Livro ‘Territórios Clínicos’ destaca o trabalho realizado para democratizar cuidados com a saúde mental
O livro 'Territórios Clínicos' é resultante do trabalho realizado pela Fundação Tide Setubal com organizações voltadas à democratização da saúde mental em espaços periféricos. Saiba mais sobre a obra.
Lançado durante evento realizado em 19 de outubro, na Livraria Megafauna, em São Paulo, o livro Territórios Clínicos é desdobramento do Seminário Territórios Clínicos, realizado em abril de 2023. Esse processo, por sua vez, é resultante do trabalho realizado pela Fundação Tide Setubal com organizações voltadas à democratização da saúde mental em espaços periféricos por meio do projeto homônimo.
A atividade de lançamento do livro Territórios Clínicos teve participações de Tide Setubal e Fernanda Almeida, duas das organizadoras da obra, e de Maria Lúcia da Silva, psicóloga, psicanalista, psicoterapeuta e cofundadora do Instituto AMMA Psique e Negritude. O trio apresentou, cada uma dentro de sua perspectiva, destaques referentes à publicação.
Durante sua intervenção, Fernanda Almeida destacou o fato de o livro ter como objetivo fornecer subsídios para quem objetiva envolver-se na construção de uma psicanálise decolonial, antirracista e socialmente comprometida. Nesse sentido, ao destacar o caráter coletivo da obra, Fernanda Almeida reforça que se trata de “uma ágora política”.
Assim sendo, para Almeida, “a proliferação e o protagonismo da publicação de autores e autoras negros e negras em diversas áreas hoje é uma realidade. São obras que compõem a esteira do avanço das lutas antirracistas no Brasil, não sem resistência por parte da branquitude. Tal movimentação nos faz lembrar que as vidas negras importam e produzem, escrevem e compõem o que tem de mais criativo, potente e inovador.”
Sobre linguagem e subjetividade
Durante sua intervenção no evento de lançamento do livro Territórios Clínicos, Tide Setubal fez citação ao conhecimento ancestral de Antônio Bispo dos Santos, o qual aparece também na apresentação da obra, para exemplificar as trocas inerentes ao processo psicanalítico:
A confluência é a energia que está nos movendo para o compartilhamento, para o reconhecimento, para o respeito. Um rio não deixa de ser um rio porque conflui com outro rio, ao contrário, ele passa a ser ele mesmo e outros rios, ele se fortalece. Quando a gente confluencia, a gente não deixa de ser a gente, a gente passa a ser a gente e outra gente – a gente rende. A confluência é uma força que rende, que aumenta, que amplia.
Nesse contexto, ao falar sobre a escuta de subjetividades, as quais estão imersas em marcadores de raça, classe, gênero e território, Tide Setubal destaca que não há escuta neutra no trabalho psicanalítico. “O analista também é atravessado por uma história sociocultural e é preciso saber desse seu lugar para poder escutar o outro.”
Além disso, a co-organizadora do livro Territórios Clínicos destaca o papel dos territórios – inclusive na construção da pessoa a ser ouvida – para tornar o processo psicanalítico efetivo. Afinal, explica, trata-se do mapa do espaço geográfico e psíquico entre a pessoa e o mundo, uma vez que consiste no lugar de pertencimento.
“É onde a vida pulsa e acontece com todas as suas contradições, pluralidades, afetos, relações, violências e também muitas belezas. Território é o lugar da fronteira, do entre: a criança e a sua família, o sujeito e a vida social, o eu e o outro, um corpo e o outro corpo e entre um bairro e outro bairro. O território contorna esse sujeito singular e lhe traz exigências psíquicas, códigos, culturas, saberes”, discorre.
Políticas públicas no horizonte
Maria Lúcia da Silva, grande referência quando se fala no debate sobre democratização do acesso a tratamentos psicanalíticos, fez questão de reforçar o papel que o ambiente, inclusive familiar, tem na construção psicológica de todo e qualquer indivíduo.
“O estado emocional e psíquico dos nossos pais, familiares e das pessoas que nos rodeiam, e marcadores sociais como raça, gênero, classe, território, entre outros, impactam positiva ou negativamente durante todas as fases da nossa vida. É a nossa história que dará suporte às nossas escolhas. Escolher cuidar da saúde mental das pessoas é também escolher rever e reviver nossa história pessoal e coletiva cotidianamente”, descreve.
Ao introduzir a dimensão subjetiva, a psicóloga, psicanalista, psicoterapeuta e cofundadora do Instituto AMMA Psique e Negritude trouxe à tona o papel do poder público. Nesse sentido, pressionar o Estado para assegurar a implementação de políticas públicas nesse contexto, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), é, enfim, um dever fundamental.
“Por isso, é necessário que possamos nos reconhecer também como agentes políticos comprometidos com a defesa do direito à saúde mental e psíquica de qualidade reivindicando o monitoramento e a implementação das políticas para o bem viver coletivo”, finaliza.
Territórios e saberes
Conheça as profissionais que coassinam a organização do livro Territórios Clínicos:
- Tide Setubal, psicóloga, psicanalista, mestre pela universidade Paris V. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde participa de grupos de pesquisa e é professora do curso Clínica Psicanalítica – Conflito e Sintoma. Coordenadora do projeto Territórios Clínicos e conselheira da Fundação;
- Viviane Soranso, psicóloga, ativista social, especializada na promoção da inclusão racial e de gênero. Mestre em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (USP). Coordenadora do Programa Lideranças Negras e Oportunidades de Acesso na Fundação Tide Setubal;
- Laís Guizelini, psicanalista e psicóloga. Parte da equipe do Canal de Acolhimento e analista de programas e projetos na Fundação Tide Setubal, atuando na linha de saúde mental Territórios Clínicos.
- Fernanda Almeida, psicanalista e assistente social, atua no SUS em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS-AD). Integrante da equipe editorial do Boletim online e da Comissão de Reparação Racial e Ações Afirmativas do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Integra o projeto Territórios Clínicos da Fundação Tide Setubal.
Participam também da obra pessoas representantes dos sete coletivos que participaram da primeira edição do programa Territórios Clínicos:
- Casa de Marias;
- Veredas – Psicanálise e Imigração;
- AMMA Psique e Negritude;
- Margens Clínicas;
- PerifAnálise São Mateus;
- Roda Terapêutica das Pretas;
- SUR Psicanálise.
Por fim, saiba mais detalhes e adquira o livro Territórios Clínicos no site da Editora Perspectiva.
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Laís Guizelini