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Poesia para abrir as portas da percepção à beleza

Por Amauri Eugênio Jr.

 

 

A arte tem o poder de nos entreter, de fazer questionar o mundo ao nosso redor e de nos ajudar a encontrar beleza na vida. Logo, sua ausência nos deixa desnorteados e com sensação de vazio, independentemente do contexto em que notamos como ela faz falta.

 

Malu Gomes, responsável pelo Ponto de Leitura do Jardim Lapena, percebeu, a partir de relatos feitos pelo público que frequentava o espaço, como a arte faz no dia a dia, inclusive quando ela funciona como um elemento para nos relacionarmos com outras pessoas.

 

Certo dia, enquanto andava pelo bairro, em dezembro de 2020, uma moradora e frequentadora do Chafé com Poesia, atividade que era realizada na última sexta-feira de cada mês – antes da pandemia de Covid-19 -, descreveu para Malu a falta que sentia dos encontros.

 

“Ela relatou, emocionada e muito triste, a saudade que tinha dos encontros. Quando fui para a minha casa, fiquei pensando de qual forma eu poderia ajudar as pessoas que estão dentro de casa e isoladas, principalmente as pessoas da melhor idade.”

 

Foi essa reflexão que a inspirou a criar o Sarau na Porta, cuja primeira edição aconteceu ainda em dezembro do ano passado. Como o próprio nome sugere, a ação tem como objetivo realizar leituras de poemas nas portas dos frequentadores do Ponto de Leitura – obviamente, respeitando a distância recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

 

“O Sarau na Porta consiste na busca de moradores que estão mais isolados neste momento e sem receber visitas. Buscamos levar, mesmo que na porta, um pouco de alegria e amenizar a solidão”, destaca Malu.

 

Capa do livro "Retalhos da Cidade - Mais 60", organizado por Jeane Silva. A imagem é composta por uma arte, em estilo impressionista, de uma mulher sentada lendo um livro e com uma mesa à sua direita sobre a qual estão flores e frutas.


Capa do livro “Retalhos da Cidade – Mais 60”, organizado por Jeane Silva (Arquivo pessoal)

 

 

Beleza em prosa e versos

 

Os encontros atuais, que, a exemplo do Chafé com Poesia, acontecem na última-sexta-feira de cada mês, consistem em leituras de obras clássicas, assim como as incluídas na obra Retalhos da Cidade – Mais 60. Organizada pela psicóloga, produtora cultural e especialista em gerontologia Jeane Silva, 44, a obra é resultante de oficina ministrada pela própria produtora cultural em 2019, voltada à escrita criativa para pessoas com mais de 60 anos.

 

Jeane, inclusive, considera o projeto “riquíssimo em sua intenção e louvável em suas realizações”, ao fazer poesias chegarem às casa dos moradores do Lapena. “Acreditar que nossa obra chegue de forma tão afetiva e possa incentivar e inspirar o contato com a leitura a todos da comunidade é entender que ela está fazendo o seu papel: de que a leitura, a literatura e a arte podem – e devem – estar disponíveis a todos.”

 

 

Quando a poesia bate à porta

 

Os encontros organizados por meio do Sarau na Porta transcendem o mundo dos livros: além de um exemplar de obras como Retalhos da Cidade – Mais 60, as pessoas visitadas recebem também uma flor como lembrança. Para Malu e Paloma Borges, estagiária do Ponto de Leitura, que também participou das edições anteriores do Sarau na Porta, a recepção é um dos melhores retornos que elas trazem das atividades.

 

“Este retorno é sem dúvidas gratificante e é difícil descrever a sensação única de viver esse momento. Costumamos dizer que vamos fazer as visitas, mas somos nós que saímos visitadas. É de uma riqueza sem tamanho poder presenciar essa experiência”, pontua a dupla.

 

Maria Lúcia de Oliveira, 67, vive há 32 anos no Jardim Lapena. A moradora participou das atividades e considera o projeto como uma iniciativa de grande importância, ao incentivar a população do território ao acesso à literatura. “Eu amo ler. Para mim, foi – e está sendo maravilhoso -, pois descobrimos coisas incríveis por meio da leitura. Para mim foi compensador recebê-las em minha porta.”

 

Imagem de Maria Lúcia de Oliveira após o Sarau na Porta. Ela está em frente à casa dela, segurando um vaso pequeno com flores e um livro. Ela está com calça preta, camisa colorida e usa máscara branca.

Maria Lúcia de Oliveira, moradora que participou do Sarau na Porta (Arquivo pessoal)

 

 

Próximas páginas

 

Enquanto as recomendações para a prática do distanciamento social forem mantidas para conter o contágio, Malu e Paloma continuarão a levar poesia, flores, alegria e a essência do Ponto de Luz (ou melhor: Ponto de Leitura) para os moradores do Jardim Lapena. Afinal, ainda que estejam separadas por portões, o sentimento e a arte transcendem barreiras físicas.

 

Jeane Silva não esconde o entusiasmo ao falar da obra, que já teve duas tiragens de 100 exemplares cada e cuja terceira depende do apoio de novos parceiros. Ainda, ela fala de um dos legados da iniciativa: do livro Sublime aos 70, da poeta Conceição Costa, uma das autoras com mais de 60 anos, que decidiu lançar o seu livro autoral: “A literatura mais 60 da zona leste caminha potentemente, apresentando para o mundo a riquíssima arte com a qual esse público consegue contribuir, quando é incentivado, acreditado e apoiado.”

 

Para as próximas edições do Sarau na Porta, Malu e Paloma têm expectativas altas, com sentimentos e emoções estando em papel de destaque a cada visita e, segundo elas, “mantendo sempre o pé no chão para levar esperança, poesia e amor para esses lares”.

 

“Esperamos que as próximas visitas aconteçam da melhor maneira possível e que possamos trazer muitos aprendizados e lições de vidas fantásticas nesse meio tempo em que recitamos uma poesia e trocamos algumas palavras”, finalizam Malu e Paloma.

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