Notícias recentes falam, de modo cada vez mais enfático, sobre os efeitos das mudanças climáticas e no meio ambiente no nosso dia a dia. Para mencionar algumas, a primeira semana de julho foi a mais quente registrada na história, superando recordes recentes.
Além disso, em 11 de julho, pesquisadores do AWG (Grupo de Trabalho do Antropoceno, em tradução livre do inglês) anunciaram o local que marca o início do antropoceno, expressão usada para designar a era geológica marcada pela interferência humana no meio ambiente global. Trata-se do Lago Crawford, situado no Canadá. A lama do espaço contém elementos relativos a testes nucleares e alta atividade industrial.
Nesse sentido, a pesquisa Mudanças Climáticas na Percepção dos Brasileiros 2022, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), Ipec e adaptado de estudo realizado nos EUA pelo Programa de Mudanças Climáticas da Mudanças Climáticas da Universidade de Yale, apresenta dados sintomáticos. Segundo o estudo, 52% das 2,6 mil pessoas entrevistadas relataram estar muito preocupadas com o meio ambiente.
Ainda, 94% entendem que o aquecimento global está acontecendo – entre o grupo, 74% entendem ser causado em especial pela ação humana. Para além disso, 87% consideram que o aquecimento global prejudicará as próximas gerações e 70%, que pode lhes prejudicar muito – idem suas famílias.
Quando questionados sobre quem pode contribuir para resolver o problema das mudanças climáticas, 36% das pessoas entrevistadas falaram sobre governos, enquanto 32% mencionaram empresas e indústrias. Ainda, 23% citaram cidadãs/ãos, enquanto 8% falaram de ONGs atuantes na defesa do meio ambiente – esse percentual simplesmente dobrou em relação a 2020 e 2021. Finalmente, 2% não souberam ou não responderam.
Sendo assim, mudanças climáticas e interferências no meio ambiente impactam mais pessoas em situação vulnerável e moradoras de territórios periféricos. O capítulo Desafios para adaptação à variabilidade climática na Macrometrópole Paulista: Considerações sob a perspectiva da Justiça Climática, do projeto Governança Ambiental da Macrometrópole Paulista face à Variabilidade Climática, da Fapesp e parceiro do Nexo Políticas Públicas, aborda esse contexto.
Um dos tópicos do capítulo, que passa pela influência da falta de infraestrutura básica no aumento da vulnerabilidade de territórios periféricos, apresenta o seguinte indício: “em um contexto de incerteza climática, inserido em uma sociedade extremamente excludente e desigual, não há surpresas de que os efeitos da variabilidade climática se convertam em injustiças climáticas. Sendo assim, é imperativo que a adaptação seja direcionada por uma perspectiva de justiça.”
Logo, falar sobre injustiça climáticas e meio ambiente passa, obrigatoriamente, pelo debate racial. De acordo com o Mapa da Desigualdade 2022, da Rede Nossa São Paulo, os três distritos com maior concentração negra são, respectivamente, Jardim Ângela (60,1%), Grajaú (56,8%) e Parelheiros (56,6%). Na contramão, Moema (5,8%), Alto de Pinheiros (8,1%) e Itaim Bibi (8,3%) são os territórios com menores concentrações de pessoas negras.
Consequentemente, falar sobre injustiças climáticas, vulnerabilidades territoriais e raça remete à lógica do relativa ao racismo ambiental e climático. O conceito retrata como disparidades em âmbitos racial e ambiental estão interconectadas.
Em entrevista realizada em 2022, Amanda Costa, diretora-executiva do Instituto Perifa Sustentável, destacou a relação entre a construção excludente da sociedade brasileira e a condição histórica da população negra no país.
“O racismo é estrutural, ou seja, ele transborda para todas as áreas da sociedade – clima, área ambiental, social e econômica. Quando analisamos o racismo ambiental, percebemos que, primeiro, quando os escravos foram libertos, não houve um plano de reinserção na sociedade. Ou seja, eles foram para as margens. Houve um plano de ‘purificação’ da sociedade, mas no sentido de afastar essas pessoas do centro, fazendo-as ocupar a margem”, comentou à época.
Nesse sentido, a dimensão governamental precisa ser levada em consideração quando se fala em racismo ambiental. Esse foi um dos pontos da entrevista com Diosmar Filho, geógrafo e pesquisador da Associação de Pesquisa Iyaleta.
De acordo com o pesquisador, o racismo ambiental consiste em manifestação de algo mais profundo: o racismo institucional. “Só olhando para o crime de racismo é possível entender o que é licenciamento racial, [como em] um licenciamento que permite uma barragem para colocar um território quilombola e uma terra indígena debaixo d’água. Isso é racismo institucional. Do ponto de vista ambiental, ele será manifestado pela legislação ambiental. E a legislação ambiental brasileira é racial: [ela] propaga todos os crimes de racismo no país.
+ Leia a entrevista com Amanda Costa
+ Confira a entrevista com Diosmar Filho
Um movimento importante neste cenário é mostrar como debates diversos, passando por fatores diversos, passando por agricultura, debate racial e de gênero, entre outros contextos, estão intrinsecamente ligados. “As questões estão interconectadas e são interseccionais. Ao trazermos essa visão sistêmica, trazemos profundidade para o diálogo e conseguimos pensar em soluções inovadoras”, pondera Amanda Costa.
Diante desse quadro, mesmo com atitudes individuais tendo relevância para a preservação do meio ambiente, as mudanças principais ocorrerão em âmbito coletivo. Assim sendo, Amanda Costa ponderou, durante a mesma entrevista, sobre o papel estratégico da dimensão política dentro desse debate. “É extremamente necessário olhar para a política, para os tomadores de decisão e saber quem está com a caneta na mão, tomando as decisões que irão impactar o meu presente e o meu futuro – e das pessoas parecidas comigo. Já que impactará, por que não posso estar no centro desse debate? Por que as minhas pautas não podem estar no centro da discussão?”
Por fim, Diosmar Filho abordou a necessidade de se falar em educação ambiental. Todavia, o foco precisa incidir para além da preservação ambiental, ao priorizar o debate sobre prevenção climática. “Como mudar os indicadores educacionais se as crianças podem, devido às mudanças climáticas, ficar mais tempo sem ir à escola ou por longas estiagens, ou por enchentes? Esse é um dos pontos. Temos trabalhado com estudos de renda, condições de saúde, de moradia e de saneamento – eles servem para ser possível planejar a prevenção climática. Não é sobre cuidar do ambiente natural em nosso favor, mas sobre prevenção e como trataremos da coletividade e pensaremos em humanidade.”
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Peg Hunter / Flickr
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