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Fundação Tide Setubal lança Circuito Literário nas Periferias

Programas de influência

26 de julho de 2018
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Valorizar e apoiar a literatura periférica, potente e com uma longa história de existência, é o propósito do Circuito Literário nas Periferias (CLIPE), iniciativa que será lançada pela Fundação Tide Setubal em agosto. No projeto, autores, agentes culturais, instituições locais e coletivos das cinco regiões de São Paulo receberão suporte e trocarão experiências.

 

Na entrevista a seguir, Marcio Black, especialista em cultura da Fundação Tide Setubal, fala sobre o projeto, a potência cultural das periferias e as formas como as desigualdades socioespaciais também se manifestam nessa área.

 

 

Este ano, a área de cultura da Fundação Tide Setubal passou por mudanças. O que as motivou?

 

A Fundação atua há 12 anos com literatura em São Miguel Paulista. Em 2017, a organização passou por mudanças em sua forma de atuar e a nossa missão voltou-se para o incentivo a ações que promovam a redução de desigualdades sócio espaciais na cidade como um todo, e não apenas na zona leste, e o Festival do Livro passa a responder também a isso. A festa literária que acontecia em São Miguel continuará acontecendo, repactuada com parceiros locais, em um novo formato. Mas agora temos a missão de ir para periferias de outras regiões, por meio do fomento e apoio a inciativas locais que acontecem em outros pontos da cidade. Buscamos fortalecer esse tema em cada uma das macro regiões de São Paulo. Eu estou me reencontrando, a Fundação está se reencontrando com a cidade, o Festival do Livro está repactuando sua relação com o território, e são bons encontros.

 

 

Como foi a chegada da Fundação em outros territórios?

 

A Fundação já tem uma reputação nesse campo da cultura, e o fato de ter realizado por tanto tempo o Festival do Livro em São Miguel faz com que muitos dos parceiros que temos agora já conhecessem o nosso trabalho. Fomos muito bem recebidos em outros territórios. É lógico que cada lugar é diferente, tem suas características. Então a gente não chegou com nada pronto, escutamos quais são as demandas de cada local e então vimos a melhor forma de apoiar aqueles atores, seja com recursos, seja abrindo nossa rede e buscando mais parceiros.

 

 

O que podemos esperar da área de cultura da Fundação Tide Setubal para 2018?

 

Teremos o Circuito Literário nas Periferias (Clipe). O nome pode parecer pretensioso se pensarem que estamos criando um circuito, mas nós só estamos jogando uma ideia para o mundo, dando um pontapé inicial para um projeto que esperamos que seja tocado com apoio de diversas organizações e coletivos. A ideia é entender por que essa literatura periférica, que é tão potente, nunca recebeu apoio de ninguém, nem do poder público, e nem das organizações da sociedade civil. O Clipe funciona nesse momento como uma forma de dar mais visibilidade para esse movimento, que já é muito forte.

 

Assim, vamos apoiar agora um estande dos Cadernos Negros na Bienal do Livro, o que tem muito significado para nós, afinal, eles têm toda essa potência há mais de 40 anos e, ao mesmo tempo, nunca foram apoiados por uma grande organização ou pelo poder público. Também vamos apoiar a Festa Literária da Cidade Tiradentes (Flict), e nas conversas com ele pensamos muito na literatura como um lugar de encontros.

 

 

Quais são, na sua opinião, os principais desafios enfrentados pela literatura periférica e seus autores e leitores nos territórios?

 

Livro não é uma coisa barata no Brasil. Não podemos dizer que as pessoas não leem e subestimar o leitor e o autor das periferias, pois há todo um esforço ali. Mas o que a gente percebe claramente hoje é que o mercado editorial não responde às demandas que a periferia tem sobre literatura. O crescimento das auto publicações, dos saraus, a frequência de sebos e a quantidade de bibliotecas comunitárias que temos em São Paulo são uma expressão disso. Temos então um mercado que não responde às demandas de linguagem e estéticas das periferias, autores periféricos que não são publicados por essas editoras, o poder público que não entrega equipamentos para leitura nas periferias, é muito complicado.

 

Segundo o Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, quando olhamos para os equipamentos de cultura temos números que não correspondem à demanda de uma cidade com o porte de São Paulo. O distrito com o maior número de casas de cultura, centros e espaços de cultura públicos que temos é a Sé, com 3,14 equipamentos para 10 mil habitantes, enquanto o pior, Jardim Ângela, tem com 0,027 equipamentos para 10 mil habitantes, uma desigualdade enorme. Quando olhamos para os dados referentes ao acervo público disponível para o público infanto-juvenil, temos com melhor indicador, o distrito daConsolação, 5.27 livros para cada 10 mil habitantes, enquanto no pior, Capão Redondo, temos 0,002 livros para 10 mil habitantes. Uma diferença de 2.734 vezes. E isso ainda piora quando olhamos para o acervo disponível para adultos, com 7.92 livros disponíveis para cada 10 mil habitantes na Sé e 0,001 livros disponíveis para 10 mil habitantes no Jardim São Luiz.

