Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Encontro leva arte de todos os cantos para São Miguel
O 3º Encontro das Artes do CDC Tide Setubal reuniu no último sábado (23/8), em São Miguel, diversas expressões artísticas, de profissionais e amadores, das zonas sul, leste e oeste, de Minas Gerais e da Paraíba.
Música com furadeira, teclado de computador, bacia velha, botijão de gás, tanque de gasolina. Dança de crianças e jovens que jamais imaginaram um dia serem bailarinos. Teatro, poesia, exposição de quadros. O 3º Encontro das Artes do CDC Tide Setubal reuniu no último sábado (23/8), em São Miguel Paulista, diversas expressões artísticas, de profissionais e amadores, das zonas sul, leste e oeste, de Minas Gerais e da Paraíba. Foi um verdadeiro intercâmbio de experiências durante mais de oito horas.
O projeto, que teve início há 10 anos, é uma iniciativa do cantor e compositor Zulu de Arrebatá, morador de São Miguel, e há três anos conta com a parceria da Fundação Tide Setubal para sua realização. “O projeto estreou em maio de 1998, no Sindicato dos Químicos de São Miguel Paulista, partindo do princípio de que os equipamentos culturais públicos não estavam atendendo às necessidades da comunidade e que a questão da política cultural da nossa região não estava sendo conduzida da melhor forma. Daí surgiu a idéia do encontro, que tem como princípio básico a integração das linguagens, trazendo artistas do próprio bairro e de outros cantos da cidade”, explica Zulu.
Para ele, a chegada da Fundação em São Miguel e mais especificamente no CDC Tide Setubal fez surgir um centro cultural no perfil do que a comunidade sempre reivindicou pelo governo, e que nunca chegou de fato. “Nestes 10 anos, nunca tinha surgido por aqui instituições, governamentais ou de iniciativa privada, que viessem criar situações beneficiando esses artistas de alguma maneira ou os reconhecendo por sua produção. Agora há um orçamento anual que permite buscar pessoas das mais diversas linguagens e desenvolver uma produção artístico-cultural que é do interesse de todos. Esse é um diferencial muito importante: a estrutura. Porque se você não tem isso, até consegue fazer, mas de forma mais precária.”
Tião Soares, coordenador de cultura da Fundação, conta que a idéia de levar o Encontro das Artes ao CDC surgiu como parte de um trabalho para agregar à programação a produção local. “Procuramos pessoas que já faziam coisas nessa área em São Miguel, com o intuito de trazer os diversos atores locais e saber o que eles desenvolviam e o que estava parado.”
Para Zulu, muita gente avalia que tudo que acontece na zona leste ou na periferia da cidade é de má qualidade. “Eu que nasci aqui, estive fora do bairro e voltei, tive uma dimensão de que tenho que fazer sempre o melhor. Não é porque eu moro na periferia que tenho que partir do princípio que as coisas podem ser de má qualidade. Pelo contrário, tenho que produzir sempre com mais qualidade, na apresentação do conteúdo, na comunicação visual, senão o trabalho não traduzirá os anseios dessa comunidade”, conclui.
Intercâmbio
Durante o 3º Encontro das Artes, a comunidade de São Miguel pôde ver: dança contemporânea com o Balé Nacional do Brasil, única companhia de dança profissional da zona leste, que apresentou um balé-documentário sobre a história do Japão; Grupo Insígnia, criado em uma ONG com o objetivo de fazer a inserção de crianças sem o perfil para dança (atualmente o trabalho é realizado nos CEUs da região e atende aproximadamente 60 jovens); grupos de jazz, reggae, samba; poesia e contação de história.
O cantor e compositor Jorge Dissonância, sergipano radicado em Belo Horizonte, levou sua mistura de MPB, jazz e música africana. “Pra mim é um prazer estar aqui, porque a arte também tem esse cunho da interação, é alem fronteira, é a coisa que menos tem preconceito. Eu imagino que a arte, se vier com um propósito sócio-educacional, tem mais força e mais objetivo. Afinal, antes de ser artista, eu sou cidadão”, afirmou Dissonância.
O paraibano Pedro Osmar – que já teve músicas gravadas por artistas como Elba Ramalho, Zé Ramalho e Lenine – e o paulistano Loop B – reconhecido nos circuitos alternativos da cidade – apresentaram sua mistura de música eletrônica, viola nordestina e percussão de sucata. “Durante a vida tivemos muitos encontros com artistas de todos os lugares. Participar desse encontro é uma forma da gente dar continuidade aos abraços que tivemos com esses artistas da zona leste. É ter a certeza da importância de trabalhar nas periferias, na base. É bom que a gente de alguma maneira possa vir dar uma contribuição”, festejou Pedro Osmar.
Para Loop B, a proposta de levar para a comunidade algo além da música é fundamental. “É muito interessante essa proposta, de ver e escutar um pouco de tudo, e dar voz ao pessoal que está produzindo aqui na periferia. É muito bacana, principalmente sair dos grandes centros, das galerias da Avenida Paulista, do Sesc, e trazer a arte para pessoas que dificilmente sairão daqui de São Miguel para ver alguma coisa. E é uma integração com os artistas, um conhece o trabalho do outro, tem oportunidade de conhecer coisas diferentes.”
Zulu completou, lembrando que a comunidade precisa sair de casa, perceber o que está acontecendo e ajudar a fazer o bairro de uma maneira diferente, produzindo cultura e arte, trazendo pessoas de outros cantos da cidade pra consumir isso e indo para outros lugares consumir seus produtos culturais também. “Acho que isso é fundamental pro crescimento”, afirmou.