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Combater a disseminação de fake news e promover educação sobre mídia – Fundação Tide Setubal entrevista Ronaldo Lemos

Por Amauri Eugênio Jr. / Foto: Jorge Bispo

 

 

Pode-se dizer, sem meias palavras, que as fake news vêm causando danos significativos para a democracia. De acordo com pesquisa divulgada em 2019 pela Ipsos e encomendada pelo Centro para a Inovação em Governança Internacional, do Canadá, 86% das pessoas entrevistadas admitiram ter acreditado em uma notícia falsa com a qual se depararam nas redes sociais.

 

Em paralelo, uma pesquisa feita pelo Instituto DataSenado apontou que 45% dos 2,4 mil entrevistados afirmaram ter decidido o voto com base em informações vistas nas redes sociais, ao passo que 79% declararam usar o WhatsApp como fonte de informação e 83% revelaram ter identificado uma mentira nas redes sociais.

 

Este cenário é também apontado na pesquisa O Conservadorismo e as Questões Sociais, lançada em junho de 2019 pela Fundação Tide Setubal e Plano CDE, segundo a qual, entre outras coisas, entrevistados jovens usavam a internet como o principal meio de comunicação por terem rejeição grande a canais televisivos. Já os adultos entrevistados também acessavam a internet com frequência, mas se preocupavam com a disseminação de fake news e de conteúdos impróprios para crianças.

 

Ainda, obras como o livro Os Engenheiros do Caos, do cientista político Giuliano da Empoli, e o documentário Privacidade Hackeada mostram como a nossa relação com as redes sociais e os dados disponibilizados em tais plataformas têm sido usados para fins políticos, e como essa prática está intrinsecamente ligada à disseminação de conteúdo falso. Uma modalidade relacionada ao fluxo de fake news é a tática firehosing, por meio da qual uma grande quantidade de informações é veiculada de modo intenso, e que vem sendo usada para essa finalidade.

 

Entrevistamos Ronaldo Lemos, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundador e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio) sobre o tema e possíveis caminhos para reverter o panorama da desinformação nas redes sociais.

 

 

A disseminação de fake news via WhatsApp tem alcance significativo por aspectos que abrangem desde a desinformação com a identificação pessoal com o assunto abordado. Quão dramático é esse cenário no que diz respeito à informação e, em última análise, à democracia?

 

Estamos vivendo em um mundo que atravessa uma crise de confiança profunda. Como regra geral é importante desconfiar de tudo que está na internet. Com a comunicação em rede passou a ser mais fácil articular campanhas de desinformação. Essas campanhas não são acidentais nem ocasionais. Em muitos casos, são o resultado de um esforço de grupos organizados e com recursos suficientes para fazer com que aconteçam. Falar com muita gente em qualquer mídia que seja, na televisão ou na internet, sempre custa muito dinheiro. Então há uma correlação direta em capacidade financeira e desinformação.

 

 

 

Um teste feito pelo Wall Street Journal mostrou que um algoritmo do YouTube costuma direcionar usuários a canais com teorias da conspiração e conteúdo falso. Em contrapartida, o Facebook adotou, em 2018, medidas como a verificação com agências de fact checking e classificação de páginas de veículos comunicacionais, mas o efeito não foi significativo como se esperava. Quais medidas plataformas online de conteúdo podem tomar para combater a publicação e disseminação de fake news?

 

Meu receio maior não são as grandes plataformas, que estão todas sob pressão para lidar com o abuso informacional. Um problema pouco falado é a questão da parte oculta das campanhas de desinformação. Essa parte inclui micro e pequenas empresas e organizações, mecanismos de tracking de usuários embutidos em sites, monitoramento de informações, sites de propaganda, empresas que controlam robôs e sockpuppets [pessoas que usam identidades falsas para fins fraudulentos], fazendas de servidores e bunkers de designers anônimos [espaço usado para a produção de fake news]. É essa estrutura que precisa também ser revelada e compreendida. Existe hoje uma indústria da desinformação que está à venda para quem puder pagar.

