Projeto Lapenna para Mulheres visa fortalecer o futebol feminino e inspirar novas gerações
O projeto Lapenna para Mulheres objetiva promover o futebol feminino para meninas do bairro; conheça a iniciativa
As Brabas, apelido dado às atletas de futebol feminino do Sport Club Corinthians Paulista, sagraram-se heptacampeãs brasileiras ao vencer o Cruzeiro, em 14 de setembro, no estádio Neo Química Arena com mais de 40 mil pessoas e quebrando o recorde de renda na modalidade. A poucos quilômetros dali, no Jardim Lapenna, um projeto social dedicado exclusivamente para meninas vive um crescimento expressivo na procura por vagas no futebol.
O Lapenna para Mulheres, realizado no Galpão ZL, espaço da Fundação Tide Setubal no bairro, em parceria com a Sociedade Nova Jardim Lapenna, passou de 15 para 63 meninas inscritas em menos de um ano. Desse modo, a marca reflete uma mudança de paradigma no território.
O projeto, que antes operava em formato misto, tornou-se exclusivamente feminino em 2024, com equipe inteiramente composta por mulheres – da coordenação às professoras e estagiárias. A estratégia de busca ativa nas escolas, o ambiente seguro e o trabalho pedagógico que vai além dos fundamentos do futebol foram cruciais para atrair e reter meninas com idades entre 4 e 17 anos.
“Procuramos ter a equipe toda de mulher, fortalecendo a questão do lugar das meninas, desse espaço que muitas vezes é olhado como só masculino”, explica Jéssica Vilas Boas, coordenadora do projeto. “Trouxemos uma psicóloga para trabalhar o empoderamento feminino, bullying e saúde mental. É um espaço onde elas podem praticar porque sonham, porque querem conhecer a modalidade, ou porque simplesmente precisam estar ali.”
Como o projeto Lapenna para Mulheres funciona?
A professora Lawanda Aparecida de Lima Andrade, que integra a equipe do projeto Lapenna para Mulheres, relata que a construção desse ambiente seguro não foi imediata. “Tivemos resistências para trazer as meninas por causa da cultura do futebol, que é muito masculina. Mas, aos poucos, fomos construindo confiança.”
Mariana Lima Pimentel, estagiária do projeto e moradora da comunidade, testemunha a transformação no vínculo com as meninas. “Uma aluna me disse recentemente que não pretende sair do projeto porque já está há dois anos aprendendo muito e não jogará fora essa oportunidade.”
Além dos treinos técnicos, o Lapenna para Mulheres oferece atividades lúdicas, circuitos, discussões temáticas sobre saúde, autoestima e identidade, e participação em eventos como a Caravana do Futebol Feminino, da Petrobras. Sua realização é possível porque a turma da Sociedade Nova Jardim Lapenna pôde participar de participou deuma formação pelo Instituto Nossa Arena, organização que fomenta o protagonismo de meninas, mulheres e pessoas trans no esporte. Após essa formação, o Instituto fez a ponte com a Novo Nordisk, empresa farmacêutica com foco na prevenção de doenças crônicas como o diabetes. Esse insituto decidiu, então, patrocinar o projeto. Assim sendo, o subsídio permitiu estruturar uma proposta pedagógica consistente e contínua.

Treino do projeto Lapenna para Mulheres (Foto: Divulgação / Lapenna para Mulheres)
Panorama econômico e estrutural do futebol feminino
O crescimento local dialoga com um movimento global de valorização do futebol feminino. É cada vez mais comum vermos nas praças pais jogando bola com suas filhas pequenas e times escolares se organizando só com mulheres.
De acordo com a economista Andressa Araújo Pereira, autora do estudo A indústria do futebol feminino: estrutura econômica e estratégias de desenvolvimento, a modalidade é considerada pela (Federação Internacional de Futebol) Fifa como “a maior oportunidade de crescimento do meio do futebol”. A entidade estabeleceu como objetivo atingir 60 milhões de praticantes até 2027. Nesse sentido, tal meta abrange estratégias que incluem aumentar a participação, elevar o valor comercial e construir alicerces sólidos para a modalidade.
Marcelo Ribeiro, gerente de projetos estratégicos da Fundação Tide Setubal, contextualiza a importância de iniciativas como o Lapenna para Mulheres nas periferias. “O esporte nas periferias sempre foi mais do que prática corporal: é ferramenta de organização comunitária, criação de vínculos e construção de futuros. É espaço de resistência e afirmação de direitos”, afirma. “Quando uma associação esportiva periférica consegue financiamento, ela não apenas promove esporte. Ela também gera oportunidades de educação, formação política e empreendedorismo.”
Ribeiro destaca ainda que “o acesso ao esporte é desigual. Enquanto regiões centrais contam com equipamentos públicos de qualidade, nas periferias a prática esportiva muitas vezes depende da organização comunitária e da autogestão”. Projetos como o Lapenna para Mulheres rompem essa lógica, pois oferecem estrutura, segurança e suporte técnico.
Desafios e futuro
Manter o interesse das meninas é o próximo desafio. “Queremos oferecer atividades que vão além dos jogos e coletivos e essa cultura, que acontece também no masculino, precisa de tempo para ser alterada”, observa Lawanda. “Outro passo é inseri-las em competições saudáveis. Estamos planejando um torneio em breve.”
A proximidade da Copa do Mundo Feminina de 2027, no Brasil, é vista por Jéssica como uma oportunidade para amplificar ainda mais o interesse. “Todo esse movimento midiático envolve as meninas. Elas veem que há um caminho possível”, completa a coordenadora.
Não é possível afirmar que haja uma relação direta de causa e efeito entre o heptacampeonato do Corinthians e o crescimento do projeto no Jardim Lapenna. Mas é possível supor que uma coisa influencia a outra. O sucesso de um time da zona leste – assim como o do projeto apoiado pela Fundação Tide Setubal – inspira meninas a ocuparem espaços que antes lhes eram negados, mostrando que o futebol também é lugar de mulheres.
Por Daniel Ciasca
