O setor de recursos humanos tem papel estratégico para empresas e organizações promoverem diversidade e inclusão nos quadros de funcionários. Um dos argumentos nesse contexto é o fato de essa área ser responsável pela contratação de novas/os profissionais. O RH é também a porta de entrada para sensibilizar lideranças e equipes de empresas e organizações sobre a agenda de diversidade e inclusão. Algumas ações podem consistir em promover estratégias para desenvolver profissionais integrantes de grupos socialmente minorizado, estruturar iniciativas para essas mesmas pessoas até postos de liderança – elas estão sub-representadas nesses espaços.
Este é o tom da entrevista com Amanda Abreu, cofundadora da Indique uma Preta, consultoria especializada em diversidade e inclusão racial no mercado de trabalho – ela fundou a consultoria em parceria com Dani Mattos e Verônica Dudiman. Publicitária de formação, Amanda atuou em agências como estrategista para diversas marcas – inclusive na gerência da área de estratégia.
Para além da atuação do RH propriamente dita, a entrevista com Amanda Abreu passa por demais aspectos. Alguns pontos passam, invariavelmente, por sensibilizar lideranças para a urgência de receber e acolher pessoas negras e de demais grupos minorizados no ambiente de trabalho. Nesse sentido, outros aspectos abrangem a mudança das estruturas de empresas e organizações para contemplar, ao mesmo tempo, a permanência de profissionais com esse perfil e legitimar o acesso a postos de liderança. Além disso, tais mudanças devem, mais do que ser ações que poderão ser mostradas à comunidade, ser profundas e de fato transformadoras dentro das respectivas organizações.
Alguns pontos passam, invariavelmente, por sensibilizar lideranças para a urgência de receber e acolher pessoas negras e de demais grupos minorizados no ambiente de trabalho. Nesse sentido, outros aspectos abrangem a mudança das estruturas de empresas e organizações para contemplar, ao mesmo tempo, a permanência de profissionais com esse perfil e legitimar o acesso a postos de liderança. Além disso, tais mudanças devem, mais do que ser ações que poderão ser mostradas à comunidade, ser profundas e de fato transformadoras dentro das respectivas organizações.
Confira a seguir o diálogo com Amanda Abreu.
Ao se falar em diversidade e inclusão nas empresas, o papel do RH nesse processo vem logo à tona. Como a área de RH pode, em empresas, atuar para além do processo de contratação? Por exemplo, pensando na permanência de pessoas de grupos minorizados e na sensibilização dos funcionários?
Amanda Abreu: Para mim, o papel do RH é imprescindível e muito importante. Para além da contratação, o RH e os times de cultura podem sensibilizar gestoras/es. Diversidade e inclusão é uma pauta das áreas de RH, pois essas pessoas ficam com essa parte do seu trabalho e têm a responsabilidade de plantar essa semente para as outras áreas.
Para além do recrutamento, o RH é uma ponte muito importante para pensar em desenvolvimento de carreiras de pessoas negras e de outros grupos minoritários, assim como aceleração de carreiras. Ele tem papel também de fazer o monitoramento de carreira junto com o gestor quanto ao modo como a pessoa negra se sente dentro desse ambiente e como ela está performando.
O RH tem como função entender e monitorar a qualidade de vida da pessoa negra dentro desse ambiente. Isso não é só função do RH, mas começa na entrada para esse profissional conseguir sensibilizar gestoras/es e áreas com as quais precisa conversar. Por exemplo, ter um RH sensibilizado e com compreensão sobre essas questões e que realmente saiba da importância para a inovação e aceleração dos negócios é uma premissa fundamental para outras áreas também. É essa a área que conseguirá criar aberturas para as outras áreas também.
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Quais ações podem ser tomadas para sensibilizar gestores de empresa sobre a importância de haver mais profissionais negras/os e de trajetória periférica em postos de liderança?
Amanda Abreu: O mercado de trabalho tem preocupação em contratar. Essa preocupação ocorre em contratar pessoas negras por conta da pressão social. O movimento negro realmente também faz parte dessa pressão social para haver profissionais negras/os trabalhando com condições de dignidade de trabalho dentro de empresas.
Mas se esquece da aceleração desse profissional: é necessário potencializar e acelerar essa pessoa. Não adianta contratá-la e deixá-la cinco anos no mesmo cargo – encontramos muito isso e vemos em caso de pessoas negras que já estão há muito tempo nas empresas, exercendo funções de gerência e de diretoria, mas na CLT dela está como assistente de alguma coisa – um cargo júnior ou pleno.
Precisamos pensar com mais urgência na importância da aceleração de carreiras de pessoas negras no mercado de trabalho, em todas as instâncias. Não só no mercado de trabalho, mas falando de sociedade civil como um todo. Um exemplo é a questão da representatividade das pessoas na TV, no cinema, na publicidade, nas novelas. A representatividade imagética existe, mas precisamos saber quem está na ficha técnica também. Preciso saber quem é o diretor, o roteirista e o assistente de direção. Preciso saber que naquela ficha técnica também há pessoas negras.
Amanda Abreu fala sobre representatividade para além de fatores imagéticos e, como consequência, com foco na inserção de pessoas negras e de trajetória periférica em cargos de poder e de decisão
Segundo um estudo do Insper, ao mesmo tempo em que mais pessoas negras ingressaram no ensino superior, empresas ainda procuram por profissionais formados em universidades consideradas tradicionais. Quais podem ser os caminhos para sensibilizar gestoras/es a fugir dessa perspectiva excludente no mercado de trabalho?
