Conversa com autor debate mobilidade, acessibilidade e cidadania
Eles são deficientes e, assim como você, querem ter seus direitos respeitados
Quem passou pela tenda da Praça Morumbizinho na noite da última quarta-feira, 26 de outubro, teve um encontro com pessoas que há muito lutam pelo direito à cidade e à mobilidade no Brasil. Flávia Cintra, jornalista, membro do grupo brasileiro responsável pela elaboração da convenção das pessoas com deficiência da ONU (Organização das Nações Unidas), Jairo Marques , chefe de reportagem da Folha de S.Paulo e autor do blog Assim como você; Thais Martinez, advogada, responsável pela ação que autorizou a entrada de cães guia no metrô de São Paulo e Sergio Ramos, consultor de inclusão da Accenture, debateram com o público os desafios e as conquistas das pessoas com deficiência.
Mãe de gêmeos, Flávia frequentemente sai com os filhos para um programa cultural e foi em um desses passeios que não conseguiu evitar o encontro dos pequenos com as dificuldades que as pessoas com deficiência ainda enfrentam na cidade. Apesar de ter verificado as condições de acessibilidade por telefone, ao chegar a porta do teatro encontrou um degrau que impedia a passagem de sua cadeira de rodas. Mesmo contrariada, Flávia aceitou a ajuda do funcionário. “Fiquei irritada, porque, claro, sempre há alguém solidário, mas isso só adia a nossa autonomia”.
Depois do primeiro degrau, Flávia seguiu para a entrada da sala e se deparou não com um, mas com muitos degraus. As pessoas começaram a se aglomerar próxima a ela. Umas queriam ajudar, outras protestar, e a jornalista optou por deixar os filhos e a sobrinha com a avó e voltar pra casa. Pediu às crianças que observassem bem a história da Cinderela para contar a ela quando chegassem. Mateus, com quatro anos, olhou para a mãe e perguntou: “é proibido pessoas com cadeira de rodas irem ao teatro?”. A resposta de Flávia foi imediata. “Respondi a ele que os degraus eram proibidos”.
Ao chegar em casa, depois da apresentação, Mateus correu para dizer a mãe que havia pedido à fada madrinha para acabar com os degraus. Ao contar essa história, Flávia destacou “Eu tenho pressa. Muita pressa. Meus filhos têm o direito a conviver com a diversidade, com o diferente, porque o desenvolvimento humano, não acontece só entre os iguais.”
Cega desde os quatro anos, Thays Martinez, autora do livro Boris e eu, acredita ser fundamental a educação inclusiva. “A acessibilidade só acontecerá por meio da educação, pois assim ela se tornará um pensamento natural de qualquer profissional.”
Na infância, ao tentar colocar a filha na escola, a mãe de Thays ouviu muitos “Nãos”. Foi a professora de uma escola particular bem pequena do seu bairro que assumiu o desafio, mesmo sem ter feito trabalho similar antes. “Paula Galetti foi a responsável pela minha alfabetização. Sai da escola com 6 anos alfabetizada em braile. Ouço dizer que os professores não estão prontos, mas não é preciso doutorado em Harvard para isso. É preciso vontade”.
Outras negativas vieram no percurso educacional de Thays, mas ela mesma dava conta de encontrar o sim como resposta. Foi assim no cursinho pré-vestibular quando ao fazer a matricula, o professor disse que ela perderia muito das aulas por ser cega. “Imediatamente respondi se eu perderia mais ali, estudando, ou mais em casa assistindo TV. A matricula foi aceita na hora”.
A história se repetiu quando um professor perguntou se ela não achava muita pretensão querer ser estudante de direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco. “Era meu sonho, eu queria muito e não ia desistir”. O sonho se realizou com aprovação no segundo vestibular de Thays.
Ter um cão guia também estava na sua lista de desejos. Após muita insistência, ela conseguiu ser incluída em um processo de seleção e ganhou Boris. E com ele veio mais uma batalha pelo sim, com um processo de seis anos pela permissão da entrada de cães guia no metrô de São Paulo. Na última fase, Thays e Boris foram ao tribunal para a defesa. Alguém tem dúvidas do resultado? Lei Estadual que permite o acesso no Estado de São Paulo aprovada por unanimidade.
“Para quem vive isso é muito desgastante. Você não quer ser destaque, chamar atenção, quando simplesmente sai para tomar um sorvete. Só queremos poder sair para dar uma volta, ir ao teatro sem causar uma revolução, sem ter que expor um tratado”, ressalta Thays.
Acreditar que seria possível ter uma série de conquistas em sua cadeira de rodas é um crédito que Jairo dá a sua mãe e a seus professores. “Venho de uma família muito pobre e eu tive a sorte de esbarrar com professores que a vida toda me motivaram e me disseram que eu conseguiria. Minha mãe também insistia o tempo todo me fazendo acreditar sempre que era possível”
Um dos grandes limitadores de quem é deficiente é a falta de acesso, e de respeito aos direitos, desde as coisas mais simples da vida, como ir à praia, por exemplo. “Vejo sempre um vídeo no youtube de uma menina chamada Ingrid. Ela é cadeirante e vestida de bailarina dança lindamente a música alecrim dourado. Eu pergunto: Por que Ingrid não tem o direito de ser bailarina?” Para Jairo, se o mundo for como ele é hoje, Ingrid não será bailarina. “A mentalidade das pessoas precisa mudar, a diferença física não pode impedi-las de conquistar seus objetivos”
Sérgio, responsável pela mediação do debate, encerrou a mesa reafirmando. “É preciso reconhecer o direito e colocá-lo em prática. O metrô recebe emails meus semanalmente. É preciso reivindicar. Lembrar que só assim as coisas podem mudar. E isso pode ser feito por cada um de nós”
Thays concorda: “cada um de nós pode fazer alguma coisa. Quando todo mundo se indignar, o processo será acelerado. Conto com cada um de vocês nesse processo.”
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