 

 

 

Um aspecto fundamental no documentário Privacidade Hackeada diz respeito ao uso de dados de usuários para fins políticos, e o livro Os Engenheiros do Caos aborda, entre outros pontos, como o mesmo dado é manipulado com premissas diferentes de acordo com o público-alvo de agências voltadas à política. Como isso representa um risco para a preservação da democracia?

 

A internet permite ocultar uma parte fundamental da informação, que é a autoria. Não existe na internet uma camada que permita a certificação de identidades como parte do protocolo da rede. A rede é desenhada para identificar máquinas, mas não as pessoas e as instituições que estão por trás delas. Essa perda da informação sobre autoria leva a uma perda também de responsabilidade e permite disfarçar propaganda produzida industrialmente como se fosse a comunicação de um cidadão comum de boa fé. Isso abre espaço para as mais diversas formas de manipulação política. E, de novo, tem acesso a essas estratégias quem melhor mobiliza recursos econômicos capaz de financiá-las.

 

 

Um ponto significativo diz respeito ao apelo e ao alcance que têm mensagens emotivas, apelativas e com conteúdo agressivo em detrimento a conteúdos analíticos. Quais são as possibilidades para se reverter esse quadro para incentivar a melhora da qualidade da informação disponível para cidadãos e do nível do debate político?

 

Há vários estudos que mostram que mensagens chocantes, mentirosas e que causam impacto emocionam circulam de forma mais ampla do que fatos verídicos. Isso tem a ver com questões técnicas e também com uma inclinação humana. O que tem acontecido com a propaganda política que se disfarça de mensagem comum na internet é justamente apelar para emoções como medo, insegurança, revolta ou choque. Com isso, essa estratégia já garante uma base de impacto mais elevada, pois os usuários da rede, sem saber, são transformados em veículos de propagação desse tipo de informação. Para combater essa questão é preciso investir também em educação para a mídia. Mas mais do que isso, é preciso decifrar de onde vem o design desse tipo de comunicação.

 

 

 

De acordo com a tática firehosing, conteúdos falsos são disseminados com intensidade e frequência impressionantes a ponto de a imprensa e dados de estudos científicos serem colocados em xeque, pois podem ser interpretados como atores que estão escondendo informações da população. Quais podem ser os caminhos possíveis para deter o fluxo massivo de conteúdo falso?

 

Um elemento importante a ser diferenciado aqui é a liberdade de expressão, que deve ser defendida como princípio constitucional fundamental, de um direito à viralização. Toda pessoa deve ter o direito de dizer o que quiser, mas não pode haver um direito à viralização, isto é, um direito de que aquela comunicação atinja um grupo enorme de pessoas. A liberdade de expressão não implica haver um direito a ter uma audiência. Técnicas como firehosing tentam subverter esse fato, pois tentam chamar atenção para conteúdos de que de outra forma as pessoas não prestariam atenção, causando estardalhaço ou choque. Na minha visão, a diferenciação entre o direito à liberdade de expressão e viralização é essencial para resolver a questão da desinformação. Quem quer fazer desinformação muitas vezes está protegido pela liberdade de expressão, mas isso não implica o direito de viralizar aquelas mensagens falsas.

 

 

 

 

Como as redes sociais e os dados disponíveis podem ser usados como ferramentas para o combate à desinformação e, como consequência, como elementos civilizatórios e benéficos para o debate sociopolítico? 

 

Acredito que é possível reequilibrar o campo da comunicação, tornando-o mais equitativo. Na internet de hoje é possível converter dinheiro em poder comunicacional e de viralização. Isso vai contra a própria liberdade de expressão, porque permite a grupos ocultos, mas bem financiados terem um espaço desproporcional na esfera pública. Buscar um equilíbrio nesse sentido pode ajudar a reequilibrar o campo discursivo.

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