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Crônica, papel do escritor e necessidade de bens culturais na periferia marcam Conversas com Autor

Prática de desenvolvimento

19 de novembro de 2013
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A habitual Conversa com Autor do Festival do Livro e da Literatura de São Miguel contou em 2013 com os escritores brasileiros Ignácio de Loyola Brandão, Fabrício Carpinejar, Paulo Lins, Ferréz e Leonardo Sakamoto, do jornalista e político colombiano Jorge Melguizo e do secretário municipal de Cultura de São Paulo e ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira. Um consenso permeou as três mesas: a urgência de mais bens culturais nas periferias paulistana e brasileira. Além disso, o público dialogou sobre o ato da produção literária e o papel do escritor na nossa sociedade.

 

O auditório D da Universidade Cruzeiro do Sul abrigou o bem-humorado encontro entre o paulista Ignácio de Loyola Brandão  (confira aqui crônica do autor que cita o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel)   e o gaúcho Fabrício Carpinejar, no dia 7, sob a mediação do jornalista, crítico e músico Cadão Volpato. No centro das discussões, a produção da crônica. Ignácio explicou que ela nasce do que costuma acontecer todos os dias, mas sem ser muito percebido pelas pessoas. “Elas são feitas com as histórias de cada segundo que eu vivo”. E disse que escreve para provocar e se divertir: “Se eu não me divertisse, eu não estaria escrevendo. E também escrevo para tentar entender a vida, mas, como nunca consegui, vou continuar…”. Para Carpinejar, suas narrativas se originam da convivência com as diferenças, e, segundo ele, “o escritor quer ser invisível, ele quer ser os outros, transpassar os outros”. Quanto à escrita, ela existe para que ele, “um louco convicto”, possa influenciar os demais. “Eu escrevo para enlouquecer os outros, porque assim, com mais loucos no mundo, eu pareço normal de novo”, brincou.

 

 

Papel da literatura na periferia

 

O carioca Paulo Lins, autor de Cidade de Deus, se encontrou no dia seguinte com crianças e adolescentes de escolas públicas. No Galpão de Cultura e Cidadania do Jd. Lapenna, ele os orientou a se comprometerem com a escola e o ambiente dos estudos, os quais considera o grande impulso para o desenvolvimento das pessoas, desde que elas não percam de vista seu lado lúdico. “Ler um livro é, antes de qualquer coisa, uma diversão. O livro infantil deve ser tratado como brincadeira, a princípio. O restante, como o entendimento e o conhecimento, é consequência”, diz.

 

No mesmo dia, de volta ao auditório D, a discussão sobre a literatura e sua importância no desenvolvimento de cidades sustentáveis e humanizadas trouxe Jorge Melguizo, comunicador social colombiano criador dos primeiros parques-bibliotecas de Medellín que colaboraram para reduzir a violência local na cidade de 2,5 milhões de habitantes. Ele exibiu fotos de 9 bibliotecas-parques, onde há espaços gratuitos para apresentações artísticas, brincadeiras e conversas e com interligação à comunidade. Por ali passam cerca de 100 mil pessoas por semana. “Construir cultura é escrever outra história nesses prédios, que já foram uma detenção ou um local de torturas”, enfatiza. “A ‘receita para o sucesso’ foi a articulação e o trabalho integral entre os diferentes secretários de governo, além da escuta à comunidade antes de se começar a fazer. É uma arquitetura social.”, explica.

 

O secretário municipal de Cultura de São Paulo, Juca Ferreira, afirmou que os pontos de cultura e os CEUs são um embrião dos parques-biblioteca e que poderão ser criados na capital paulista futuramente. Prometeu se empenhar, ao lado dos movimentos culturais das periferias e durante sua gestão, pelo aumento da porcentagem de orçamento destinado à cultura no município: em São Paulo ela tem 0,64% disponíveis, com promessa de 2% pelo prefeito, ao passo que Medellín trabalha entre 4% e 5%, segundo Melguizo. Juca também salientou que São Paulo é desumanizada, precisa mudar e perde economicamente com a falta de acesso à leitura “porque o cidadão não compreende o mundo e não se insere nele”. Na sua visão, “o livro é um instrumento fundamental de humanização e ainda não foi superado”.

