Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Por que o apoio a candidaturas negras é fundamental para fortalecer a democracia?
Colocar em prática o apoio a candidaturas negras é uma estratégia inescapável quando se fala em qualificar o debate político. Saiba o porquê.
Colocar em prática o apoio a candidaturas negras, seja nas esferas legislativa ou executiva, é uma estratégia inescapável quando se fala em qualificar o debate político. Os números a seguir ajudam, então, a compreender melhor esse cenário.
Em âmbito nacional, 44,7% das candidaturas eleitas correspondiam a pessoas negras. Ao analisar-se a realidade nas 27 capitais dos estados e do Distrito Federal, a realidade era semelhante: 44% de pessoas pretas e pardas ocuparam, em média, as cadeiras disponíveis em tais localidades, em que pesem disparidades visíveis nas capitais. Vide o caso de Florianópolis (SC): zero pessoa negra foi eleita para a câmara de vereadores da cidade.
Essa realidade apresenta, quando o panorama corresponde ao executivo, níveis ainda maiores de sub-representação. Para se ter uma ideia, cerca de 1,7 mil de prefeitos eleitos entre mais de 5,4 mil (ou seja, 32% do total) eram, em 2020, pessoas negras. Esse patamar, como é possível imaginar, reflete os patamares das candidaturas: 67,34% das candidaturas eram de pessoas brancas e 32,1%, de pessoas negras.
Nesse sentido, o cenário em questão torna-se ainda mais emblemático ao considerar-se que manobras como a PEC da Anistia inviabilizou punições a partidos que descumpriram as regras em favor da paridade racial e de gênero durante as campanhas eleitorais – e, consequentemente, entre as candidaturas bem-sucedidas.
Como mudar esse cenário?
Logo, falar no apoio a candidaturas negras tornou-se fundamental no contexto eleitoral e democrático. Assim sendo, os partidos têm papel fundamental nesse contexto e, desse modo, precisam criar mecanismos para incluir pessoas pretas e pardas. Idem desenvolver processos formativos, em âmbito político, para elas tornarem-se candidatas com potencial competitivo.
Esses são os pontos que o cientista político Cristiano Rodrigues, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), apontou em entrevista à Plataforma Ancestralidades, projeto da Fundação Tide Setubal e do Itaú Cultural em favor da valorização dos saberes ancestrais afro-brasileiros.
“Observa-se que os partidos são as principais barreiras para a viabilidade eleitoral das pessoas negras, pois não investem suficientemente nessas candidaturas. Quando um partido tem muitas candidaturas negras, ele costuma ser muito pequeno e não ter dinheiro. Quando tem dinheiro e candidaturas negras, ele não o distribui para elas. Normalmente, candidaturas negras costumam receber dinheiro nos últimos minutos da campanha – por exemplo faltando uma ou duas semanas para a eleição”, comenta.
Leia na íntegra a entrevista com o cientista político Cristiano Rodrigues
Passos seguintes
Enquanto falar sobre repasse da verba disponível para o apoio a candidaturas negras é fundamental, considerar a estrutura partidária tem o mesmo grau de importância.
“Trabalhos em assessorias de políticos negros eleitos costumam ser escadas para essas pessoas poderem se profissionalizar e candidatar. Um exemplo evidente diz respeito às pessoas da assessoria de Marielle Franco: boa parte, com o efeito Marielle, conseguiu se eleger – não apenas por serem da assessoria. Áurea Carolina da política, mas ela contribuiu para a eleição de Célia Xakriabá, que estava na sua assessoria”, destaca Cristiano Rodrigues.
O cientista político destaca também que a participação no processo eleitoral é um ato com inegável importância para o apoio a candidaturas negras. “Ao candidatar-se, a pessoa candidata deve considerar que ela precisa perder eleição. Concorrer é, em si, um ato de profissionalização e uma maneira de testar como os programas políticos apresentados reverberam em possíveis eleitores, em qual medida encontra apoio partidário e capacita para negociar com o partido depois.”
Em paralelo, o campo do investimento social privado (ISP) pode ter papel ativo no apoio a candidaturas negras. Um exemplo foi o edital da Plataforma Alas, de 2023, para apoiar lideranças políticas negras. Viviane Soranso, coordenadora do Programa Lideranças Negras e Oportunidades de Acesso da Fundação Tide Setubal, relatou à época que lideranças não eleitas têm desgaste emocional e financeiro no período eleitoral.
“Estas lideranças precisam de segurança e sustentabilidade”, comentou. “A ideia é que elas consigam ter segurança política, ou seja, se estruturar para retomar seus processos de vida e possam continuar se aprimorando.” Por fim, Viviane Soranso considera que a trajetória de lideranças negras políticas vai além das eleições. “O processo de formação eleitoral não pode se dar somente no ano da eleição, mas em médio e longo prazos.”
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: @WOCInTech / Nappy