tradicionalmente não atuam juntos, quem dirá investirem juntos em prol de uma mesma causa. Estamos falando da união de empreendedores de impacto social, de representantes do terceiro setor – investimento social privado, de investidores tradicionais e do mercado de capitais. No caso em questão, Programa Vivenda, Fundo Zona Leste Sustentável, Maraé Investimentos, EP8 Participações, Itaú Private Bank, Tozzini Freire advogados, GoOn e Família Paulista, entre outros, coordenados pelo Grupo Gaia e pela Din4mo. Esse fato gerou evidências de que existe sim interesse e demanda por parte de investidores com perfis muito diversos, por operações “diferentes do mainstream financeiro”, quando conectadas a um propósito nobre.

 

O segundo é que, dado o propósito de impacto social e o design técnico adequado, foi possível captar recursos com prazo longo, de 10 anos, com juros fixos para os investidores de 7% ao ano, viabilizando um financiamento em até 30 meses para as famílias da comunidade, com taxa de juros de 1,8% a 2,2%, a depender da análise de crédito. Milhares de famílias que não poderiam adquirir uma reforma passarão a poder, graças a uma parcela mensal que cabe no bolso.

 

Além disso, como os investidores só começarão a ser pagos após o sexto ano, as parcelas pagas pelas famílias serão destinadas a financiar novas famílias durante os cinco primeiros anos, convertendo R$ 5 milhões em R$ 40 milhões para reformas, sendo que desses, quase R$ 30 milhões ficarão na própria comunidade, entre renda gerada para pedreiros e compra de materiais de construção, gerando um múltiplo econômico local de enorme impacto social.

 

Ganham todos: a comunidade, com pessoas mais felizes e mais renda gerada, as famílias, com casas mais bonitas, dignas e saudáveis, o investidor social privado, que alavanca o impacto gerado pelo seu recurso e gera sustentabilidade financeira devido ao retorno do investimento, o investidor tradicional, que tem retorno financeiro satisfatório e retorno financeiro satisfatório e retorno do impacto social que deseja gerar e os empreendedores que viabilizam a escala da sua solução e o seu sonho. Ressignificar sucesso para cada ator foi a chave deste caso.

 

Esse é um exemplo de estratégias, conexões e infraestruturas que precisamos criar para alavancar impacto social, ambiental e econômico positivos, catalisando e potencializando os recursos já existentes. Deixamos o convite para que atores do investimento social privado, investidores de impacto e tradicionais, banqueiros, gestores de casas de “wealth management”, empreendedores e ONGs reflitam sobre esses temas e sobre como podemos, juntos, construir as condições para um novo futuro.

 

 

Neca Setubal é socióloga e educadora; doutora em psicologia da educação, preside os conselhos da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas).

 

Marco Gorini, economista, MBA em administração, Empreendedor Social e Sócio Fundador da Din4mo.

 

Texto originalmente publicado no Valor Econômico em 17/07/2018.


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