 

 

Arte sofrida e potente

 

Ferréz e Sakamoto debateram, no último dia, a capacidade dos livros e das novas mídias de traduzirem e aquecerem questões fundamentais para a transformação da realidade e a inclusão de pessoas. A conversa abordou a visão estreita da grande imprensa sobre a periferia e a importância da atuação de forças contra hegemônicas para fazerem face ao discurso preponderante das elites.

 

“Toda arte da periferia é mais sofrida porque tudo falta. Mas, como ela nasce da dor, quando vem, vem com força, vem com tudo”, disse o romancista Ferréz, autor de Capão Pecado, que leu um texto de crítica à apatia e à indiferença da classe média paulistana. Para ele, a periferia ainda precisa deixar de ser vista como alternativa ou marginal, porque a elite, em números, na verdade, é bem menor que ela.

 

O professor e escritor Sakamoto explicou que o jornalismo que faz o papel de “contra poder” é fundamental para as pessoas compreenderem o que é o Brasil e qual é a real identidade brasileira. “Quem faz um jornalismo diferente, seja por meio de TV, ou rádio comunitária, ou blogs, tem um papel essencial porque escuta as vozes que, na grande mídia, nunca são ouvidas”. Ele também reforçou que o papel do jornalismo é “incomodar o poder” e que, infelizmente, há profissionais de mídia que preferem não conhecer os brasileiros, ficando reclusos em seu pequeno universo já mapeado.

 

 

Visão de quem acompanhou as mesas

 

“A conversa com o Ignácio e o Fabrício foi muito interessante porque é uma boa maneira de os profissionais passarem seus conhecimentos práticos e sua experiência para os alunos. Na semana que vem, temos de entregar na faculdade um trabalho sobre crônica, e a presença dos escritores nos fez aprender mais. E conhecimento nunca é demais.” – Jaqueline dos Santos, 22, aluna do primeiro semestre do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Cruzeiro do Sul, moradora de Vila Jacuí

 

“Já participei do Festival em 2012 e adorei. Gostei da conversa com o autor Paulo Lins porque eu tinha assistido ao filme Cidade de Deus e agora aprendi ainda mais sobre ele. Vou participar sempre que tiver, porque achei muito legal mesmo.” – Elias da Silva, 13, aluno da 7ª série da EE Prof. Pedro Moreira Matos, morador do Jd. Lapenna

 

“Essa palestra com Juca e Jorge foi muito esclarecedora, e a Fundação está de parabéns pelo evento, porque sempre tem convidados muito qualificados e que conhecem muito bem as áreas debatidas. Essa discussão foi muito válida e de total interesse para a comunidade da periferia, como é o meu caso.” – José Anito Pereira, 53, funcionário público e morador do Itaim Paulista

 

“Acho que a experiência de Jorge Melguizo com os parques-biblioteca lá em Medellín é realmente muito transformadora e inspiradora. Todos nós temos o desafio de colocar algo parecido em prática aqui, e isso tem que servir de exemplo para que possamos andar.” – Adriano Mauriz, 38, membro do Instituto Pombas Urbanas

 

“Já acompanho os trabalhos do Ferréz e o blog do Sakamoto, e essa conversa ajudou a agregar mais consciência a quem estava aqui. O trabalho deles, assim como o de muitos outros, só contribui para que as pessoas passem a repensar o seu papel e a sua identidade como seres humanos, pensantes e agentes na sociedade.” – Fabrício do Carmo, 23, estudante de história na Unifesp, morador do bairro Pimentas, em Guarulhos (SP)

 

“Eu já havia separado esse dia para assistir a palestra porque Ferréz e Leonardo Sakamoto são duas pessoas cujo trabalho e visão de mundo eu admiro. Cada vez que participamos de um debate como esse, ganhamos mais referência e podemos construir um pouco mais.” – Fabiana de Souza Azevedo, 37, professora de língua portuguesa na EE Reverendo Urbano


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