Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Os desafios da inclusão na universidade – Vozes Urbanas debate a diversidade no ambiente acadêmico
Por Daniel Cerqueira / Foto: DiCampana Foto Coletivo A inclusão racial no ambiente universitário ganhou destaque nos debates das políticas públicas do Brasil na primeira década dos anos 2000, a partir da criação das políticas afirmativas ou cotas raciais. Após todos estes anos, ainda há muito o que fazer na relação com […]
Por Daniel Cerqueira / Foto: DiCampana Foto Coletivo
A inclusão racial no ambiente universitário ganhou destaque nos debates das políticas públicas do Brasil na primeira década dos anos 2000, a partir da criação das políticas afirmativas ou cotas raciais. Após todos estes anos, ainda há muito o que fazer na relação com o tema, pois a questão do acolhimento e da permanência da população negra nas universidades ainda não contempla as suas necessidades. Ao mesmo tempo, discute-se cada vez mais o passo seguinte da inclusão, que são as cotas raciais na pós-graduação.
Estas duas abordagens estiveram presentes no projeto Vozes Urbanas, da Fundação Tide Setubal, que aconteceu em 30 de setembro. Com o tema Como as universidades lidam com a diversidade?, o encontro discutiu a entrada e permanência de estudantes negras e negros nos espaços de saber, da graduação à pós-graduação.
O Vozes Urbanas é espaço de debates sobre temas relevantes para as causas defendidas pela Fundação e que se propõe a influir no debate público, provocando a reflexão e a ação de agentes da sociedade civil e dos setores públicos. Esta edição contou com a mediação de Thiago de Souza Amparo, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e a participação de três convidadas que, livremente, escolheram a abordagem dada sobre o tema.
Para Guilherme Gobato, consultor em diversidade e inclusão, e que esteve presente na plateia desta edição, o “debate foi muito necessário e urgente porque esta é uma sociedade que ainda não reconhece o seu racismo e como isso nos afeta tanto no ambiente acadêmico quanto no dia a dia.”
A primeira apresentação do Vozes ficou por conta da estudante de comunicação da ECA-USP Luiza Alves, pesquisadora sobre relações étnico-raciais na primeira infância e educomunicadora em formação. Luiza ressaltou a tensão existente nesta universidade nos últimos anos com a pressão constante do movimento estudantil negro para a inclusão das cotas raciais no seu vestibular principal, a Fuvest. A pesquisadora compartilhou com o público a sua trajetória pessoal e vivência acadêmica desde 2015, quando se intensificam as pressões internas para as políticas de inclusão racial. Embora as cotas tenham sido aprovadas em julho de 2018, cada escola define suas regras de inclusão, sendo que algumas ainda não as disponibilizam até agora.
Presentes na plateia, estudantes e coordenadores do núcleo Educafro lembraram também que a luta negra nas universidades tem histórico acumulado que possibilita ao movimento atual ampliar a pressão pelas cotas na USP. Para Luiza Alves, ainda há outros pontos de atenção que merecem reflexão, sendo estes a questão da permanência e do currículo. “Pessoas pretas que entram na universidade e vieram de uma situação socioeconômica desfavorável não conseguem se manter. Isso sem falar no currículo, que não toca nas questões da população negra.”
Esta também foi uma das preocupações da fala da professora Marcia Lima, do departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e integrante do conselho consultivo da fundação TIde Setubal. Nos seus 24 anos de docência no ensino superior, Marcia afirma ter visto pouca ação efetiva na questão da inclusão racial nas universidades. Na FFLCH, por exemplo, o argumento por muito tempo utilizado era de que o Sisu é mais democrático por abranger o país todo, sendo que isso mascarava uma inclusão que não existia. “É importante falar de diversidade, mas em dimensão étnico-racial, porque a ideia de diversidade é muito ampla e o acesso e permanência da população negra é uma demanda. A universidade precisa se repensar em estrutura, agenda e no acolhimento.”
Marcia Lima fala sobre o panorama de estudantes negros na universidade pública (DiCampana Foto Coletivo)
Integrando a equipe de pós-graduação da universidade, Marcia Lima trabalhou também para a entrada das políticas afirmativas em mestrado e doutorado. Para se ter uma ideia da dimensão desta questão, em 2017, por causa do 41º encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, a pesquisadora Anna Carolina Venturini fez um levantamento dos currículos Lattes cadastrados na plataforma da CNPQ e observou que, entre os doutores e doutoras registrados e que declararam raça e cor, correspondentes a 78,77% dos doutores, brancos representavam 79,01% do total, enquanto há apenas 3,05% de pretos, 15,29% de pardos e 0,42% de indígenas.
Como professora dos programas de Pós-Graduação em saúde coletiva e de ciências sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, a terceira convidada a falar foi Laura Cecilia López. Laura fez um estudo das dimensões das ações afirmativas em várias áreas, inclusive nas universidades. Seus estudos corroboram a ideia de que as cotas nas graduações são mais frequentes do que na pós-graduação. “Um sistema acadêmico que exclui as populações negras e indígenas da pós-graduação acaba impedindo a inclusão racial de fato, porque ainda cria locais de privilégios para brancos e brancas.”
O mediador Thiago de Souza contou que é difícil inserir a política de cotas em qualquer universidade, inclusive na FGV, e que neste caso, ele precisou criar estratégias que facilitassem o seu discurso de convencimento. “No nosso caso precisamos criar uma demanda de mercado na área do direito para inserir o tema nos debates internos. Fizemos uma articulação com os grandes escritórios de advocacia da cidade para a contratação de negros e negras, criando, assim, a necessidade da universidade aumentar o número de alunos e alunas da população negra. Como resultado, este ano, a FGV lançou a aliança jurídica pela equidade racial.”
Ainda sobre o Vozes Urbanas
Pelo segundo ano, a Fundação Tide Setubal promove o Vozes Urbanas. Na perspectiva das desigualdades educacionais relacionadas às questões de gênero e raça, os Vozes Urbanas deste ano pretendem compreender a educação democrática e política nos diversos momentos de desenvolvimento pessoal, revelar barreiras sociais que dificultam a ocupação de espaços de poder por mulheres e negras(os) e pensar estratégias de ação relacionadas a políticas públicas nessa área.
Em 2019 já foram realizados quatro encontros. O primeiro, que aconteceu em 24 de abril, teve como tema a “Educação para Igualdade: panorama e desafios” (veja aqui como foi). Já o segundo, que ocorreu em 29 de maio, debateu as “Escolas Democráticas: cidadania, representação e participação em sala de aula” (leia aqui a respeito). O terceiro, em 28 de agosto acrescentou à discussão o tema “políticas públicas: possibilidades e desafios para a redução das desigualdades educacionais” (aqui tem um resumo de como foi).
Para Fernanda Nobre, gerente de Comunicação da Fundação, o Vozes Urbanas é um importante espaço de mobilização dos públicos para as causas defendidas pela Fundação Tide Setubal na sua missão. “É uma forma de qualificar nossos temas, conversar e ouvir as contribuições para pensarmos nossas ações e inspirarmos outras. Este ano decidimos priorizar as questões educacionais de gênero e raça porque enfrentar essas desigualdades é um dos nossos pilares estratégicos.”
Não perca nenhuma notícia sobre o Vozes Urbanas. Acesse fundacaotidesetubal.org.br e cadastre-se, no final da página, para receber o boletim mensal com todas as informações. Aproveite para conferir a quarta temporada do Enfrente no canal da Fundação Tide Setubal no YouTube.
Amauri Eugênio Jr.