Mutirão do projeto +Lapena Habitar: casas que constroem sonhos e dignidade no Jardim Lapena
Confira como foi o último mutirão do projeto +Lapena Habitar para a construção de casas resilientes para a população do bairro.
O Jardim Lapena, bairro da zona leste de São Paulo, foi palco de uma transformação coletiva em 2 de agosto. Voluntárias, moradores e equipes técnicas uniram-se no último mutirão do projeto +Lapena Habitar para erguer 18 das 51 casas emergenciais da iniciativa realizada pela Fundação Tide Setubal em parceria técnica com a TETO Brasil e Gerando Falcões e financiamento da Citi Foundation.
Mas mais do que “casas resilientes”, a iniciativa construiu novas perspectivas para famílias que viviam em estágio alarmante e extremo de vulnerabilidade social. O Jardim Lapena também tem suas diferenças, como um microcosmo da cidade e do país. Desse modo, o local escolhido para a realizar-se o mutirão do projeto +Lapena Habitar é conhecido na região como Baixo Lapena”, por estar na várzea do rio Tietê, que todo ano alaga, com habitações muito precárias – essa não é a realidade de todo o bairro.
À medida que as casas foram ganhando forma, as pessoas foram se emocionando. Esse foi o caso de Adriana Azevedo, que, pela primeira vez, disse que veria seus filhos tomarem banho de chuveiro.
Camila Jordan, diretora de Relações Institucionais e Incidências da TETO Brasil, explicou, em reportagem do telejornal SPTV, da TV Globo, sobre o mutirão do projeto +Lapena Habitar e como essas casas são organizadas, então, para melhorar as condições das moradoras. “Até hoje, essas pessoas estavam vivendo sob risco de enchentes, deslizamentos e temperaturas extremas, que são efeitos da crise climática. Então, a casa é elevada do chão, construída em pilotis [estruturas elevadas], para que a água não entre. Além disso, ela tem painéis com boa performance térmica e telhas feitas de material reciclado para ajudar nisso. Apesar do abrigo provisório, a estrutura em madeira representa um avanço em relação ao tipo de moradia que havia por aqui.”
Enquanto martelos ecoavam e tintas verdes – a cor escolhida por Gorete, que cantava “minha casa é verde de esperança” – secavam ao sol, um plano complementar ganha forma. Trata-se, então, do Plano Decolagem, em parceria com a Gerando Falcões, que acompanhará por dois anos 350 famílias, incluindo as 51 beneficiadas pelas moradias. Essa etapa tem foco em educação, saúde, geração de renda e autonomia.
Do barraco ao chuveiro: histórias que derrubam muros invisíveis
“Era mais fácil acreditar que um dia eu morreria afogada no esgoto do que ter uma casa”, desabafa Luana, uma das moradoras atendidas. Seu antigo barraco, feito de restos de madeira e tecidos, ficava na várzea do rio Tietê e alagava a cada chuva. Agora, espera que sua nova casa resista, enfim, às enchentes.
Vânia Silva, analista de Programas e Projetos da Fundação Tide Setubal, lembra que para chegar até aqui foi preciso ganhar a confiança das pessoas. “Sempre foi necessário haver articulação e mobilização muito intensas no território. Então, a presença do Galpão ZL [espaço de atuação no território da Fundação Tide Setubal] era constante para levar credibilidade. Lembro que quando chegou o dia de derrubar as casas, uma das moradoras olhou para mim com os olhos cheios de lágrimas e ela perguntou: ‘Posso mesmo derrubar? Você tem certeza?’”
Desse modo, o que se podia ver ali no mutirão não era apenas a construção de casas, mas também de uma nova perspectiva de vida para pessoas como:
- Adriana, que lutava contra a dependência química, e hoje organiza sua casa “como um altar” e participa de rodas de terapia no Galpão ZL;
- Paulinha, que reduziu o uso de drogas e agora cobra atividades da Fundação;
- Sabrina, mulher trans e cabeleireira, que sonha em abrir o primeiro salão LGBTQIAP+ do bairro.
“Não foram só casas que levantamos. Foram muros emocionais que derrubamos”, reflete Vânia. “Essas famílias eram tratadas como invisíveis. Hoje, vejo olhares que voltaram a brilhar.”
Filmagem de mutirão do projeto +Lapena Habitar
O mutirão do projeto +Lapena Habitar como ritual de comunidade
O último mutirão do projeto +Lapena Habitar foi marcado por cenas simbólicas. Nesse sentido, algumas delas foram mães pintando portas com os filhos no colo, ex-moradores de rua carregando tijolos para ajudar vizinhos e a pequena Serena, de 11 meses, distribuindo sorrisos no colo de voluntários.
“Enquanto Gorete pintava sua casa ‘verde de esperança’, Serena escalava meu colo enquanto observava o movimento. Seu riso fácil, entregue a desconhecidos, era o mesmo desprendimento com que vizinhos trocavam ferramentas e carregavam tijolos alheios”, descreve Fernanda Nobre, gerente de Comunicação da Fundação Tide Setubal.
Em seu relato, Fernanda evidencia, então, que a ação foi muito além da construção propriamente dita de casas. Tratou-se de sonhos erguidos e sustentados por alicerces mais sólidos. “Naquele sábado, aprendi que reconstruir um bairro é também sobre deixar-se afetar: pelas mãos calejadas que erguem pilotis, pelo choro de quem recebe a primeira chave, e por bebês como Serena, que nos lembram – com a simplicidade de quem ainda não fala – que novos tempos se anunciam não em discursos, mas em gestos cotidianos de confiança. Ela era a metáfora perfeita da esperança que chegou.”
Assim sendo, Fabiana Tock, coordenadora do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação, destaca também a força do trabalho coletivo. “As lideranças locais foram essenciais. Quando um caminhão de terra chegava, eram elas quem mobilizavam 20 moradores para descarregar e isso foi criando um senso de comunidade.”
Plano Decolagem: o voo após a casa
Com as chaves nas mãos, as famílias iniciam agora a fase mais desafiadora: reconstruir suas vidas. O Plano Decolagem, capitaneado pela Gerando Falcões com o Galpão ZL, funciona então como um “orientador social”:
- Diagnóstico: Identifica vulnerabilidades em educação, saúde e renda;
- Metas personalizadas: de emitir documentos a retomar os estudos – como a Educação de Jovens e Adultos (EJA) – ou abrir microempreendimentos;
- Acompanhamento: monitores e psicólogos ajudam a manter o foco.
“Muitas famílias vivem com R$ 209 por pessoa. Mas o maior ganho é fazê-las se sentirem dignas de direitos”, explica Fabiana. Nesse sentido, um exemplo é o caso de um homem que, após anos sem documentos, conseguiu uma prótese dentária. Esse foi, então, um impedimento para ele acessar empregos formais.
Habitar é mais que morar: o papel do Programa Cidades
O +Lapena Habitar integra o Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação Tide Setubal, que busca replicar experiências onde urbanização e inclusão social andaram juntas. O desafio para solucionar o déficit habitacional é grande. Uma estimativa da Fundação João Pinheiro, com base na Pnad Contínua do IBGE, mostra, desse modo, que em 2022 já estava em aproximadamente 370 mil domicílios
Mas o projeto prova que soluções existem – e podem ser, enfim, aceleradas quando unem:
- Tecnologia social;
- Acompanhamento humanizado;
- Articulação com políticas públicas.
Por fim, Fabiana Tock reforça a lógica segundo a qual um direito depende do outro para haver cidadania plena. “Aqui, a habitação é a plataforma para outros direitos.”
Por Daniel Ciasca
