Ponto de leitura do Jardim Lapenna comemora 10 anos
Por Daniel Cerqueira e Marcela Bustamante Há quem diga que ler já não é algo que atraia as pessoas. A existência do ponto de leitura no Jardim Lapenna, zona leste de São Paulo, e a sua comemoração de dez anos no último mês de junho contrariam essa ideia. “O ponto de leitura […]
Por Daniel Cerqueira e Marcela Bustamante
Há quem diga que ler já não é algo que atraia as pessoas. A existência do ponto de leitura no Jardim Lapenna, zona leste de São Paulo, e a sua comemoração de dez anos no último mês de junho contrariam essa ideia.
“O ponto de leitura hoje é referência na região. Já faz tempo que temos uma boa procura pelos livros com pessoas de diversas idades”. Essa afirmação vem de Malu Gomes, responsável pelo espaço desde a sua inauguração. “No começo tínhamos alguma resistência porque, afinal, as periferias como o Lapenna não estão habituadas a terem uma biblioteca pública. Hoje este espaço promove a leitura e acaba também sendo um espaço de integração e acolhimento da comunidade. Um lugar de encontro”
O ponto é resultado de uma parceria entre a Fundação Tide Setubal, a Secretaria Municipal de Cultura e o Sistema Municipal de Bibliotecas de São Paulo. Conta com 4 mil pessoas cadastradas e mais de 8 mil livros disponíveis para empréstimo.
Para comemorar o seu aniversário, foram realizados dois dias de “festas”. No dia 27 de junho, o CCA Procedu, organização social do território que atua com crianças de adolescentes, ocupou o espaço com atividades de dança, leitura de cordel e sarau e participou com seus dois grupos, um de manhã e outro a tarde, num total de 105 presentes. As crianças e adolescentes foram convidadas a visitar o espaço e a participar dessas atividades. Bruno Farias, orientador socioeducativo do CCA destaca a força de mudança do Ponto de Leitura: “Ele transforma a vida das crianças. Elas aprendem a ler e a escrever melhor e também começam a interagir mais com os livros e tornam a leitura algo agradável”
Histórias compartilhadas no Ponto de Leitura do Jardim Lapenna, no dia 28 de junho, foram os temas da roda de conversa com Neide Almeida, que participou da criação do ponto de leitura do Jardim Lapenna e hoje é escritora e coordenadora do museu afro-brasileiro. No público, os moradores, moradoras e jovens que participaram das primeiras atividades, em 2009. A conversa rolou sobre a história do ponto de leitura e as pessoas puderam contar como ele afetou diretamente em suas trajetórias. “Tínhamos jovens presentes que, atualmente, estão na universidade e que começaram a desenvolver o gosto pela aprendizagem participando das atividades aqui” ressalta Malu. Foi o caso de Gabriel, cujo a avó Sônia Maria de Aparecida contou: “ele está fazendo um estágio e pediu que eu viesse. Foi por meio do Ponto de Leitura que meu neto conseguiu tudo que precisava para os estudos, quando ainda era pequeno. Hoje ele é professor. Acompanhei o Galpão desde o começo e tenho muito orgulho desse espaço”. Para finalizar a festa, foi realizado o sarau “Territórios de Potências” com poesia e música que durou mais de uma hora e teve cerca de trinta pessoas.
“O ponto de leitura tem um poder político muito forte” diz Malu. “Ao se tornar um ponto de encontro as pessoas começam a conversar e a se tornarem mais críticas da realidade” Para Malu, o exercício mais poderoso é o da escuta. Sob seu olhar, os moradores e moradoras se sentem à vontade de compartilhar as dificuldades, os medos e as conquistas. “Os moradores só querem ser escutados e não julgados. A partir daí criamos um elo de confiança. O livro foi a ponte para um contato mais próximo, em diversos momentos eu só escutava a voz de uma criança após alguns capítulos lidos para ela. Além disso, por estarmos num espaço de vulnerabilidade social, um espaço que mexe com a imaginação e faz você viajar para outros lugares, o ponto acaba transformando a perspectivas das pessoas sobre a vida”. Caíque Lima, de 12 anos concorda com ela. Para ele: “o Ponto é um lugar onde encontramos vários livros e lendo, podemos conhecer outras culturas e outras regiões”. E Isabeli Stephanie, de 11 anos completa: “é um espaço de transformação, de imaginação e de poder sonhar e se realizar”.
Bibliotecas que transformam
A utilização de bibliotecas como instrumento de mudança social e, como diz Malu Gomes, com potencial político, tem exemplos ao redor do mundo. Um caso exemplar de como elas foram utilizadas nesse sentido vem do projeto Parques Biblioteca, de Medellin, Colômbia.
Estes “parques” foram construídos para serem locais de mudança e desenvolvimento das comunidades e culturas locais. Ao menos dez destas bibliotecas foram espalhadas pelas periferias da cidade ao longo dos anos. Foi uma iniciativa que reduziu drasticamente os níveis de violência urbana da cidade colombiana, conforme atestam vários estudos publicados ao longo dos últimos anos.
Vale lembrar que a Fundação Tide Setubal tem na literatura um dos seus principais instrumentos para atingir a sua missão de enfrentar as desigualdades socioespaciais, desenvolver as periferias e promover a justiça social. Seja na existência do Ponto de Leitura, na realização de nove Festivais do Livro e da Literatura em São Miguel e, mais recentemente, na criação do Circuito Literário das Periferias, Clipe, são os livros, a poesia e as histórias potentes ferramentas de transformação.
Navegue pelo site da Fundação www.fundacaotidesetubal.org.br e acompanhe as nossas ações literárias.
Para saber mais sobre os Parques Biblioteca clique em: https://proximofuturo.gulbenkian.pt/blog/medellin-ii-os-parques-biblioteca