Amanda Abreu: Sim, houve aumento de pessoas negras nas instituições de ensino superior graças a políticas de cotas – elas são bem importantes para os grupos minoritários. Mas, quando olhamos para o mercado de trabalho, essa pessoa não consegue sobreviver, por ele colocar marcadores como o inglês. Apenas 5% da população brasileira falam o idioma. Quando as empresas falam da necessidade de a pessoa falar inglês para uma vaga, é necessário olhar isso também e entender por que precisa disso. Essa pessoa falará inglês sete dias por semana? Qual será a constância dessa pessoa dentro de uma reunião falando inglês? A solução pode ser trazer uma pessoa que já fala para ser dupla dela durante um ano? Enquanto isso, a empresa investe em um curso de idiomas para ela?
É necessário também revisar os pré-requisitos que as empresas pedem para pessoas negras. Não falo de baixar a régua: falo de entender mesmo sobre o que se precisa ou se determinada certificação será necessária para o dia a dia da/o profissional. Ou, então, se o fato de ela ter trabalhado na feira ou aberto uma empresa na vida dela já não agrega na função a ser desempenhada. Hoje, as empresas pedem para candidatas/os terem perfil intraempreendedor. Tudo o que pessoas negras são está nesse perfil. Negaram-lhes espaço no mercado de trabalho e elas precisaram se virar, abrir um negócio de bolos, doces ou tranças, por exemplo. Elas naturalmente têm esse perfil.
As empresas precisam fazer uma revisão em relação a isso, pois, durante anos, pessoas pretas, LGBTQIAPN+, PCDs ou indígenas se modificaram para entrar no mercado de trabalho. Mulheres negras modificam seus cabelos – não respeitam a sua estética identitária para ela entrar no mercado de trabalho. Agora é a hora de o mercado de trabalho entender um pouquinho que ele precisa se modificar para acolher essas pessoas. Senão, ele ficará muito atrás do que acontece no mundo.
Até em que ponto a inclusão por meio da lógica do mercado é pertinente? Por outro lado, quando essa perspectiva se torna um discurso perigoso por ignorar as implicações sociais centrais quando se fala em diversidade da inclusão?
Amanda Abreu: Trata-se de uma linha tênue mesmo, pois estamos em um sistema no qual tudo é sobre capital e dinheiro. Pautas feministas e de pessoas negras acabaram se adentrando no mercado – e ele faz produtos em relação a isso. Basta olhar o Big Brother, por exemplo: todo ano tem pautas de pessoas negras, por exemplo, ao colocar várias pessoas negras lá e ver o que a audiência acha. O perigo é trazer apenas essa representatividade para fora. Por exemplo, mostra-se em propagandas de uma empresa que as pessoas da família são todas negras, mas não há ninguém negro/a no corpo de funcionários. Ainda, é um sistema tóxico de convivência entre as pessoas, não há ouvidoria para denúncias de casos de racismo e violência de gênero.
Torna-se perigoso quando empresas fazem más estratégias no sentido de a diversidade reverter em dinheiro, ao contratar uma pessoa para ser modelo, e considerar que tudo estará resolvido. Ou então, por exemplo, trazer pessoas pretas para falarem sobre a questão LGBTQIAPN+ entre pessoas negras, ou fazê-lo em novembro. Quando não há estratégia fica perigoso, pois, por exemplo, consumidoras/es estão muito atentas/os a isso.
Falar sobre diversidade e inclusão não é sobre contratar uma pessoa negra na liderança e, pronto, já ter feito o seu papel. É sobre uma estratégia de longo prazo para a empresa obter os ganhos sobre os quais a McKinsey fala.
Amanda Abreu abordou pontos como a relação de consumidoras/es com marcas e empresas, e como a diversidade no quadro de profissionais dessas organizações podem impactar na decisão de compra desse mesmo público
A Fundação tem, além de editais para apoio a organizações atuantes nas periferias e com foco em raça, gênero e território, a Plataforma Alas. Nesse sentido, como iniciativas com esse escopo podem ser relevantes para a evolução de profissionais negras/os para chegar em postos de liderança?
Amanda Abreu: Acredito que há muita informação legal, como essa, mas considero que a comunicação ainda é muito difícil. O acesso a essa informação é: sabe quando você está viajando na internet encontra uma informação após 30 dias? Acho que não é divulgado de maneira massiva para a população negra. Ainda é colocado de modo muito elitista, para um grupo de pessoas, sim, progressistas, mas não conseguem transmitir a informação da existência de um edital, uma bolsa ou projeto de capacitação. É muito exclusivo e fechado ainda. Por mais que exista, é necessário arrumar uma maneira de isso ser massivo.
É necessário pensar nas suas estratégias e entender onde as pessoas pretas estão, e como elas subirão esses materiais e formatar projetos. Hoje é difícil: uma pessoa tem um projeto, mas até essa inteligência foi negada para nós – por exemplo, como formatar um projeto sobre uma oficina na minha comunidade para pessoas pretas e quero angariar fundos. Como faço isso? Era um PPT? E onde coloco o objetivo e o desafio?
Acredito que isso ainda fica muito distante da população preta e em uma camada de bolha muito sudestina, muito SP-RJ. Sinto falta também de ver esses projetos também para o Norte e o Nordeste. Falta comunicação para essas pessoas acessarem esses projetos existentes. Estamos aqui, na Indique uma Preta, inclusive até fazendo um mapeamento de editais assim, mas é muito difícil as pessoas acharem. A comunicação, inclusive mais prática e didática, é a chave de tudo.
Amanda Abreu fala sobre mudanças sociocomportamentais quando se fala em diversidade e inclusão em organizações e empresas
Entrevista: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Isabelle India