O que nos revelam os resultados da Olimpíada de Matemática?
Nos últimos anos, o sucesso alcançado pelas Olimpíadas de Matemática das Escolas Públicas, criadas pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), nos enche de orgulho e ofusca, momentaneamente, os dados revelados por recorrentes estudos acerca de nossa baixa qualidade de ensino. Em 2017, 17 milhões de estudantes participaram da olimpíada e o Brasil passou […]
Nos últimos anos, o sucesso alcançado pelas Olimpíadas de Matemática das Escolas Públicas, criadas pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), nos enche de orgulho e ofusca, momentaneamente, os dados revelados por recorrentes estudos acerca de nossa baixa qualidade de ensino. Em 2017, 17 milhões de estudantes participaram da olimpíada e o Brasil passou a fazer parte do chamado Grupo 5, composto por Alemanha, Canadá, China, Israel, Itália, Japão, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos. Trata-se do grupo mais avançado do International Mathematical Union (IMU). A matemática brasileira ascendeu a um padrão de excelência mundial.
Em editorial do jornal O Estado de S. Paulo (10/2), destaca-se que esse feito reflete uma política educacional formulada de forma criteriosa e com prioridades discutidas com a comunidade acadêmica e, portanto, com tudo para dar certo. Essa política seria, segundo o jornal, um desdobramento da criação do Impa e do fortalecimento dos cursos de pós-graduação, que impulsionou a formação de mais doutores, culminando no recebimento da medalha Fields – a mais importante do mundo na área – pelo pesquisador Artur Ávila em 2014.
Na continuidade da análise, o artigo demonstra que esse sucesso na pós-graduação para uma elite de estudantes vencedores de medalhas não se traduz em melhores resultados nos demais níveis de ensino, como atestam as avaliações nacionais e internacionais. No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), por exemplo, o Brasil se classifica entre os cinco países com notas mais baixas entre 70 países.
Em dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Educação aprovou a Base Nacional Comum Curricular. Um dos mais fortes argumentos para a justificativa de sua criação, fruto de amplo debate com os diferentes setores da sociedade, foi a garantia de conteúdos básicos para os estudantes brasileiros, independentemente da origem social ou região de moradia.
Nosso desejo é que as olimpíadas continuem e que seu exemplo seja também uma referência para que todos os nossos estudantes tenham acesso a uma educação de qualidade e aprendam matemática. Não podemos nos contentar com o sucesso de apenas alguns estudantes mais talentosos.
Entre as competências gerais apresentadas na Base Nacional Comum Curricular relacionadas aos conceitos matemáticos estão: valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo, físico, social e cultural; o pensamento científico, crítico e criativo – exercitar a curiosidade intelectual, o pensamento científico, a criticidade e a criatividade –; argumentação – argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis.
Nesse sentido, as escolas têm papel fundamental diante da busca de condições para apoiar a aprendizagem de todos os seus alunos e não apenas dos melhores, que concorrerão nas olimpíadas. Políticos e gestores precisam ir além das olimpíadas, é preciso enfrentar esse desafio com visão de longo prazo para a melhoria nos níveis de qualidade de suas redes. Essa é uma exigência das sociedades contemporâneas que demandam cada vez mais conhecimentos.
Queremos continuar nos orgulhando dos resultados alcançados por nossos estudantes nas Olimpíadas de Matemática, pois é uma demonstração contundente de que nossos alunos de escola pública podem galgar os mais cobiçados pódios. Mas queremos, sobretudo, que as políticas educacionais enfrentem as nossas extremas desigualdades, implementando políticas adequadas e ajustadas aos diferentes contextos e com diagnósticos adequados aos problemas, necessidades e potencialidades de cada localidade. Como sociedade temos que pressionar os políticos e gestores cobrando esses resultados.
Criar igualdade real de oportunidades será a saída para que as próximas gerações possam aprender os conteúdos e competências requeridas pela sociedade contemporânea de modo a tornarem-se aptas a acessar trabalhos modernos e alcançar níveis dignos de bem-estar.
Aí então poderemos ter uma celebração nacional grandiosa de nossos medalhistas olímpicos.
MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos da Fundação Tide Setubal e do Gife. Fundadora e membro do conselho do Cenpec, pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis