Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Jovens são o presente do Brasil
Mais do que estarem aptas/os a fugir da desinformação, jovens devem ser preparadas/os para ocupar, hoje mesmo, espaços de poder e de decisão
Esta é a segunda de uma série de reportagens especiais sobre juventudes e democracia. Confira as demais reportagens na seção de notícias do nosso site.
A educação tem papel central para manter em alta e constante o engajamento das juventudes quando o assunto é política – esse é um consenso. Todavia, há uma gama de fatores que têm influência ímpar nesse cenário.
O modo como as/os jovens consomem informações é preponderante. De acordo com a pesquisa Juventudes e Primeiro Voto, encomendada pela Fundação Tide Setubal e realizada pela socióloga Esther Solano e a cientista política Camila Rocha, na qual foram ouvidas/os jovens de 16 a 18 anos que votaram pela primeira vez em 2022, a maioria entrevistada revelou que se informava pela internet e acompanhava notícias sobre fofocas, celebridades e influenciadoras/es. Desse modo, a política chegava a elas/es de forma incidental pelas redes e em conversas com familiares.
O acesso à informação é um ponto levantado por Najara Lima Costa (PSOL), codeputada estadual pelo Movimento Pretas. De acordo com ela, jovens têm acesso a uma miríade de informações, em especial via redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, mas não têm formação adequada para lidar com esse volume e a perspectiva tecnológica do acesso à informação de maneira adequada.
“Quando há muita informação e ela com muitos dados desencontrados, ou até mesmo fake news ou informações sem nexo para possibilitar conscientização sobre o seu espaço, essa informação aliena mais do que conscientiza. Às vezes, as pessoas ficam dentro de bolhas também. Acredito que seja necessário haver melhor preparo na educação tecnológica”, pondera Najara.
Transmitir informações que dialoguem com as expectativas e a visão de mundo das juventudes, inclusive na esfera política, é o trabalho de Beatriz de Oliveira, 22, jornalista do site Nós, Mulheres da Periferia. Basta dizer, entre outras coisas, que a abordagem jornalística didática é obrigatória para levar ao público jovem informações relativas ao seu dia a dia.
“Procuro me colocar no lugar do leitor e entender se o que escrevi não está chato ou cansativo. Acredito que usar esse tipo de estratégia aproxima leitoras/es jovens do debate sociopolítico, pois os inclui nesse debate. Costumamos ainda entrevistar mulheres jovens, o que também traz essa aproximação”, destaca a jornalista.
+ Acesse a pesquisa Juventudes e Primeiro Voto
Sobre ver a si própria/o no centro do debate
Apesar de a maior parte da população brasileira ser feminina e negra, ambos os grupos são sub-representados em espaços de poder e de decisão, a começar pela esfera política. Um exemplo é a composição atual da Câmara dos Deputados: entre as/os 531 parlamentares, 135 são negras/os – 108 pardos e 27, pretos, de acordo com classificação usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – e há 91 deputadas federais, sendo que as duas primeiras mulheres trans foram eleitas em 2022: Erika Hilton (PSOL) e Duda Salabert (PDT).
Logo, é fundamental mostrar para as juventudes que qualquer debate sobre combate às desigualdades passa por esses mesmos aspectos. A começar pelo fato de que mulheres negras estão na base da pirâmide social. Idem para mostrar o impacto causado por questões estruturais relacionadas ao mercado de trabalho ou segurança pública na juventude negra e periférica, por exemplo.
“É de suma importância trabalharmos sobre isso e é notório o quanto isso tem mobilizado o engajamento político das juventudes. Pode ser por meio de postura que trate de confronto de como opera uma sociedade machista e racista, sobre a perspectiva do entendimento mesmo do seu lugar nesse nesse espaço e o quanto é necessário mudar a estrutura social para garantirmos igualdade – não apenas formal, mas material”, pondera Najara.
