Regionalizar o orçamento para diminuir as desigualdades – Fundação Tide Setubal entrevista Tomás Wissenbach
Por Daniel Cerqueira / Foto: Léu Britto / DiCampana Foto Coletivo Existem múltiplas ferramentas e estratégias para enfrentar as desigualdades socioespaciais, valorizar as periferias urbanas e, com isso, promover a justiça social. Uma delas é a proposta de regionalizar o orçamento. A Fundação Tide Setubal vem realizando ações na área de Advocacy e Políticas Públicas […]
Por Daniel Cerqueira / Foto: Léu Britto / DiCampana Foto Coletivo
Existem múltiplas ferramentas e estratégias para enfrentar as desigualdades socioespaciais, valorizar as periferias urbanas e, com isso, promover a justiça social. Uma delas é a proposta de regionalizar o orçamento.
A Fundação Tide Setubal vem realizando ações na área de Advocacy e Políticas Públicas para incentivar a regionalização na cidade de São Paulo. Para isso trabalha, desde 2018, com o geógrafo e pesquisador Tomás Wissenbach, que lançou e atualizou o estudo Gasto Público no Território e o Território do Gasto nas Políticas Públicas, a partir do qual criou o índice de regionalização do orçamento.
Entrevistamos Tomás para saber um pouco mais sobre este índice e para sabermos como anda a regionalização em São Paulo e o que pode ser feito para ampliá-la.
Para uma pessoa não habituada às questões da administração pública, por que você diria que o orçamento é importante para a cidade e por que regionalizá-lo?
A ideia de um orçamento público foi criada com duas premissas: ser o principal instrumento de controle social do uso do dinheiro público e possibilitar ao estado o planejamento da administração pública. Ao se propor uma regionalização se inclui uma terceira função ao orçamento: a de enfrentar as desigualdades.
Quando você informa o que fará mas não onde fará, não se está enfrentando os problemas reais da cidade com medidas objetivas e prioridades. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o orçamento público estava pouco articulado com temas relacionados ao planejamento territorial como o plano diretor e a lei de zoneamento. Desde a lei de acesso à informação começou a ficar mais fácil poder ampliar a participação social nesses temas.
O que é o indicador de regionalização criado por você e pela Fundação Tide Setubal e lançado recentemente?
O indicador de regionalização do orçamento é uma coisa simples. Busca identificar o percentual do gasto público que tem a sua localização informada, ou seja, onde a prefeitura diz que será usado o orçamento. Com a base de dados da execução orçamentária, disponível na página da Prefeitura, classificamos as ações em duas categorias: ações mais gerais ou não regionalizadas, como pagamento da dívida e tecnologia, entre outras coisas; e as regionalizadas – aquelas que têm de acontecer em alguma zona da cidade, como construção de Unidades Básicas de Saúde (UBSs), de escola, recapeamento de via, etc.
Com isso, a gente vê como a prefeitura está trabalhando para diminuir as desigualdades a partir das subprefeituras com indicadores sociais mais baixos. No conjunto de ações regionalizadas fomos buscar o percentual de quanto está indicado para onde vai. No orçamento 2020, por exemplo, só 9% estão regionalizados.
Algumas pessoas ligadas ao tema do orçamento, como a economista Laura Carvalho, defendem que é necessário também regionalizar a receita para enfrentar as desigualdades sociais. Você considera isso importante?
A regionalização da receita é fundamental para a gente saber como a cidade arrecada e de quem arrecada. Uma arrecadação injusta, que penaliza os mais pobres, torna mais difícil a compensação no gasto. O IPTU e o imposto sobre serviços são facilmente regionalizáveis. Optamos neste momento por qualificar a forma como o governo municipal executa a receita, mas não podemos perder de vista que o debate sobre a receita também é necessário.
O indicador de regionalização aponta, na cidade de São Paulo, para uma pequena recuperação do índice nos últimos dois anos, mas ainda bem abaixo de 2014. Como recuperar aquele índice e avançar para melhorá-lo?
Estamos buscando soluções conjuntas com o governo municipal para mudar isso. Algumas ações podem ser feitas já. A primeira é reforçar o comando legal para a regionalização ficar mais clara para a administração pública, com indicações legais de como fazer a regionalização. Depois, a prefeitura pode usar melhor os recursos tecnológicos disponíveis, conectando bancos de dados diferentes para os servidores poderem automatizar as coletas de informações e agilizar a localização das necessidades da cidade.
A partir do estudo Regionalização do Orçamento em Grandes Cidades, feito pelo pesquisador Pedro Marin também com a Fundação Tide Setubal, quais exemplos podemos aproveitar em curto prazo na cidade de São Paulo e como implementá-los?
O principal destaque que este estudo nos trouxe é podermos ver que é, sim, possível regionalizar. Sabemos que é difícil, mas se cidades tão diferentes como Buenos Aires e Montreal conseguem fazer regionalização, São Paulo também pode. Vamos intensificar o diálogo com a prefeitura, propor mais automação e o uso do conhecimento tecnológico, e vamos pensar ações que valorizem as boas práticas na administração pública, para reconhecer quem já está fazendo. Por exemplo, a Secretaria de Habitação da Cidade saiu de um índice próximo a zero de orçamento regionalizado em 2016 e chegou a quase 60% para 2020. Vamos incentivar as outras secretarias a fazerem a mesma coisa.
Qual o índice ou referência para definir qual subprefeitura precisa de mais ou menos investimento?
A cidade tem indicadores que mostram onde estão as populações mais miseráveis e os piores acessos aos serviços públicos. Há, além disso, uma exclusão territorial com as pessoas vivendo muito distante dos acessos aos serviços públicos e do mercado de trabalho. É importante a cidade usar estes indicadores e também voltar a investir em corredores de ônibus, em habitação no Centro e outras ações que possibilitem reduzir as desigualdades socioespaciais.