Educação pelo engajamento político
O papel estratégico da educação para promover engajamento político de cidadãs e cidadãos envolvidos na promoção da equidade
Esta é a primeira de uma série de reportagens especiais sobre juventudes e democracia. Confira as demais reportagens na seção de notícias do nosso site.
O ano de 2022 foi, sem dúvida, decisivo para os rumos da política brasileira e para a definição de qual projeto de país viria a ser escolhido nas urnas. No caso, a defesa da democracia contra a consolidação de um governo com aspirações autocráticas.
O projeto vencedor foi aquele pautado pela democracia – e com ares de frente ampla. Além disso, outro ponto obteve destaque durante o processo eleitoral: o engajamento sem precedentes das juventudes. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 2.042.817 de jovens com idades entre 16 e 18 anos tiraram o título eleitoral.
Após a mobilização para engajar o pessoal desta faixa para votar em quem elas/es queriam escolher para representá-las/os nas esferas legislativa e executiva nas unidades federativas e no governo federal, um ponto surge como tema obrigatório para reflexões e debates: como manter as juventudes engajadas quando o assunto é a política?
Aqui é importante destacar que questões complexas não têm respostas simplistas. Ou seja, ainda mais ao levar-se em consideração que vários aspectos influenciam na dinâmica das juventudes com a política. Um desses pontos passa, obrigatoriamente, pelo debate sobre a qualidade da educação pública.
Para Najara Lima Costa (PSOL), codeputada estadual pelo Movimento Pretas, a educação pública, gratuita e de qualidade é um caminho fundamental no que diz respeito ao engajamento político das juventudes.
Najara, que foi uma das lideranças políticas apoiadas por meio do Edital Traços, da Plataforma Alas, cita como exemplo o cotidiano de Taboão da Serra, cidade da Região Metropolitana de São Paulo, na qual foi candidata a prefeita em 2020. “Percebo aqui, na periferia de Taboão da Serra, que a juventude está sem perspectivas, sem horizontes. Muitos não têm, inclusive, um horizonte de trabalho formal, com carteira assinada e tudo mais. Isso por causa da precarização do trabalho que está dominando a vida do trabalhador.”
O papel central da educação na formação política de jovens é também apontado pela deputada federal Tabata Amaral (PSB). Tabata cita a sua própria experiência pessoal para mostrar como o debate para formação política e cívica não ocorre no ambiente escolar. “Fui aluna de escola pública e bolsista em escola privada, mas somente na faculdade comecei a me inteirar sobre estes assuntos. O desconhecimento e a falta de discussão sobre o tema afastam muito as pessoas. Hoje elas se formam no ensino médio sem estar preparadas para exercer a cidadania.”
Participação política para além do senso comum
Wil Schmaltz, presidente da Escola Comum, organização voltada à promoção da democracia por meio do desenvolvimento de jovens das periferias e interiores do Brasil, parte do trabalho e da metodologia usada pela ONG para falar sobre como engajar as juventudes no cotidiano político. Uma das etapas consiste em falar sobre a organização e as dinâmicas sobre o papel da política para além do senso comum.
Outros passos consistem em criar um ambiente seguro para discussão. Algumas estratégias contemplam a escuta ativa e respeito, e diversificar a abordagem de temas abordados de modo multidisciplinar. Além disso, deve-se criar espaços inspiradores e que elevem a autoestima das/os jovens. Inclusive por meio de diálogos com figuras de referência nos tópicos abordados na promoção da equidade racial e de gêneros.
“Explicar para um jovem o que é inflação e o impacto da taxa de juros na vida dos brasileiros requer um exercício de criatividade. Esse processo é construído em um grupo diverso e com a observação dos relatos dos próprios alunos que passam pela experiência”, descreve Schmaltz. Para além disso, o presidente da Escola Comum destaca a necessidade de atentar-se às necessidades das/os alunas/os. “Nenhum jovem aprende se estiver passando por sérios apertos em casa. Por isso, procuramos dar uma assistência social dentro das nossas capacidades financeiras.”
Educação: chave para abrir as portas da percepção política
Ao mesmo tempo que o papel estratégico da educação é um consenso para formação e engajamento políticos das juventudes, o cenário vigente parece ir na contramão desse cenário. Um exemplo compreende a implementação do Novo Ensino Médio. A lei que instituiu o novo formato para a rede pública de ensino, que foi aprovada em 2017 e se tornou obrigatória desde 2022, mostrou ter problemas em frentes diversas.
Alguns destes problemas passam por fatores como pouco tempo para adequação ao novo formato e ausência de professoras/es para estruturá-lo no dia a dia. Outros pontos dizem respeito a lacunas estruturais relativas às disciplinas e itinerários formativos, assim como iminentes desigualdade de oportunidades inerentes ao novo modelo. Para além disso, até mesmo a criação de matérias que parecem ter pouca ou nenhuma relevância para a formação estudantil e cidadã das/os alunas/os entrou na história. Por consequência, para estimular o senso crítico desse mesmo grupo quanto à educação política e a direitos fundamentais.
Deste modo, o ambiente escolar precisa ser um espaço para despertar nas juventudes o ímpeto de reivindicar direitos. “É isso o que a escola também pode formar nessa perspectiva cidadã, mesmo para o esse jovem tenha como horizonte buscar os seus direitos quando eles não são garantidos, seja nos âmbitos municipal, da sua comunidade, estadual e federal”, pondera Najara Lima Costa.
Democratizar, universalizar e formar cidadãs/ãos
Além disso, há outro ponto a ser considerado quando o assunto é educação. A democratização do acesso a ela é uma bandeira antiga e uma luta que vem de diversas gerações. Para se ter uma ideia, havia 18.716.847 pessoas analfabetas com 15 ou anos ou mais, o que totalizava 25% da população à época. Em 2019, havia cerca de 11 milhões de pessoas – 6,6% dentro dessa lamentável estatística.
Tabata Amaral destacou a luta pelo acesso ao ambiente escolar feita por gerações anteriores para destacar as demandas relativas às gerações que concluíram o ensino médio nas últimas décadas. “A nossa luta de quem terminou o ensino médio com muito esforço e está, aos poucos, conseguindo ingressar na educação superior, é para a escola pública ser de qualidade, para que ela nos dê condições reais e instrumentos para mudar nossa realidade. Nesse sentido, a luta por representatividade e a luta por justiça social são indissociáveis da luta pela educação”, completa.
Ao mesmo tempo em que a educação no ambiente escolar tem papel fundamental e determinante para a formação das juventudes – em âmbitos educacional e profissional -, organizações da sociedade civil podem atuar em paralelo para intensificar essa percepção. Ou seja, projetos e cursos voltados para mostrar novos horizontes às/aos jovens de territórios periféricos, por exemplo, podem funcionar como caminhos para despertar nelas/es potenciais para compreender como podem atuar para transformar as realidades ao seu redor. Claro, compreendendo que o fortalecimento da cultura democrática transcende a esfera da política institucional.
Por fim, Wil Schmaltz destaca essa dimensão ao falar de uma aluna da Escola Comum que optou pela graduação em educação física. “Ela me explicou que as aulas de Laboratórios de Políticas Públicas a fizeram compreender que a Educação Física pode ser uma ferramenta de promoção da igualdade.”
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: ALTEREDSNAPS / Pexels