Ao mesmo tempo em que políticas públicas voltadas a tais públicos são necessárias e urgentes, a representatividade é outra chave significativa neste caso. Para Beatriz de Oliveira, é necessário que o jornalismo dialogue com as juventudes. Além disso, é fundamental haver cada vez mais referências e conteúdos focados na equidade racial e de gênero.
A jornalista cita a própria trajetória como exemplo. “Eu mesma, durante a faculdade, lia veículos como o Nós e o Alma Preta e os tinha – e tenho – como referências. Lembro de uma vez ler uma matéria de economia escrita por Lívia Lima e pensar: ‘é assim que quero escrever’.”
E a representatividade é relevante também no jornalismo. De acordo com a pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro 2021, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 30% das/os profissionais declararam-se negras/os. O estudo de 2012 apontava que a prevalência era de 23%. “Ver-se representado em quem escreve, em quem é entrevistado e nos temas das reportagens faz as juventudes negras terem mais referências e entenderem que há outras possibilidades além do que a mídia hegemônica oferece. E, portanto, se sintam mais fortalecidas e motivadas a se engajar politicamente, bem como mais seguras ao escolher entrar no jornalismo”, ressalta Beatriz.
Outro princípio que caminha lado a lado com a representatividade é a compreensão de que o debate sobre equidade racial e de gêneros tem relação intrínseca com o fortalecimento da democracia. Wil Schmaltz, presidente da Escola Comum, usa um exemplo prático do início do trabalho realizado pela organização. O curso realizado na organização abordou as dimensões racial e de gêneros durante as aulas. Mas esse passou a ser um tema transversal entre os tópicos da formação feita com as/os jovens.
“A compreensão do racismo e do machismo ganha mais profundidade com a perspectiva transversal. A tomada de consciência que alunas/os têm a respeito dos lugares que ocupam e quais espaços podem e devem ocupar muda a sua postura na sociedade. As escolhas passam a ser mais conscientes e orientadas para um fim, a despeito da profissão que eventualmente escolham”, completa Schmaltz.
+ Confira a primeira reportagem da série especial sobre juventudes e democracia
Ocupar, resistir e existir
A ocupação política é outro ponto a ser considerado para engajar as juventudes. Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrou que, em casos de mulheres eleitas como prefeitas, mais meninas de 14 e 15 anos tiram o título de eleitor para a eleição seguinte.
Um exemplo da ocupação política por parte das juventudes é a mobilização movimento do Girl Up. A iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) atua pela luta para a distribuição de absorventes – e combater a pobreza menstrual.
“A ocupação também é fundamental, pois quando estamos lá, passamos a debater temas que dizem respeito e são do interesse dessas juventudes. Ainda, abrirmos mais esse espaço e os grupos diferentes do nosso Brasil começarão a enxergar que aquele lugar também é para eles – e deve ser ocupado por eles”, comenta a deputada federal Tabata Amaral (PSB).
Para tanto, defende a deputada federal, é necessário lutar também por um Congresso com a cara das juventudes. Idem para haver mais espaços dentro dos partidos políticos e “para que a juventude esteja lá representada como mais um grupo que compõe a nossa sociedade, que molda o hoje e tem muito a dizer – e não apenas um grupo que está em treinamento para, no futuro, exercer sua cidadania.”
Para além da ocupação de espaços políticos, que tem função estratégica, é necessário pensar também em – e trabalhar sobre – questões anteriores, como a garantia de direitos básicos. Falar sobre engajamento torna-se um desafio quando problemas estruturais como fome, falta de acesso à cultura e ao lazer e problemas educacionais crônicos estão ao redor.
“Muitas pessoas enfrentam exclusão social e não conseguem elaborar sobre a sua própria situação de extrema vulnerabilidade e exclusão. É muito importante pensarmos que a democracia não chegou nas periferias e que ainda lutamos para que os nossos direitos básicos sejam garantidos. Há muito desespero nesses territórios. É preciso pensarmos na garantia desses direitos para podermos oportunizar uma educação como todas/os merecem”, completa Najara Lima Costa.
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Michelle Guimarães / Pexels