Inova ZL leva debates sobre empreendedorismo social e hackathon para a Zona Leste
Na madrugada do domingo, 26 de agosto, a praça de alimentação do campus de São Miguel da Universidade Cruzeiro do Sul não encontrava-se vazia, como era de se esperar. Apesar da temperatura baixa, diversas pessoas, entre estudantes, empreendedores e ativistas empolgados com a possibilidade de mudar a comunidade trabalhavam, divididos em times, em seus projetos […]
Na madrugada do domingo, 26 de agosto, a praça de alimentação do campus de São Miguel da Universidade Cruzeiro do Sul não encontrava-se vazia, como era de se esperar. Apesar da temperatura baixa, diversas pessoas, entre estudantes, empreendedores e ativistas empolgados com a possibilidade de mudar a comunidade trabalhavam, divididos em times, em seus projetos pilotos para um hackathon.
A atividade, que consiste em uma maratona de 48 horas para a prototipação de negócios de impacto, era parte do Inova ZL, iniciativa criada pelo Fundo Zona Leste Sustentável para estimular o ecossistema de negócios sociais da zona leste e revelar novos talentos do empreendedorismo na região.
“Decidimos fazer um edital para negócios de impacto na região, mas percebemos que eles são poucos”, explica Greta Salvi, coordenadora do Fundo Zona Leste Sustentável. “Começamos então a pensar em formas de disseminar o conceito e paralelamente impulsionar o ecossistema, e surgiu a ideia do Inova ZL, uma experiência mão na massa que mobiliza pessoas e redes”.
A estratégia para isso foi além da criação do hackathon. Meses antes, o Fundo começou a promover eventos locais para discutir empreendedorismo nas periferias e como aliar impacto social aos negócios.
Aquecimento e trocas
Após um evento em junho promover debates, informação e troca de ideias entre empreendedores na USP Leste (leia mais sobre ele aqui), no dia 4 de agosto foi a vez de a temática chegar ao Galpão de Cultura e Cidadania, equipamento da Fundação Tide Setubal no Jardim Lapenna, em São Miguel Paulista.
A programação do aquecimento “Inova ZL: Potências Periféricas” contou com rodas de conversa, produtos vendidos por empreendedores do Instituto Feira Preta e comidas comercializadas por negócios locais. Na mesa “Criatividade, cultura e tecnologia na quebrada”, discutiram o tema Thiago Vinicius, da Agência Solano Trindade, Verinha Curado, do Cachê Gestão, Ana Carolina Martins, do Visionários da Quebrada e Renata Prado, da Batekoo SP, com mediação do Marcelo Rocha, conhecido como DjBola, d’A Banca. “A gente que é empreendedor da quebrada já vem fazendo um impacto positivo desde o começo. É tudo ligado ao sonho, ao coração, e isso é um diferencial de quem empreende, mesmo que de forma intuitiva, na periferia. A gente já tem um propósito alinhado à nossa ação, seja ela um serviço ou um produto”, afirmou Bola.
Na mesa seguinte, “O impacto da gastronomia nos territórios”, Priscila Novaes, da Kitanda das Minas, Edson Leite, da Gastronomia Periférica e Kim Alecrim, de O que cabe no meu prato? trocaram ideias sobre como ter sucesso no ramo alimentício e fortalecer a produção local, sob a mediação de Cristiane Guterres. “Percebi que aquilo que eu estava fazendo era algo ancestral, e que eu estava dando continuidade à gastronomia feita por tantas mulheres negras nessas terras”, afirmou Priscila, cujo negócio recebeu apoio de um dos editais do Fundo Zona Leste Sustentável.
Na sequência, a mesa “Criando pontes e mudando realidades através da moda” trouxe as trajetórias e visões de Ana Paula Xongani, do Xongani Moda Afro, Suelen Ingrid, do Coletivo Abebé, Alex Santos, do Periferia Inventando Moda e Michelle Fernandes, da Boutique de Krioula, com mediação de Dani Gábriél (Dume). “Nossa referência e inspiração é a mulher negra. Não Tenho nenhum tipo de faculdade, tudo o que faço veio do meu jeito, inspirado pela minha beleza”, afirmou Michelle.
