Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Qual é a relação entre o orçamento público e as desigualdades estruturais de gênero e raça?
A primeira aula do curso sobre orçamentos sensíveis a gênero e raça fala sobre as desigualdades estruturais de gênero e raça. Saiba mais
Por mais que as desigualdades estruturais de gênero e raça sejam notórias no tecido social brasileiro, o modo como ela se relaciona com o orçamento público não recebe a devida atenção. No entanto, a produção de peças orçamentárias passa longe de estar livre de vieses sociorraciais em sua elaboração. A começar pelos perfis de profissionais que trabalham no serviço público.
Para se ter uma ideia, de acordo com o Observatório de Pessoal, do Governo Federal, 36% do corpo de servidoras e servidores públicos são pessoas negras. Além disso, menos de 15% de pessoas no topo da hierarquia do funcionalismo público são negras – entre as quais somente 1,2% abrangem mulheres negras.
Desse modo, ao mesmo tempo em que as desigualdades estruturais de gênero e raça têm inúmeros fatores – os quais se retroalimentam -, é necessário colocar o funcionalismo público na equação.
Esse é o ponto sobre o qual Roseli Faria, analista de planejamento e orçamento, destaca: é necessário considerar os perfis de quem opera instrumentos de planejamento e orçamento. “A área de finanças públicas é extremamente branca, masculina e por vezes, bastante conservadora. Muitas vezes ela é refratária a inovações, que garantam que o orçamento público, principalmente, seja um instrumento de garantia de direitos.”
Causa e efeito
Um aspecto para se considerar no sobre as desigualdades estruturais de gênero e raça diz respeito à baixa mobilidade social. De acordo com levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o segmento que compõe os 10% mais pobres da população brasileira levaria nove gerações para ascender à classe média.
Nesse contexto, a tendência é também de que, por outro lado, populações das camadas mais ricas possam manter privilégios. E, desse modo, a concentração de renda mantém-se estável – ou pode até mesmo aumentar.
“A mobilidade social no Brasil é realmente só nas camadas intermediárias. Isso acontece porque a posição que você ocupa na renda nacional relativa tem muito a ver com a renda dos seus pais. Isso faz todo sentido, pois se você nasce em uma família mais pobre, muito provavelmente terá menos acesso a serviços públicos de qualidade, como educação e saúde”, pondera Roseli Faria.
A analista de planejamento e orçamento considera que as deficiências na prestação de serviços públicos serão replicadas de geração para geração. E dados estatísticos ajudam, então, a evidenciar essa realidade.
De acordo com o estudo Impactos da Desigualdade na Primeira Infância, do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), quando uma criança não atinge o seu pleno desenvolvimento em virtude de desigualdades estruturais – de gênero e raça, inclusive -, ela perde, em média, 20% da renda individual na vida adulta. Os reflexos, assim sendo, são veementes no ingresso no mercado de trabalho. “Ao entrar no mercado de trabalho, essas deficiências dos serviços públicos irão se replicar, e a pessoa terá mais dificuldade de arranjar um bom emprego. Esse é um processo, então, que acompanhará essa pessoa ao longo do ciclo da vida dela.”
Saiba mais
O curso Introdução ao Orçamento Sensível a Gênero e Raça é uma iniciativa da Fundação Tide Setubal e da Rede Orçamento Mulher. A iniciativa visa apresentar alguns dos principais conceitos sobre orçamento, gênero e raça para que gestores e gestoras possam iniciar a sua jornada no tema.
O projeto conta com cinco aulas no total, sendo uma delas sobre as desigualdades estruturais de gênero e raça na sociedade brasileira – assista para entender possibilidades para superar o panorama exposto neste texto. Confira todas elas no Enfrente, canal da Fundação Tide Setubal no YouTube.
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Imagem: Nappy / @WOCInTech