 

Para tentar reverter essa situação, temos uma mobilização tanto de organizações da sociedade civil, muitas presentes na Rede Leitura e Escrita de Qualidade para Todos (Leqt), da qual a Fundação Tide Setubal faz parte, quanto a ação de coletivos para pressionar o poder público no sentido de ter uma política mais eficiente de aumento de acervo, construção de bibliotecas e fomento e apoio às bibliotecas comunitárias que já existem nos territórios.

 

 

E quanto à produção literária nas periferias, como os autores lidam com a falta de interesse por parte das grandes editoras?

 

A cena de literatura periférica em São Paulo existe faz tempo, é só olharmos para o Quilomhoje, que edita os Cadernos Negros há 41 anos. A coisa começa a se popularizar e ter mais alcance há 17 anos, com o surgimento da Cooperifa, que marca o momento em que a literatura periférica começa a ser mais divulgada, alcança outros canais e traz mais luz e para o que já vinha sendo feita nas periferias. A cena de saraus aparece para dar visibilidade a esta literatura negra e periférica que já acontecia.

 

O Festival do Livro e da Literatura de São Miguel Paulista, que já teve oito edições com este nome e três anteriores como Feira do Livro, tem praticamente a mesma idade de saraus como o Elo da Corrente, que acontece na zona norte e tem 11 anos. O que mostra que a atuação da Fundação estava em consonância com um movimento que é hiper relevante nas periferias, não só como arte e cultura mas como formação política em letramento racial nestes territórios.

 

 

Para um autor da periferia conseguir ser publicado por uma grande editora, ele ainda depende de uma rede de contatos que o indique?

 

Ainda temos essa questão do autor único: o Giovanni Martins foi o “um que saiu”, o Dinho (Anderson França) também, a Conceição Evaristo, olha onde ela chegou! Mas é uma de sessenta, setenta autores negros e periféricos excelentes das últimas décadas. O que queremos ajudar é fazer que esses mundos se encontrem.

 

Recentemente, assumimos a importante tarefa de dar sugestões de autores para a Fundação D Paschoal publicar. Fizemos dez indicações de escritores e poetas periféricos, e uma delas entrou: teremos em dezembro uma publicação inédita de Andrio Candido para crianças, sobre drogas. O Andrio foi formado na esteira destes movimentos culturais, teve participação por muito tempo no Festival do Livro. Uma das potências do Circuito é essa, potencializar a divulgação de autores periféricos para além de seus territórios. Queremos mostrar para as editoras as demandas da periferia, e nesse sentido surgiu a ideia dos clubes de leitura que integram o Clipe.

 

 

Como serão os clubes de leitura?

 

Eles surgiram de uma conversa com a Companhia das Letras sobre como seria legal ter um circuito literário nas periferias, uma grande festa literária que aconteça só nas periferias, como é o caso da Flup, para mostrar a potência destes territórios e trazer conteúdos que não são contemplados na Bienal de Literatura. Na reunião, surgiu a questão de como formar leitores nos territórios, afinal, já temos todo um público que frequenta saraus, slams e já são leitores da literatura periférica, um público que já frequenta bibliotecas comunitárias, pontos de leitura e sebos, mas tem um outro público, que é potente também mas ainda não é impactado por esse ecossistema da literatura na periferia, e queríamos alcançá-los.

 

Daí surgiu a ideia de lançar cinco clubes de leitura, que acontecerão nas cinco macrorregiões da cidade e serão mediados por agentes culturais que já atuam em suas regiões: Antonia Marlucia (Malu) na zona leste, Ingrid Felix Araújo na zona norte, Raquel Almeida na zona noroeste, Jaime Diko na zona sul e James Lino no centro. Para recrutar os 100 participantes, cada um dos mediadores usará a estratégia de mobilização que julgar mais adequada para aquele território, lembrando que a participação é restrita a maiores de 18 anos.

 

Os clubes de leitura serão espaços alternativos nos quais o público pode compartilhar experiências literárias, dúvidas e impressões de leitura. A formação dos mediadores será realizada pela Companhia das Letras, que inda doará os livros que serão trabalhados e levará autoras de seu catálogo para encontros com todos os participantes.

 

 

Quando o CLIPE será lançado?

 

O circuito já está acontecendo, mas como em toda boa paquera, estamos chamando as pessoas para conversar. O lançamento, que acontece no dia 9 de agosto, será o momento em que vamos colocar a ideia para o mundo e abrir para o diálogo, junto com autores, membros de coletivos, gestores de bibliotecas, gente da Secretaria de Cultura do Estado e do Município. Seguindo na temática da literatura dos encontros, vamos falar sobre a literatura negra e suas intersecções com a construção de identidade, algo que exploramos muito no ano passado durante o Festival do Livro, com a temática do letramento racial. No evento, fortalecemos uma parceria com a Literáfrica, uma organização que trabalha com autores africanos, e teremos uma conversa com Neide Almeida, socióloga, pesquisadora em literatura e coordenadora do núcleo de educação do Museu Afro, o autor angolano João Canda e a escritora camarolesa Alexandrine Biyouha. Todos estão convidados para participar! O lançamento acontece às 19hs na Tapera Taperá, que fica na Galeria Metrópole – Av. São Luís, 187, no centro.

 


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