Alunos motivados
O último evento de aquecimento aconteceu entre os dias 8 e 9 de agosto, quando cerca de 460 estudantes da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul) participaram de palestras e atividades práticas girando em torno de um tema central: como pensar em negócios que tenham um impacto positivo na sociedade.
Na abertura do evento, Maria Alice Setubal, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal, realizou uma fala de abertura, agradecendo a parceria com a Universidade. “Atuamos na Zona Leste há mais de dez anos e sabemos que os parceiros locais são fundamentais. A parceria do Fundo Zona Leste com a Unicsul já dura muitos anos, e a contribuição voluntárias que muitos de vocês, alunos, fazem para o Fundo é muito importante. A gente acredita que essa é também uma forma de envolver alunos e jovens da região na busca pela redução das desigualdades e o desenvolvimento sustentável”.
A primeira palestra do evento foi realizada pelo hacker político e ativista Pedro Markun, que falou sobre a transparência de dados como princípio para inovação e relatou como se deu sua trajetória e a criação da iniciativa Ônibus Hacker. Na sequência, Gustavo Alencar falou sobre como ser um hacker sem dominar conhecimentos tecnológicos específicos, e de que maneiras ele descobriu por meio do design possibilidades de criação. “Eu também sou um jovem periférico que está se aventurando em muitos lugares porque aprendi que eu posso entrar, e isso é muito importante”, disse.
Para encerrar as atividades da parte da manhã, Evelyn Gomes, do Labhacker, mediou a roda de conversa “Hackeando o empreendedorismo”, com a participação de Hamilton Henrique (Saladorama), LemuelSimis (Firgun), Arthur Gandra (Jovens Hackers) e Maitê Lourenço (BlackRocks). Durante a discussão, os empreendedores contaram sobre suas trajetórias e deram dicas para os alunos que sonham em empreender. “Na minha jornada, eu vi que o empreendedor social quando é da periferia tem muitas chances de fazer as coisas porque nós sentimos e vivemos aqueles problemas, o que nos dá muito mais compreensão”, contou Hamilton Henrique.
Já no período da noite, o auditório da Unicsul voltou a ser palco das discussões sobre empreendedorismo social, desta vez com palestras de Monique Evelle sobre inventividades, impacto social e inovação, e
Haydée Svab sobre dados públicos abertos e seus impactos. Por fim, os alunos acompanharam a roda de conversa mediada por Adriana Barbosa (Instituto Feira Preta), com o tema Potencialidades e diversidade. Participaram Andre Ribeiro (Diáspora Black), Fernanda Leôncio (Conta Black), Matheus Cardoso (Moradigna) e Ariane Cor (Minas Programam).
Na manhã do dia 9 de agosto, os alunos da Unicsul ainda puderam participar de diversos workshops simultâneos sobre assuntos ligados ao empreendedorismo. Os temas foram “Design Thinking – Workshop de resolução de problemas”, “Jovens Hackers – Programação para iniciantes” e a oficina “Fábrica Livre – Design em código aberto”.
Com a mão na massa
Depois de todo esse contato com o ecossistema dos negócios sociais, estudantes e moradores da Zona Leste puderam canalizar toda a inspiração para a prototipagem de ideias mais concretas durante o Hackathon Inova ZL, que aconteceu entre os dias 25 e 26 de agosto. Além de vivenciar uma experiência diferente, com o apoio de diversos mentores, os participantes eram motivados pelo prêmio final: os três melhores projetos receberiam R$10 mil para colocar a solução em prática com o apoio da Habits Incubadora Escola da USP Leste e mentoria do Fundo Zona Leste Sustentável.
