7ª Festa Julina do Galpão aborda direitos sociais
Nos dias 9 e 10 de julho, aconteceu a 7ª Festa Julina do Galpão no Jardim Lapenna. Com uma programação recheada, o arraial começou resgatando a cultura afro-brasileira. Crianças, jovens e adultos jogaram capoeira na roda puxada pelo professor Rafael Nascimento, do projeto Um Passe para a Arte, realizado pela Fundação Tide Setubal no território. […]
Nos dias 9 e 10 de julho, aconteceu a 7ª Festa Julina do Galpão no Jardim Lapenna. Com uma programação recheada, o arraial começou resgatando a cultura afro-brasileira. Crianças, jovens e adultos jogaram capoeira na roda puxada pelo professor Rafael Nascimento, do projeto Um Passe para a Arte, realizado pela Fundação Tide Setubal no território.
Em seguida, foi a vez de as crianças dos CEIs Jardim Lapenna e Jardim Lapenna 1 subirem no palco e cativarem o público com suas apresentações ao som de diversos ritmos da cultura popular brasileira. “Minha turminha é de meninas e meninos de 5 e 6 anos. Trabalhamos o projeto Cultura Brasileira e, a partir dele, busquei um pouco da cultura nordestina. Decidimos apresentar o xaxado, que é muito animado”, contou a professora Nadir Correia, do CEI Jardim Lapenna 1. A também professora de Educação Infantil Raquel Soares Barbosa escolheu a marcante música Asa Branca para exibição de seus alunos e, para acompanhar a canção, os pequenos “tocaram” uma sanfona feita por eles com materiais recicláveis. “Trabalhamos em sala de aula usando pequenos trechos da música e contei a história do autor dela, Luiz Gonzaga. Espaços como esse são importantes para as crianças conhecerem suas raízes culturais”, afirmou.
A temática do festejo Um Rio Chamado Casa e uma Luta Chamada Terra se fez presente no território do Jardim Lapenna, no qual, há muitos anos, sua população luta por direitos básicos. “A periferia urbana também tem suas questões de lutas pela terra, por moradia digna, para tirar suas casas de cima do rio, e esse diálogo esteve nas apresentações culturais da Festa Julina”, ressaltou Inácio Pereira dos Santos Neto, coordenador de cultura da Fundação Tide Setubal.
A quadrilha, já tradicional por se conectar aos temas das festas julinas, este ano intitulada Vozes da Terra, misturou culturas, lutas e objetivos em um só caminho, em cima de uma só terra, sem deixar de apresentar os típicos passos, como o balancê, o passeio na roça e a grande roda.A criação do espetáculo reuniu jovens e educadores das atividades do Galpão e do CCA Jardim Lapenna em muitos dias de construção e reflexão coletiva sobre os diversos movimentos sociais, seus contextos e a simbologia. “Como falar sobre luta pela terra sem os acampamentos, discutir sobre o negro sem trazer a cultura, os tambores, a dança e como abordar a questão indígena sem passar por sua mitologia? ”, questionou Inácio. A solução para todas essas questões foi misturar diversas referências dentro de uma só história, em uma só dança.
Vozes da Terra – Na mitologia indígena, uma deusa mística criou o universo ao plantar uma árvore. Na quadrilha, a história seguiu de forma teatral, com os diferentes grupos de pessoas, todos juntos, em um só caminho da roça, trazendo estampado em suas camisetas o movimento pelo qual lutam. O índio mestre-sala e a jovem porta-bandeira do movimento LGBT, puxando para a grande roda, representaram a união dos povos. A bandeira que foi formada ao longo da apresentação com o símbolo de cada um dos movimentos marcou a construção conjunta de seus objetivos. Em seguida, foram apresentados os diálogos com as dificuldades até o grande ápice do surgimento de Manuel das Cercas, personagem que representa o rompimento dos direitos sociais. Enquanto todos recuavam, o índio, com sua bravura, avançou e caiu no arame farpado de Manuel das Cercas, que também o destituiu de suas terras e banalizou sua cultura. Em uma reviravolta, todos os demais representantes de lutas sociais se uniram e expulsaram o intruso, que tentava retirar os direitos de todos, percebendo que, juntos, conseguiriam vencer os obstáculos.
