Fundação Tide Setubal realiza seminário sobre desafios e oportunidades das periferias urbanas
Projeto, desenvolvido junto a FGV Eaesp, também contou com o lançamento de uma edição especial da revista Página 22, marcando o novo ciclo de atuação da Fundação Tide Setubal
Pelo segundo ano consecutivo, a Fundação Tide Setubal promoveu o debate com especialistas em periferias urbanas, com o objetivo de abordar questões como as desigualdades socioespaciais, o potencial destes territórios e os desafios para a criação e implementação de políticas públicas.
O seminário ‘Periferias Urbanas: territórios de desafios e possibilidades no enfrentamento das desigualdades’, realizado no dia 26 de junho pela Fundação Tide Setubal, em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da FGV EAESP, celebrou também o lançamento da edição especial da Revista Página 22, produzida em parceria com a Fundação Tide Setubal, e marcou o novo posicionamento institucional da organização.
Para abrir o evento, Paula Galeano, superintendente da Fundação Tide Setubal, falou sobre a nova missão da organização, e o início de um novo ciclo com três eixos de atuação: territórios, conhecimento e ação macro política. “O trabalho desenvolvido em São Miguel Paulista sempre teve como premissa olhar para os ativos e as potências da comunidade, buscando fazer com a comunidade e não para ela. A escuta constante nos apoiou na construção de vínculos fortes que geraram a construção de metodologias que levam em consideração a realidade local, nos guiando sempre pela perspectiva de que o território importa. Importa não apenas para as atividades ali desenvolvidas, mas também para a influência na formulação de políticas públicas que, se criadas e implementadas de forma universal, deixam de lado especificidades e necessidades do contexto local”, afirma Paula. “Acreditamos em um movimento de influência do local para o global, com conexão estabelecida por meio do diálogo e da construção conjunta”.
A primeira mesa do evento, “Retratos das periferias: desafios e possibilidades”, abordou a imagem das periferias, os desafios destes territórios no cenário das desigualdades socioespaciais e as proposições de transformações sob duas óticas: a da experiência institucional de Neca Setubal à frente da Fundação Tide Setubal, que trabalha pelo desenvolvimento local sustentável do bairro da Zona Leste da capital paulista, e a vivência de Tony Marlon, jovem da periferia, criador da Escola de Notícias e idealizador do Historiorama.
Na discussão, Neca Setubal falou sobre a importância da transparência de dados e indicadores territoriais para promover maior participação política das comunidades: “Uma questão importante é que temos poucos dados georreferenciados que, de fato, consigam chegar às diversas localidades. Um segundo ponto é que aqueles que temos não são transparentes, o que dificulta o acesso da população. É importante que essas informações sejam traduzidas para que a sociedade possa compreender o que significam”.
A mesa abordou ainda a representação das periferias. Tony Marlon, jornalista e criador do Historiorama, destacou a necessidade de um olhar mais profundo e mais crítico sobre o potencial criativo destes territórios: “É importante que a gente não romantize a inventividade que existe nas periferias, pois ela advém da ausência do Estado. Nós, da periferia, estamos criando soluções, sim, mas porque estamos totalmente à margem daquilo que já existe”.
Maurício Érnica, professor da Faculdade de Educação da Unicamp, trouxe ao debate um olhar sobre educação e desigualdade, mostrando que, apesar dos avanços e melhorias no sistema educacional, os benefícios chegam de forma diferente nos vários pontos da cidade. “As oportunidades são mais restritas para moradores de territórios vulneráveis”, destacou.
Na segunda mesa, Eliana Souza e Silva, diretora da Redes da Maré e do Instituto Maria e João Aleixo, e Sérgio Leitão, fundador e diretor de Relacionamento com a Sociedade do Instituto Escolhas, falaram sobre o desafio destes territórios mais vulneráveis na busca pela qualidade dos equipamentos e dos serviços prestados. “De uma maneira geral, as conquistas aconteceram. No entanto, sem dúvida esses resultados se deram muito pela luta dos moradores. Na Maré, conseguimos diversos equipamentos públicos, mas precisamos agora fazer com que eles funcionem. Isso porque o próprio poder público não acredita que o equipamento possa funcionar dentro da favela”, ilustrou Eliana durante a conversa.
A partir de sua experiência na elaboração do estudo “Quanto custa morar longe?”, Sergio Leitão comentou sobre as longas distâncias que são impostas à essas comunidades e ressaltou que a falta de transparência nos dados e indicadores destes territórios é um fator que contribui para o cenário. “Os dados não fluem e não transitam nas regiões. Somado a isso, está a falta de um olhar dos gestores sobre as demandas que vêm destes locais. Para que os que possuem baixa renda, só resta um lugar para morar: o longe.”
Além da abertura para a participação do público, a mesa contou com a provocação do demógrafo e sócio da Din4mo, Haroldo Torres, sobre dados e indicadores: “A mensagem é muito mais importante do que os dados em si. Eles são o meio para levar a informação e promover o debate, mas a mensagem deve ser o foco”, finalizou.
Público variado
As cerca de 270 pessoas que compareceram ao evento compuseram um público variado, vindo de diversas regiões da cidade. O advogado e jornalista Gustavo de Oliveira Antônio atraiu-se pelo tema do seminário porque tem um projeto de negócio social ligado à justiça restaurativa. “Achei a primeira mesa muito inspiradora, e a segunda um pouco mais técnica mas muito interessante.
A economista Luzia Soares acompanha os debates há décadas, pois trabalha como voluntária em regiões periféricas. “Me interessei pelo evento principalmente por ele ter uma discussão a respeito dos dados. O debate sobre o georeferenciamento é algo pelo que eu advogo há quase vinte anos, e fico feliz de ver essa discussão colocada para a sociedade de forma mais palatável”, afirma.
Já o estudante Alberto Amorim interessou-se pelo evento sobretudo por seu potencial de inspirar novos projetos. “Eu estou começando a organizar um coletivo de cultura e vemos as dificuldades de manter esse coletivo. Gostei muito da fala do Tony Marlon sobre a importância de as empresas entenderam que responsabilidade social envolve o compromisso com projetos que ajudam a mudar a realidade”.
Periferia em evidência
Com a proposta de provocar reflexões sobre o tema, a Fundação Tide Setubal e o Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da FGV EAESP lançaram no evento uma edição especial da Revista Página 22, focada nas periferias. Para Mario Monzoni, coordenador-geral do GVces, o debate sensibiliza para avançar na discussão do desenvolvimento local a partir da visão dos territórios. “É possível trazer um novo olhar para as cidades, valorizando as periferias como celeiro de inovação a partir de sua imensa criatividade, forte relacionamento comunitário, enorme expressividade cultural e potencialidades, as mais heterogêneas possíveis. Motivo suficiente para figurar no topo das prioridades de políticas públicas”.
Inteiramente dedicada ao debate sobre os desafios e as possibilidades no enfrentamento das desigualdades socioespaciais, em reportagens, entrevistas e artigos, a edição revisita os conceitos de centro-periferia e mostra a importância de olhar também para a potência dos territórios de alta vulnerabilidade. A publicação mostra também os fatores que influenciam e dificultam a tomada de decisão dos gestores públicos em relação a esses territórios, desde a falta de indicadores organizados até as pressões políticas.
Baixe a publicação gratuitamente aqui: http://bit.ly/2tCVQFh