“Educação só é de qualidade quando é para todos”, por Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal, discute em artigo a importância da valorização do conhecimento como fator de mobilidade social e a necessidade do combate às desigualdades educacionais
Em tempos de graves crises política e econômica, torna-se ainda mais importante que as questões centrais da educação brasileira sejam discutidas como parte desse amplo debate, afinal o que está em jogo é um projeto de educação, um projeto de nação.
É urgente buscar saídas para a superação das inúmeras desigualdades que afligem o povo brasileiro. Para isto, não basta apenas superar as altas taxas de desemprego que afligem a população, em especial a mais pobre. São necessárias políticas públicas sólidas, políticas de Estado, que superem as discrepâncias que colocam uma grande parcela da população à margem dos direitos.
É preciso lembrar que as políticas dos diferentes governos dos últimos anos foram ancoradas na busca do aumento do consumo da população, especialmente no consumo dos mais pobres.
No entanto, não houve de forma paralela uma valorização do conhecimento como fator de mobilidade social como aconteceu em diversos países da Europa ou mesmo na Ásia como na Coréia do Sul. Embora também assistamos no Brasil uma evolução grande do acesso à educação.
Infelizmente, estar matriculado em uma escola no Brasil não garante a aprendizagem. Os resultados da Prova Brasil e do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação) demonstram que nossos alunos passam pelas salas de aula e aprendem muito pouco.
Ainda que possamos argumentar que o papel da escola vai além daquilo que é cobrado nas avaliações, como a formação para cidadania, por exemplo, não podemos esquecer que ela tem como função precípua que os estudantes acessem ao mundo do conhecimento.
A consideração aqui é que cidadania e conhecimento apropriado pela aprendizagem são partes de uma mesma visão de educação em que não existe cidadania sem conhecimento, e vice-versa.
Neste momento em que o país discute a Base Nacional Comum Curricular, não podemos perder a oportunidade de fazer uma ampla mobilização pela importância do conhecimento e pela valorização do papel do professor, que passa necessariamente pela sua formação para que os estudantes tenham efetivado o direito de aprender.
Alcançar uma educação de qualidade implica a análise de muitos fatores. Dentre eles, é importante nos debruçarmos sobre estudos e pesquisas que buscam descortinar os dados do Ideb, calculado a partir do desempenho médio dos estudantes na Prova Brasil e das taxas de aprovação.
Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o Ideb da rede pública no 5º ano do Ensino Fundamental passou de 3,6 para 5,3, entre 2005 e 2013. Neste mesmo período, no 9º ano, esse crescimento foi de 3,2 para 4.
Este crescimento precisa ser analisado com muito cuidado. Isso porque a média pode esconder grandes desigualdades, sobretudo em um país como o nosso. É o que demonstra a análise Desigualdades educacionais no ensino fundamental de 2005 – 2013: hiato entre grupos sociais, realizado pelos pesquisadores Chico Soares, Maria Teresa Alves e Flavia Xavier.
O estudo escancara que a melhora consecutiva nos resultados do Ideb observada a partir de 2005 não ocorreu de forma equitativa, mas especialmente entre os alunos de melhor nível socioeconômico da escola pública. Os mais pobres não conseguiram alcançar os níveis básicos de conhecimento. Neste período, também aumentou a diferença entre estudantes brancos e negros e entre meninos e meninas.
Como as desigualdades são via de regra cumulativas, os autores concluem: “Para os alunos com nível socioeconômico mais baixo, pretos, meninos (em leitura) ou meninas (em matemática), as proficiências mais baixas os colocam em situação muito desvantajosa para seguir sua trajetória escolar”.
Estudos realizados pelo Cenpec também têm demonstrado que o território onde os estudantes vivem e onde estão localizadas as escolas devem ser objeto de investigação e, portanto, precisam ser levados em conta pelas políticas públicas.
Há muitas evidências de que lugares em que há uma oferta diversificada de equipamentos públicos, em áreas como saúde, educação, assistência social e cultura, tendem a ter escolas com infraestrutura adequada e melhores educadores em comparação a outras que funcionam em territórios vulneráveis, por exemplo.
As desigualdades educacionais não estão isoladas. Elas se articulam e são potencializadas por outras desigualdades, como a de renda, de raça, de gênero, do território…
Frente a este complexo cenário, é fundamental o apoio a pesquisas robustas como estas, assim como a necessidade de políticas que busquem a equidade de modo a oferecer mais a quem tem menos oportunidades. Esta deve ser prioridade na agenda do país.
Estudos sobre as desigualdades assim como os resultados do Ideb ou de outras avaliações devem ser levados em conta para entender os fatores que contribuem para melhoria da qualidade da educação. Trata-se de desenhar políticas relevantes que tenham viabilidade econômica e respondam a essas questões interagindo com os diferentes contextos e territórios, especialmente em um país com o tamanho do Brasil e com todas as diversidades que nos perpassam.
Se a educação é uma área central para o desenvolvimento do país e melhoria das condições de vida de seus cidadãos, ela deve ser preservada, tanto em momentos de bonança, quanto de crise. Assim, a atual conjuntura não pode servir para paralisar ações e programas exitosos ou impedir que políticas sólidas sejam elaboradas e implementadas para o enfrentamento das desigualdades.
Artigo Publicado originalmente no UOL em 30/05/2017