Essa forma sutil e simbólica, em que questões reais foram abordadas na quadrilha, agradou o público. “Eu achei muito lindo. Uma conscientização de forma lúdica em relação a essas questões da mulher, do negro, do índio, e que muitas vezes se perdem na sociedade, eu fiquei encantada”, disse Marcela Maria Chaves, coordenadora pedagógica da EMEF Leonor Mendes de Barros, localizada no bairro do Tatuapé. Já Maria da Glória Oliveira – dona Glória, como é conhecida no Jardim Lapenna, onde mora faz mais de 60 anos – não conteve a emoção e chorou com a apresentação da quadrilha. A também moradora da região Maria Guimarães Leite, 68 anos, contou: “Todo ano venho à Festa Julina aqui no Galpão e ela está a cada vez mais bonita, mas esta se superou (risos), está linda, e achei a quadrilha muito bem bolada”.
A emoção também estava entre os sentimentos de quem participou da apresentação. “Acho muito importante tratar dessas diferentes lutas. Eu quis muito participar da quadrilha e, principalmente, representar essa luta LGBT, porque é um grupo muito julgado e discriminado”, ressaltou Sara Daiana Silva, 15 anos, integrante do Centro de Criança e Adolescente (CCA) do Jardim Lapenna, que não escondeu a euforia no final do espetáculo.
Quem foi à 7ª Festa Julina do Galpão também pôde dançar muito forró ao som do Trio Flor de Muçambê, conferir a apresentação do grupo Jabuticaqui e do FB Samba e convidados recebendo o Samba de Bumbo com Sucatas Ambulantes. “Venho com toda a família, gosto desta festa e acho importante, porque é a cultura da comunidade, de todo o Brasil, e quero que meus filhos conheçam”, afirmou Celiana Eufrasio, moradora da região que frequenta a festa há três anos. Pedro Peo, integrante do grupo Batakerê, destacou o que motiva sua participação no arraial há cinco anos. “É importante conhecer a cultura brasileira, a energia e sua alegria. Vir em um espaço como este é melhor ainda, porque a comunidade participa.”
Como não poderia faltar, a tradicional Missa Caipira aconteceu no domingo pela manhã e, como em todos os anos, lotou a Igreja Católica Jesus Mestre, no Jardim Lapenna. Após o ritual com muita música e preces, os fiéis seguiram em procissão até o Galpão de Cultura e Cidadania.
E não parou por aí, o festejo contou com duas exposições: uma de fotos, que destacou as belezas existentes no território com materiais produzidos por jovens que participaram de um curso de fotografia realizado em julho pela Fundação Tide Setubal, em parceria com o Instituto Nova União de Arte; e uma exposição com a história e os trabalhos dos artistas do Jardim Lapenna. Além disso, entre as barraquinhas, uma delas alimentava os visitantes culturalmente: a Barraca Tecendo Histórias expôs os relatos de vida dos moradores mais antigos da região, homenageando-os e construindo a identidade local, e também ofereceu oficinas de crochê para crianças. “Contar história e ensinar crochê são coisas da cultura de raiz e as crianças gostam, mas ninguém lhes ensina”, revelou Daniela Cristina Piolongo, artesã e responsável pela oficina.
A peça de teatro Rapadura É Doce, mas Não É Mole, do grupo de teatro do CCA, também foi uma das atrações da festa e abordou de forma descontraída o preconceito contra os nordestinos, os homossexuais e outros grupos. A sensação de ter agradado o público é comemorada entre os jovens atores da peça. “Na hora de entrar no palco, dá um certo nervosismo, um frio na barriga, mas depois passa. Gostei muito da apresentação de hoje, não erramos, tudo mundo riu, chorou, se emocionou”, confessou Daniel dos Santos Gronga, 13 anos, integrante do teatro do CCA. E Fabricio Chagas de Queirós, 12 anos, que também participa do teatro do CCA, ressaltou: “O texto dessa peça é importante para todos perceberem que somos iguais, não importa se somos nordestinos ou homossexuais, o que importa é que somos seres humanos”.
“Eu escolhi esta peça para hoje porque, há dez anos, na inauguração do Galpão de Cultura e Cidadania, foi ela que apresentamos. É uma forma de relembrar o passado, relembrar as origens”, contou Romildo Makenzi, ator, professor e diretor de teatro no CCA.