Um falso dilema na educação
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, a presidente da Fundação Tide Setubal fala sobre governança educacional.
A EXTENSA cobertura da mídia e a repercussão alcançada pelo Plano de Desenvolvimento da Educação e pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) parecem indicar que finalmente a educação passou a ser um valor para a sociedade brasileira e que a melhoria da qualidade do ensino é uma prioridade a ser atingida. Embora esse fato traga enorme satisfação para os que militam na área da educação, a complexidade da questão educacional não permite conclusões aligeiradas a partir de um caso isolado de sucesso ou de fracasso.
Nesse contexto se insere o falso dilema: “Gestão eficiente ou mais recursos?”. Para alguns setores da sociedade, os grandes desafios da educação brasileira se resumem a destinar mais recursos para a área. Para a outra ponta da corrente, a saída é adotar um choque de eficiência na gestão.
A análise dos dados do Ideb mostra que bons resultados foram alcançados por municípios grandes e pequenos, tanto por aqueles que destinam muitos recursos à educação quanto pelos que destinam poucos. No entanto, não nos parece coincidência que todos os mil municípios que obtiveram os piores resultados sejam pobres e estejam localizados nas regiões Norte e Nordeste e, em contrapartida, entre os melhores resultados, todos se situem nas regiões Sul e Sudeste.
A experiência acumulada nos mostra que o bom funcionamento de uma escola exige instalações físicas adequadas – biblioteca, computadores, laboratório. Entretanto, sabemos também que essa é uma condição necessária, mas não suficiente.
Se olharmos o universo das empresas privadas bem-sucedidas, muitas vezes citadas como exemplo de gestão eficiente, certamente encontraremos entre os principais fatores do sucesso a existência de um quadro de funcionários competentes. A busca e retenção de talentos é hoje um dos campos de maior investimento e competição entre as empresas, pois elas sabem que recurso humano é um fator diferencial para alcançar metas e bons resultados.
Fazendo uma analogia com a área da educação, nossos talentos são os professores, os coordenadores e os diretores de escola. Eles devem ser valorizados com salários dignos, planos de carreira e capacitação continuada. A contrapartida que têm com a sociedade é o compromisso com o aprendizado de todos os alunos e, portanto, com resultados e metas. Todos esses aspectos pressupõem recursos e gestão -ambos são fatores fundamentais, e não excludentes.
A boa governança – termo tão utilizado atualmente – aplicada à educação supõe a existência de bons produtos, cumprimento de metas e obtenção de resultados mensuráveis, mas, principalmente, transparência, participação e prestação de contas para a comunidade escolar e para a sociedade em geral.
O impacto de uma educação de qualidade não diz respeito só ao aluno ou à escola mas sobretudo ao território onde a escola se insere. A boa formação de crianças e jovens traz melhorias para toda a comunidade.
Nesse sentido, além dos fatores internos à escola e à aprendizagem, uma educação de qualidade exige um sistema de avaliação e, especialmente, a ampla divulgação dos resultados educacionais. Entretanto, é preciso fazer com que dados de pesquisas e avaliações possam ser traduzidos em uma linguagem acessível para que todos possam entendê-los. Apenas assim pais e comunidade saberão o que nossas crianças devem aprender em cada série e, assim, acompanhar de perto as escolas e os professores.
A boa governança educacional pressupõe recursos e gestão. Porém, de nada adianta possuir esses requisitos se não tivermos a consciência de que a questão central deve ser o desenvolvimento do ser humano. A educação de qualidade deve servir para tornar o ser humano mais generoso, e as nossas relações sociais, mais solidárias, além de ampliar nossa capacidade de escolha, nossa liberdade. Alcançamos algo que parecia inatingível: colocar a educação como valor a ser preservado pela sociedade brasileira. A educação está como a bola da vez. Não podemos perder a oportunidade de acreditar nessa utopia possível.
MARIA ALICE SETUBAL, socióloga, mestre em ciências políticas pela USP e doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é diretora-presidente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e fundadora e presidente da Fundação Tide Setubal. Foi consultora do Unicef na área educacional para a América Latina e o Caribe.
FONTE:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0805200708.htm