Especialistas debatem sobre o papel do investimento social privado para a redução da desigualdade socioeducacional
Coube a Neca Setubal, presidente dos conselhos da Fundação Tide Setubal e do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), Celina Maria de Souza, professora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Unirio, e Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, encerrar os debates do Seminário […]
Coube a Neca Setubal, presidente dos conselhos da Fundação Tide Setubal e do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), Celina Maria de Souza, professora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Unirio, e Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, encerrar os debates do Seminário “Democracia, Educação e Equidade: uma agenda para todos”.
Representando diferentes campos, os debatedores falaram sobre a relação entre estado e sociedade civil para a promoção de justiça social e fortalecimento da democracia. A mediação ficou a cargo de Flávia Oliveira, jornalista de O Globo, Globo News e CBN.
Neca Setubal trouxe ao debate um tema que permeou todas as mesas do evento: o avanço do conservadorismo na sociedade brasileira e sua influência na agenda social do país e no enfrentamento das desigualdades. Inclusive, o tema foi matéria de estudo de uma publicação lançada recentemente pela organização.
Para a presidente do Conselho da Fundação, o assunto é complexo e permite muitas leituras em diferentes camadas e coloca no ar a pergunta: ‘Por que as democracias estão sendo questionadas?’. Para ela, são três os pontos mais relevantes desse debate: o rompimento do controle das mídias tradicionais com o advento das redes sociais, que deu voz a uma grande massa de indivíduos; o aumento das desigualdades – ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres -; e quebra da homogeneidade étnica e cultural, ou seja, o choque entre as diferenças de povos em uma mesma nação.
“A promessa de uma democracia liberal não foi cumprida. A saída tem sido no sentido de uma direita populista e conservadora. Hoje, os indivíduos são confrontados por múltiplas desigualdades em seu dia a dia na escola, no trabalho e em suas comunidades. Essas desigualdades são múltiplas, particulares e, muitas vezes, invisíveis. O cidadão não é ouvido, não é reconhecido. [Trata-se de] um grande processo de exclusão”, avalia Neca Setubal.
O grande desafio é encontrar saídas para apostar em políticas públicas pensadas com a sociedade civil e em aprender a dialogar com uma população que está agindo nessa chave das soluções individuais – o culto a heróis – e saídas mágicas. Ou seja, uma população que desacreditou do Estado, dos movimentos sociais, da mídia e dos coletivos.
“Olhando para o campo do Investimento Social Privado, espaço que represento nessa mesa, aposto na busca por legitimidade. Os institutos, fundações e empresas precisam buscar transparência e comunicar melhor do lugar de onde falam. Além disso, é preciso investir em parcerias e ação em redes”, completou a especialista.
Por fim, reforçou a importância de investir na academia, já que a pesquisa e a extensão no Brasil começam a ficar ameaçadas, e apoiar as organizações da sociedade civil, elo mais frágil dessa corrente.
O debate ganhou ainda mais lastro com as reflexões da professora Celina Maria de Souza, das universidades UFBA e da Unirio. Seu recorte buscou uma análise sobre o orçamento federal e os conflitos político-sociais a partir dessa redistribuição.
“Não podemos perder de foco a Constituição de 1988 como projeto de nação democrática, plural e menos desigual. Um grande consenso nacional em torno dos princípios de reconstrução da nação, com destaque para a justiça social. Foi um grande desafio implementar políticas nacionais e universais em uma nação de tamanho continental e com tanta desigualdade”, explicou.
A pesquisadora destacou que, a partir de 1994, algumas emendas constitucionais fortaleceram a institucionalização de políticas sociais, especialmente nas áreas de educação e saúde, vinculando recursos às três esferas de governo – municipio, estado e nação. “A partir daí começamos a ver a inclusão dos mais pobres nos orçamentos públicos.”
E qual o caminho para, como cidadãos ou organizações e movimentos, cobrarmos e monitorarmos investimentos e resultados? Para Celina, a chave é entender como funciona a máquina para fazer advocacy nos lugares certos e, assim, garantir direitos. E trouxe exemplos: “A participação financeira na política da saúde é federal, a educação básica, por sua vez, está a cargo de estados e municípios. Também é preciso olhar para os conflitos entre agendas do governo e também entre grupos sociais.”
A participação da professora encontrou eco na fala de Ricardo Paes de Barros, que levou para o evento um desafio matemático: para ele, não existe transformação que não passe pelas mãos do governo, pois existe muito recurso dentro das estruturas de poder político. A sociedade civil precisa aprender a se alinhar a essa grande força para gerar mais impacto.
“Estamos falando de gigantismo. Hoje, o gasto do setor público representa 41% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, algo acima de 72% dos países do mundo. Isolado, o gasto social brasileiro é de R$ 1,5 trilhão por ano. Ou seja, se o governo gastar isso tudo com a metade mais pobre do país, aqueles que não podem pagar por serviços privados, ele conseguiria multiplicar o padrão de vida das famílias em cinco vezes – com habitação, segurança, educação, saúde. De grosso modo, o que é podemos afirmar é: temos recursos, mas gastamos muito mal”, analisou.
E o que a sociedade civil pode fazer? Para Ricardo, são muitas as possibilidades: buscar a transparência, ou seja, para onde e como o recurso está sendo investido; advogar e influenciar a pauta; informar e induzir inovação; apontar trajetórias de melhores maneiras de fazer a mesma coisa; participar da implementação de políticas públicas; e, em último caso, até realizar o atendimento direto à população. “E todas estas frentes são complementares.”
Para o economista, o maior problema é a ineficiência na gestão, não escassez de dinheiro. “Um exemplo disso é quando comparamos o que se gasta por aluno neste país e os resultados na escala do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Nenhum país no mundo é mais ineficiente do que o Brasil com o gasto ou investimento em educação.”
Ao final dessa imersão, de tantas vozes, muitas pontes foram construídas. Representantes da academia, do campo do Investimento Social Privado e de organizações da sociedade civil bateram na tecla de que os desafios da nossa democracia são graves, mas existe saída. E a saída passa, fundamentalmente, pelo investimento, advocacy e controle social para promoção e garantia de direitos.
Confira aqui as outras discussões realizadas ao longo do primeiro e do segundo dia do seminário.