Por Amauri Eugênio Jr. / Foto: August de Richelieu / pexels.com
Como consequência da pandemia de Covid-19, os alunos da E.E. Professor Pedro Moreira Matos, situada no Jardim Lapena, na zona leste de São Paulo, estão enfrentando desafios diversos para acompanhar o ritmo das aulas a distância, como a conexão com a internet e a plataforma pela qual têm acesso aos conteúdos. Todavia, as crianças do primeiro ano têm um obstáculo adicional em meio a isso tudo: elas estão dando os primeiros passos na alfabetização.
Para suprir essa lacuna e apoiar esses alunos nos primeiros contatos com letras, sílabas e palavras, a Fundação Tide Setubal desenvolveu uma parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec Educação) para promover a iniciativa Comunidade Cenpec, que é voltada justamente para esse público.
O projeto piloto consiste em auxílio para os pais de 13 alunos do primeiro ano do ensino fundamental por meio de ligações feitas em vídeo por WhatsApp. Durante os contatos, que acontecem duas vezes por semana desde o fim de abril, os voluntários do Cenpec Educação realizam, por intermédio dos responsáveis pelas crianças, atividades para familiarizá-las com o alfabeto. O método usado chama-se alfabeto móvel, que conta com letras recortadas a partir das quais a garotada pode formar palavras durante as ligações feitas pelos profissionais para os pais. Durante os contatos por vídeo, as profissionais leem uma história para colocar os pequenos em contato com a língua escrita e estimulá-los ao gosto pela leitura e, posteriormente, interpretar textos de estilos diversos e desenvolver vocabulários.
De acordo com Carolina Spirandelli, coordenadora pedagógica dos anos finais do ensino fundamental da escola, quando a Fundação entrou em contato para oferecer auxílio, a proposta foi colocar o projeto em prática com uma turma de primeiro ano cuja professora havia entrado em licença-maternidade pouco tempo antes. “Pensei nesses alunos porque eles não sabem ler e escrever, e a ajuda do Cenpec Educação seria de grande valia para eles. Quando a gente fala de alunos do primeiro ano, as professoras geralmente têm contato com as mães das crianças. E como a sala não havia tido contato com nenhum professor naquele momento, o ideal seria o contato com as crianças que não têm professores.”
Brunna Gamboa, coordenadora pedagógica dos anos iniciais da mesma escola, destaca o papel que as partes envolvidas passaram a ter no desenvolvimento das crianças. “Ambas as instituições têm um objetivo comum, que é formar cidadãos capazes de exercer sua cidadania e saibam conviver em sociedade, conseguindo apresentar seu posicionamento em relação às adversidades que encontrarem. A equipe gestora está muito feliz com a parceria e não tem palavras para agradecer por toda dedicação dos profissionais.”
Para Maria Amabile Mansutti, diretora de Tecnologias Educacionais do Cenpec Educação, a ideia do projeto é aliar o conhecimento da organização com o da Fundação sobre a realidade do território e da escola para desenvolvê-lo em conjunto. “Isso nos mobilizou para dar corpo à Comunidade Cenpec, pois já pensávamos em trabalhar com voluntários e oferecer o nosso conhecimento e experiência. Neste momento, com o isolamento, mais do que oferecer o nosso serviço, o foco é aprender com a experiência.”
Atividade realizada por meio do alfabeto móvel (Divulgação / Cenpec Educação)
Construção coletiva
A mediação das atividades relativas ao projeto é feita por meio das ligações em vídeo realizadas para os pais, uma vez que os contatos são feitos nos aparelhos celulares deles. “A ideia é fazê-los se apropriar da importância dos estímulos e das metodologias ensinadas, e se verem como educadores, independentemente de serem alfabetizados ou não”, explica Andrelissa Ruiz, coordenadora de Prática Local da Fundação Tide Setubal.
Durante a primeira semana do projeto, os pais conseguiam participar com mais facilidade, pois estavam ainda em isolamento social; contudo, alguns precisaram voltar ao trabalho, o que resultou em desafios para ser possível encontrar horários em comum para eles e para a equipe voluntária do Cenpec Educação. Esse aspecto ter sido contornado, mas outros pontos têm vindo à tona: “Os pais e responsáveis estão fazendo um esforço enorme para acompanhar os filhos. As crianças estão no início da alfabetização: tiveram um mês de aula, no máximo, e foram para casa. E o aprendizado em casa é muito difícil, pois os pais e responsáveis não são alfabetizadores”, destaca Maria Alice Junqueira, coordenadora de projetos de alfabetização do Cenpec Educação e do Projeto Letra Viva.
Maria Amabile Mansutti considera também que o processo possibilita acompanhar de perto a relação entre escola e família. “Essa experiência nos mostra que talvez exista uma visão idealizada de como isso deve acontecer, o que não é real. Precisamos fazer de outra forma e estamos aprendendo muito com a experiência, pois as limitações são muito grandes.”
Para reduzir os efeitos das limitações encontradas durante o projeto, a Fundação Tide Setubal tem procurado apoiá-lo ao oferecer suporte aos pais e aos voluntários do Cenpec Educação. “Uma mãe não tinha acesso à internet colocamos crédito no celular para viabilizá-lo e ela poder participar. Ficamos no suporte para ajudar no que a escola não consegue fazer como órgão público e no que não está no escopo do Cenpec. Fazemos o que está ao nosso alcance na atuação territorial”, ressalta Ruiz.
Letras em movimento
Para maximizar os resultados pretendidos por meio do alfabeto móvel, os voluntários procuram assuntos pelos quais a criançada se interessa – monstros ou culinária, por exemplo – para desenvolver atividades para engajá-las. Ainda que os alunos estejam de fato motivados a explorar o alfabeto, é necessário ter em mente que o processo de alfabetização é longo e contínuo. “Se as crianças chegarem daqui a dois ou três meses conhecendo todas as letras do alfabeto, sons e formatos, e curiosas para escrever, consideramos que teremos dado uma grande contribuição para elas voltarem às aulas interessadas”, detalha Maria Alice Junqueira.
O interesse dos alunos e dos pais pode também medido pela procura por livros. Malu Gomes, assistente de programas e projetos do Galpão ZL e responsável pelo Ponto de Leitura, tem feito agendamentos de visitas das pais ou responsáveis dos alunos ao espaço, em conformidade com as normas de segurança e de isolamento social para evitar aglomerações, para a retirada dos kits de livros montados para as atividades do Cenpec Educação.
Mãe e aluna durante retirada do kit de livros por meio de agendamento (Divulgação / Galpão ZL)
Além de organizar esse processo de modo seguro, Malu tem também feito carteirinhas online para possibilitar empréstimos de demais obras, identificado que alguns pais e responsáveis não sabiam da existência do espaço e detectado mudanças comportamentais entre eles. “Para incentivar os filhos, as mães também leem. Se quiserem mais livros, elas podem entrar em contato e agendar um horário para buscá-los. Trata-se de um processo bonito que tem incentivado os pais também.”
E, em virtude do contato com as mães, Malu consegue ver sinais de que a iniciativa dará frutos em curto prazo. “A gente enxerga como os olhos das mães e das crianças brilham quando veem os livros, e é possível observar o quanto elas têm papel fundamental no aprendizado dos filhos. E isso fará toda a diferença lá na frente”, finaliza.
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