Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Por que precisamos falar mais em promoção da equidade do que em promoção da igualdade?
Quando se fala em enfrentamento das desigualdades, expressões como promoção da equidade e promoção da igualdade logo vêm à tona, mas há diferenças conceituais importantes no que diz respeito a elas. Saiba quais são.
Volta e meia, quando se fala em enfrentamento das desigualdades, expressões como promoção da equidade e promoção da igualdade logo vêm à tona. Ainda que ambas remetam ao enfrentamento das múltiplas dimensões das desigualdades, há diferenças conceituais importantes no que diz respeito a elas.
Em linhas gerais, a igualdade baseia-se na premissa segundo a qual todas as pessoas devem ser tratadas de modo igualitário – ou seja, sem distinção. Logo, isso independe de variáveis como gênero, raça ou etnia, orientação sexual, condição social, crença, território de origem e assim por diante. Já a equidade, por sua vez, tem como objetivo eliminar o desequilíbrio existente entre pessoas de contextos e origens diversos, ao considerar as suas particularidades e especificidades. Assim sendo, o foco é garantir que todas elas tenham paridade de armas para poderem agir de modo equânime.
Caso não tenha ficado nítido, tente construir mentalmente a imagem por vezes viralizada de garotos em frente a uma cerca tentando assistir a um evento esportivo. Dentro dos parâmetros de igualdade, eles têm um único caixote – alguns conseguem assistir ao evento, enquanto outros não são grandes o bastante para tal. Já na chave da equidade, alguns ganham mais caixotes do que outros, é verdade, mas para garantir que todas essas pessoas tenham acesso ao mesmo horizonte e, desse modo, ao jogo.
Agora, que você conseguiu visualizar essa imagem, vamos à lógica da promoção da equidade na prática. Para a Fundação Tide Setubal, por exemplo, a equidade é um dos valores institucionais para orientar os projetos e ações desenvolvidos no enfrentamento das desigualdades. A saber: os outros valores norteadores são democracia, diversidade e colaboração.
Compreender para evoluir
A promoção da equidade consiste, então, em processo no qual entes, organizações e lideranças se responsabilizam, em rede, por potencializar grupos e indivíduos de grupos minorizados e vulnerabilizados. E, como é de se imaginar, esse processo está intrinsecamente relacionado a medidas reparatórias.
“Diferentes vozes amplificam reparações históricas, pois o mundo que cada pessoa vê se diferencia a partir de sua história. Pessoas com diferentes histórias iluminarão a realidade a partir de outros lugares. Com isso, reparações históricas têm que dar conta dessa diversidade”, pondera Cassio França, secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).
Nesse contexto, Viviane Soranso, coordenadora do Programa Raça e Gênero da Fundação Tide Setubal, apresenta pontos nos quais a promoção da equidade deve considerar aspectos estruturais quando se fala da disparidade racial. A sub-representação de profissionais negras e negros é notória em diversas áreas, inclusive no terceiro setor e no ISP. Assim sendo, Viviane considera que “a primeira maneira seria uma contratação mais diversa e presente no campo”.
“Junto com isso, [precisa-se de] ações internas de letramento racial, com processos formativos, de [criação de] canal de acolhimento, escuta, contratação de fornecedoras e fornecedores, elaboração de projetos e de programas que levem em consideração a intersecção de raça. E também o próprio recurso do investimento social privado para a pauta de equidade racial, que ainda é pouco”, reforça a coordenadora do Programa Raça e Gênero da Fundação Tide Setubal.
Assista ao episódio Qual é o seu papel na luta em favor da equidade?, da série Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial
E a iniciativa privada?
Neusa Lopes, analista de Diversidade, Equidade e Inclusão aponta para o fato de que as organizações precisam compreender os seus respectivos papéis e responsabilidades em âmbito social.
“Quando se fala de desigualdade no Brasil, não é possível falar do tema sem olhar para classe, raça e gênero. Precisamos olhar [para esses pontos], pois quando olhamos para a base da pirâmide e falamos de pessoas negras, nós sempre estamos atrás das pessoas não negras. Se fizermos o recorte por gênero, a mulher ainda está abaixo da pirâmide”, reforça.
Ainda nesse contexto, Amanda Abreu, cofundadora da Indique uma Preta, consultoria especializada em diversidade e inclusão racial no mercado de trabalho, fala da importância para empresas mudarem a perspectiva no que diz respeito à promoção da equidade. De acordo com ela, rever processos para contratar pessoas negras não consiste em baixar a régua. Na verdade, trata-se de compreender se determinados requisitos presentes em processos seletivos são de fato necessários para o cotidiano da e do profissional em questão.
“Durante anos, pessoas pretas, LGBTQIAPN+, PCDs ou indígenas se modificaram para entrar no mercado de trabalho. Mulheres negras modificam seus cabelos – não respeitam a sua estética identitária para ela entrar no mercado de trabalho. Agora é a hora de o mercado de trabalho entender um pouquinho que precisa se modificar para acolher essas pessoas. Senão, ficará muito atrás do que acontece no mundo”, detalha.
+ Guia Orçamentos Sensíveis a Gênero e Raça
Promoção da equidade e esfera pública
A Constituição Federal de 1988 prevê, a partir de parâmetros previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que todas as pessoas devem ter acesso universal a aspectos básicos à dignidade da pessoa humana. Alguns desses tópicos são, obviamente, saúde, educação, transporte, moradia, alimentação, trabalho e lazer.
Nesse sentido, diante das crônicas desigualdades sociorraciais, de gênero e territoriais existentes no Brasil, pode-se dizer que o orçamento público passa longe de ser neutro. Não por acaso, a regionalização do orçamento é uma pauta recorrente quando se fala na promoção da equidade. Idem no que diz respeito a gênero e raça.
O guia Orçamentos Sensíveis a Gênero e Raça, desenvolvido pela Fundação Tide Setubal com A Tenda das Candidatas, traz diversos elementos referentes a tais variáveis. Um dos pontos do documento contempla o orçamento público, segundo o qual uma de suas funções e potencialidades políticas intrínsecas consiste em “distribuir os recursos públicos de forma justa por meio de investimentos em políticas públicas que busquem a equidade”.
Dentro dessa lógica, Roseli Faria, economista, especialista em orçamento público, considera que não adianta tais direitos estarem na CF88 se não houver recursos para garanti-los. Ainda, é necessário haver regras fiscais e critérios alocativos estruturados para a população conseguir acessá-los. E essa lógica vai além da esfera federal, ao envolver demais segmentos.
“Considero fundamental repensarmos os orçamentos, principalmente municipais, a partir da redução das desigualdades. Vamos lembrar que boa parte dos direitos sociais refletidos em políticas sociais e em serviços públicos é tocada no nível do município. A construção de metodologias e a garantia de compromissos dos municípios para buscar também a redução das desigualdades se tornam cruciais. Caso contrário, não conseguiremos alcançar o objetivo de redução das desigualdades sociais”, finaliza.
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Darlene Alderson / Pexels