“Buenos Aires, Madri, Paris e Montreal podem nos ensinar muito sobre regionalização do orçamento” – Fundação Tide Setubal entrevista Pedro Marin
Por Daniel Cerqueira O orçamento de uma cidade, estado ou país é um dos principais instrumentos públicos para enfrentar as desigualdades. É nele que a administração decide onde colocar o dinheiro da arrecadação dos impostos e, com isso, determina para quem ou para que determinado governo está direcionado. Neste tema, há um debate acontecendo na […]
Por Daniel Cerqueira
O orçamento de uma cidade, estado ou país é um dos principais instrumentos públicos para enfrentar as desigualdades. É nele que a administração decide onde colocar o dinheiro da arrecadação dos impostos e, com isso, determina para quem ou para que determinado governo está direcionado.
Neste tema, há um debate acontecendo na sociedade civil, em São Paulo e em outras cidades do mundo, sobre a territorialização ou a regionalização do orçamento. Para explicar melhor o tema, a Fundação Tide Setubal traz este mês uma entrevista com Pedro Marin.
Pedro é especialista em gestão e finanças públicas. Formado em relações internacionais, trabalhou como coordenador de planejamento da prefeitura de São Paulo de 2013 a 2015, quando cuidou do planejamento e da execução do orçamento. “Tínhamos uma grande preocupação com a transparência e de fazê-lo numa linguagem mais acessível para toda a população”, comentou, durante a entrevista. Ele atua desde 2015 na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo como analista legislativo (cargo em que, no momento, está licenciado).
Nesta conversa, Pedro Marin explica como surgiu esse debate, quais os passos já percorridos no tema, como a sociedade civil se insere nesse processo e compartilha conosco o estudo que vem realizando, em parceria com a Fundação Tide Setubal, sobre regionalização do orçamento em grandes cidades.
Este ano, você tem trabalhado com a Fundação na produção de uma pesquisa sobre a regionalização do orçamento em outras cidades. Quais os objetivos deste estudo?
O ponto de partida foi a pesquisa realizada pela Fundação e pelo Tomás Wissenbach sobre a territorialização do orçamento na cidade de São Paulo [em 2018 a Fundação Tide Setubal e o geógrafo Tomás Wissenbach lançaram a pesquisa “Gasto Público no território e o território do gasto na política pública”] dando bases para a Fundação incidir sobre o tema na prefeitura. Mas, ainda precisávamos de mais informações. Comecei a procurar, primeiro por curiosidade, o que estava sendo feito de regionalização em outras cidades e, com isso, fizemos um projeto para descobrirmos boas práticas.
Por que a regionalização do orçamento é importante? Quais vantagens ela traz?
Primeiro, porque ela gera transparência. Qualquer pessoa interessada pode consultar para qual região o dinheiro está indo. A consequência imediata dessa transparência é a possibilidade de planejar melhor a distribuição do dinheiro na cidade de acordo com as necessidades de cada região, que não são as mesmas em todos os lugares e, ao mesmo tempo, possibilita que a sociedade se organize para cobrar melhorias nos seus territórios. Em São Paulo, por exemplo, a regionalização do orçamento começou a ser implementada em 2014. Na prefeitura trabalhávamos com o debate que já ocorria na sociedade civil há alguns anos sobre a importância de regionalizá-lo.
Como este estudo se deu e quais resultados já se pode afirmar?
A pesquisa foi dividida em duas etapas. Primeiro fui atrás de referências teóricas sobre regionalização e vi que, até hoje, pouca gente escreveu sobre esse tema. Depois fui atrás dos exemplos. Tive de criar uma metodologia para buscar os exemplos, com critérios como: população mínima de 1 milhão de pessoas, com grandes problemas de desigualdades e/ou cidades com avanços urbanísticos ou processos participativos reconhecidos. Das 26 cidades que tinham um desses critérios, 15 tinham de alguma forma na lei orçamentária uma referência ao tema da regionalização. Por fim, pude criar alguns outros critérios para elaborar um ranking de regionalização do orçamento. Deste ponto de vista, podemos dizer que São Paulo está muito próxima da Cidade do México e Mumbai em termos de regionalização. Consegui observar nestas cidades algumas ações na lei orçamentária que se encaminham para esse modelo, mas ainda de forma tímida. Há outras cidades que regionalizaram e podem nos ensinar como avançar na regionalização em São Paulo.
Quais são estas cidades e porque podem ser referência no tema?
Das cidades pesquisadas, Buenos Aires é o melhor exemplo, é a que mais regionaliza o orçamento. Olhando a sua lei orçamentária, praticamente 100% está regionalizada, embora algumas despesas que estão colocadas como da região central são administrativas e não necessariamente – deste local. Já Paris e Madri nos trazem bons exemplos de participação da população. São cidades com orçamentos participativos consolidados e que impactam diretamente no processo de regionalização. E Montreal fez, recentemente, algo muito interessante: embora ainda tenha uma regionalização pequena, a cidade mudou a forma de calcular o orçamento. Geralmente, eles são calculados com base no orçamento do ano anterior, corrigido pela inflação. Montreal, na distribuição do orçamento entre as regiões, calculou quanto cada região precisava, com grupos de estudos por cada política (água, transporte, etc.) e definiu a parte regionalizada do orçamento a partir das necessidades de cada zona.
Na Fundação Tide Setubal temos trabalhado com o Jardim Lapena na construção do plano de bairro, que está no plano diretor da cidade. Como ações como o orçamento participativo de Paris e Madri ou o plano diretor podem se conectar à ideia de regionalização do orçamento?
A partir do momento que você tem um debate sobre como o dinheiro é distribuído na cidade, você começa a discutir qual será o financiamento da cidade. A grande questão que sempre envolveu os orçamentos participativos e, consequentemente, o plano de bairro é a do financiamento, ou seja, de onde sairá o dinheiro para implementar as propostas da população. Hoje, o orçamento é distribuído pelo que chamamos de “institucional”: isso significa que é partilhado pela educação, saúde, cultura, etc., mas não vincula nenhuma parte a ações regionais, de bairro, por exemplo. Logo, o que ocorre é que um território faz um plano e depois precisa negociar com cada secretaria o que é possível fazer. A regionalização permite você inverter essa lógica. A prefeitura tem o orçamento institucional, mas tem também uma parte destinada a ações territoriais de acordo com a necessidade de cada região.
Já há uma previsão para o lançamento desse estudo?
Estamos trabalhando com a ideia de, no próximo dia 13, lançarmos os primeiros resultados para podermos impulsionar e estimular a regionalização nas leis orçamentárias que virão.
[Nota da redação: o evento “Para Onde Vai o Dinheiro? Gastos Públicos nas Grandes Cidades” acontecerá em 13 de novembro, das 14h às 18h, no auditório da Biblioteca Alceu Amoroso Lima (rua Henrique Schaumann, 777, Pinheiros). Inscrições podem ser feitas aqui.]