No sábado pela manhã, os participantes se reuniram para a abertura do evento. Em sua fala, o reitor da Unicsul, prof. José Henrique Amaral, relembrou do início de sua carreira, quando teve a coragem de levar à direção da universidade um projeto criado por seus alunos, e como aquela ideia inovadora o ajudou a crescer profissionalmente. Na sequência, Paula Galeano, superintendente da Fundação Tide Setubal, deu as boas-vindas a todos, falando da intenção da organização em transformar o Galpão de Cultura e Cidadania em um hub para o empreendedorismo na região, e Greta Salvi, coordenadora do Fundo Zona Leste Sustentável e Evelyn Gomes, diretora do Labhacker, explicaram como seria o final de semana. Na sequência, em uma palestra bastante motivacional, João Paulo Pacífico, fundador do Grupo Gaia, falou sobre o que o motiva a empreender e abrir a cabeça para novas possibilidades, e por fim Marcel Fukuyama, da Din4mo, deus as boas-vindas a todos e informou que os grupos seriam definidos a seguir.
Reunidos então na praça de alimentação da faculdade, os participantes criaram os 19 times que seguiriam noite adentro, reunidos por temas de trabalho ou afinidade – alguns grupos já chegaram criados ao hackathon. Para os organizadores do evento, o perfil dos participantes chamou a atenção: mais mulheres que o habitual, e algumas pessoas com mais de 50 anos, o que não costuma ser frequente nesse tipo de atividade.
Nas horas que se seguiram, cada grupo foi orientado por diversos mentores e passaram por etapas como o levantamento de dados sobre o problema que pretendiam abordar, soluções possíveis, como torná-las sustentáveis do ponto de vista econômico e como apresentar suas ideias de maneira sucinta e atraente.
No final da tarde de domingo, chegou o tão esperado momento de os participantes fazerem o pitch para a banca de jurados, composta por Ana de Souza Aranha, diretora do Quintessa, Wagner Luciano Silva (Guiné), coordenador da Fundação Tide Setubal, João Guedes, Emperifa, Thaís Piffer, diretora da Adesampa, Bruno Tavares, professor e coordenador do curso de Rádio, TV e Internet da Unicsul, Daiane Almeida, BlackRocks e Jane Marques, professora da USP Leste.
As regras eram rigorosas: na hora de apresentar, cada líder de grupo tinha 3 minutos, e mais dois minutos para responder questões da banca. Dentre os 19 projetos, os temas eram variados, nas áreas de democratização do acesso à internet, educação, varejo e moda, carreira e negócios, comunicação e marketing, apoio a mulheres negras e periféricas, saúde, música e artes, sustentabilidade, idosos e realidade virtual. Embora os participantes demonstrassem diferentes níveis de desenvoltura, a banca ficou impressionada com a qualidade e nível de detalhamento dos projetos apresentados.
Ao término dos pitchs, a banca reuniu-se para deliberar, e ao retornarem Paula Galeano anunciou os 3 vencedores: Ajudaí, que facilita a conexão entre estudantes universitários que querem trabalhar com mentoria e escolas públicas que precisam de monitores e mentores; Júpiter, que desenvolve com o apoio da tecnologia brinquedos educativos com material reciclável, trabalhando conceitos de programação e romótica, e ‘Violências Invisíveis’, um app para apoiar mulheres negras e periféricas a fazerem petições online.
Aline da Silva Costa Coimbra, de 21 anos, foi a líder do grupo que criou o Ajudaí. Estudante de administraçãoo pública na FGV, Aline é moradora de Ermelino Matarazo, na Zona Leste, e teve a ideia do projeto depois de uma monitora ter um papel importante em sua educação na escola pública em que estudava. “No meio do Hackathon eu quase desisti, mas as pessoas me convenceram a continuar, criei um novo grupo e deu certo”, conta.
Já o grupo que criou o Violências Invisíveis chegou à competição formado, após as participantes se conhecerem no curso de programação para mulheres Minas Programam. Aminata Inês Silva e Silva, de 25 anos, uma das participantes, conta sobre o processo: “aprendemos a programar agora em julho e já conseguimos desenvolver o app, fazendo algumas alterações na linguagem, com o apoio de uma mentora maravilhosa, e tudo isso em nosso primeiro hackathon”.