Por Amauri Eugênio Jr. / Fotos: Gsé Silva/DiCampana Foto Coletivo
Um lugar-comum que vem à tona quando o assunto é política é que crianças não se interessam pelo tema. Se muito, que elas tendem a reproduzir opiniões e preferências dos pais por determinada vertente ideológica ou candidato, mesmo por osmose, porque os ouvem dizer que um candidato é bom, enquanto outro é ruim – e nada além disso. Logo, falar sobre a composição do poder legislativo e demais relações políticas de poder equivale a estabelecer diálogo em um idioma totalmente desconhecido para elas.
Bom, a história foi bem diferente durante a atividade Quem Manda Aqui?, realizada em plena Praça do Morumbizinho, durante o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel. A criançada mostrou-se superengajada e animada durante a brincadeira e percebeu que falar sobre política é parte da realidade delas também.
A atividade é inspirada no livro Quem Manda Aqui (Companhia das Letrinhas), que é, por sua vez, resultante de seis oficinas feitas com crianças nas quais eram discutidas questões relacionadas ao poder e governo. E como surgiu a ideia de desenvolver a obra sobre política feita com crianças para elas mesmas?
Pedro Markun, hacker político e um dos autores da obra, conta que o motivo para desenvolvê-la foi ter se tornado pai de Maria, atualmente com 7 anos. “Quando ela nasceu, eu já estava envolvido com política e pensei sobre como iria explicar para ela o que faço e como falaria sobre política. Comecei a me aventurar nesta reflexão e em como chegamos nas crianças para falar com elas sobre política.” A consequência disso foi a reunião com a escritora e jornalista Paula Desgualdo e com os ilustradores Larissa Ribeiro e André Rodrigues – e o quarteto deu forma, cores e letras à inquietação de Markun.
Mostrando na prática
Apesar de ouvirem os pais e demais adultos falarem bem – ou mal – sobre determinado candidato, as crianças não costumam escutar ou estar com quem lhes explique qual é o contexto político – em linguagem acessível para elas, é claro. A mesma lógica vale para o senso comum reproduzido sobre a atuação política, independentemente da esfera: a figura do político é vista como um ser distante da população e, por isso, é dissociada da realidade cotidiana.
Para mostrar que a história pode ser diferente, a oficina realizada com as crianças contou com duas etapas. Na primeira parte foram mostradas para elas as figuras que ocupavam os espaços de poder nas áreas executiva e legislativa, assim como em secretarias – o perfil apresentado a elas era o mesmo, ou seja, “todos homens, brancos, velhos e com terno”, descreveu Markun. Já na segunda etapa, elas precisaram fazer um autorretrato cada no qual como elas seriam se ocupassem aqueles cargos, além de dividirem entre si os cargos e gabinetes em um cenário no qual elas mesmas seriam as gestoras e as responsáveis pela resolução de problemas na cidade.
Sendo assim, a brincadeira tinha como foco provocar reflexão entre a garotada sobre a estrutura política e naturalizar um assunto considerado tabu. “Cresci ouvindo que política, religião e futebol não devem ser discutidos e isso é muito nocivo para a cidadania – o meu trabalho tem sido desconstruir esta ideia. Eles rapidamente entram nos papéis: começam a conversar e a trabalhar com as referências que eles têm sobre transformar e projetar a cidadania ativa, em que têm um papel importante”, descreve o hacker político e coautor de Quem Manda Aqui?.
Crianças colocam a mão na massa na parte prática da atividade (Gsé Silva / DiCampana Foto Coletivo)
Provocar a reflexão e tornar a política um assunto natural são desafios importantes para os pais que se veem envolvidos por uma série de dúvidas dos filhos. Um bom passo pode ser deixar de lado a adjetivação – ou seja, dizer que determinado político é bom ou ruim, ou que a administração presta ou não – para descrevê-la com exemplos concretos, ao falar sobre acertos, erros e atribuições de cada ator envolvido, e como os atos de políticos, secretários e gestores são repercutidos nas vidas de todos.
No fim das contas, deixar de adjetivar e tornar exemplos mais próximos à realidade são táticas que ajudam a formar a reflexão crítica da garotada sobre conceitos que são de fato complicados. “Quanto mais lúdica, corporal e tangível a brincadeira for, mais você terá retorno das crianças. É necessário também respeitar tempos: seguir a brincadeira, a provocação e ensinamentos até onde eles respondem. Quando estiverem insatisfeitos, você para, muda [o foco] e fala de outra coisa, pois não é necessário construir tudo em um dia”, finaliza Pedro Markun.