Cerca de duzentas pessoas, entre moradores, líderes sociais, educadores e servidores públicos da zona leste de São Paulo, participaram no dia 20 de maio do IV Encontro de Cultura e Sustentabilidade, promovido pela Fundação Tide Setubal, em São Miguel Paulista. Com o tema Economia Criativa: desafios e rupturas para construção de uma cidade sustentável, estiveram em pauta assuntos como: a necessidade de soluções econômicas criativas e sustentáveis; a formulação de planos diretores para bairros com participação popular; e exemplos de iniciativas bem-sucedidas pelo mundo.
A abertura contou com apresentação teatral de jovens do Instituto Pombas Urbanas, de Cidade Tiradentes. Em seguida, Tião Soares, coordenador de cultura da Fundação Tide Setubal e mediador do encontro, apresentou os participantes do debate, aberto e gratuito: Ana Carla Fonseca Reis, assessora em economia criativa para a ONU (Unctad e Pnud); Candido Malta Campos Filho, arquiteto e urbanista, professor aposentado da FAU-USP; e Maurício Broinizi Pereira, coordenador da Secretaria Executiva da Rede Nossa São Paulo.
Em sua exposição, Ana Carla abordou o conceito de economia criativa, que pode ser uma estratégia importante para o desenvolvimento sustentável, ao agregar a cultura, a arte, a criatividade e as novas tecnologias nas práticas de produção de bens e serviços. “Para desenvolver a criatividade, é fundamental o investimento em educação, tanto a escolar como também aquela dentro de casa, com os estímulos dos pais”, ressaltou.
A assessora da ONU expôs também quais são os três traços principais de uma cidade criativa: inovação, com soluções diferentes para problemas aparentemente impossíveis; conexões, entre bairros, com ações entre o poder púbico, iniciativa privada e sociedade civil; e uma cultura que cria ambiente favorável para a criatividade e para a geração de renda. “É preciso também que as pessoas tomem conta da cidade, cuidando do seu bairro. Devemos pensar quais são as singularidades do bairro, buscar a história dele, suas conexões e perceber sua riqueza, para assim desenvolvê-lo”, explanou Ana Carla.
Plano de bairro e boas práticas
O professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP Cândido Malta Campos Filho apontou os desafios para a construção de um plano diretor, isto é, da lei que estabelece as diretrizes para adequada ocupação do espaço urbano e oferta de serviços públicos à população. O urbanista defendeu a criação de um plano por bairro, com participação popular, para que se possa conhecer e atender as necessidades específicas de cada local da cidade, e citou o bom exemplo do bairro de Perus, no noroeste da capital paulista.
Segundo Malta, para se criar um plano por bairro, é preciso levar em conta as demandas dos moradores e ter como base pesquisas quantitativas e qualitativas. “Seu processo de construção deve ser democrático e participativo, com convocação de assembleias e com os cidadãos discutindo seu orçamento. Isso possibilita um panorama do bairro, com levantamento do que é preciso, para que seja completo”.
Em seguida, Maurício Broinizi, coordenador da Secretaria Executiva da Rede Nossa São Paulo mostrou o projeto da Plataforma Cidades Sustentáveis, que dispõe de um banco de dados online com experiências de sucesso e já com resultados concretos em diversas partes do mundo. “O objetivo é inspirar as ações de gestores públicos, para que se espelhem e tentem construir uma cidade justa e sustentável”, enfatizou. Ele elencou ainda boas práticas relacionadas ao uso da água, em Tóquio, no Japão; à mobilidade, em Lion, na França; e à ampla inclusão digital, na cidade mineira de Piraí.
A Plataforma Cidades Sustentáveis é resultado de parceria entre a Rede Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis, a Rede Nossa São Paulo e a Fundação Avina. Essas redes compõem um movimento que busca repensar a cidade, propondo mudanças baseadas em um conjunto de indicadores e em plano de metas. “Também fiscalizamos o poder público para que haja uma melhor distribuição dos recursos na cidade”, disse Broinizi.
O tema da centralização dos recursos financeiros e do poder permeou a rodada de conversa entre debatedores e comunidade. Luis França, do Movimento Nossa Zona Leste, por exemplo, criticou o papel das subprefeituras. “Para colocar em prática o plano de bairro, seria importante o fortalecimento das subprefeituras”. Broinizi reforçou a necessidade de uma cidade policêntrica: “temos de ter os serviços espalhados por todos os locais e com centros de poder mais próximos da população”.
Tião Soares encerrou o encontro agradecendo a participação de todos e destacando a qualidade das reflexões do dia. “A zona leste é um país, com 40% da população da cidade de São Paulo. E, com toda a sua precariedade em políticas públicas, é bastante relevante a proposta do plano de bairro. Esperamos implementar aqui algumas das ideias propostas no debate e ser um exemplo para um mundo diferenciado”.
O coordenador de cultura da Fundação Tide Setubal falou também sobre a Pré-Conferência Livre de Cultura, com participação da sociedade e de grupos artísticos da região. A finalidade é discutir propostas para políticas públicas de cultura, contemplando não apenas as artes, mas outras dimensões culturais. Houve uma primeira reunião após o Encontro de Cultura e Sustentabilidade no CDC Tide Setubal, com a presença de cerca de 30 integrantes de coletivos culturais da região leste, como dos jovens do Arte Maloqueira, que apresentaram um rap no palco logo depois do debate.
Nova publicação
O evento teve ainda o lançamento da publicação Cultura e Sustentabilidade: o papel das organizações não governamentais e a cultura dos movimentos sociais na apreensão e implementação de políticas públicas. O livro traz as discussões do III Encontro de Cultura e Sustentabilidade, realizado em maio de 2010, pela Fundação Tide Setubal. Os debatedores daquele ano foram: Francisco Whitaker, arquiteto, urbanista e membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral; Oded Grajew, empresário, integrante do Movimento Nossa São Paulo e do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social; e Silvio Caccia Bava, sociólogo, coordenador geral do Instituto Pólis e editor do jornal Le Monde Diplomatique Brasil.
A trajetória e os processos para mobilização popular; a importância do conhecimento gerado pelas organizações sociais para analisar demandas e propostas do poder público; e a necessidade da informação para ações mais conscientes foram algumas das questões abordadas no terceiro encontro que, agora, estão registradas na publicação. Os exemplares são distribuídos gratuitamente e também estão disponíveis para download. Clique aqui para baixar a publicação.
Veja a opinião de participou do IV Encontro de Cultura e Sustentabilidade:
“De tudo o que ouvi hoje, a fala do professor Malta foi muito interessante. Vamos borbulhando nas idéias… Como ressignificarmos o bairro, a cidadania e a valorização dos adolescentes e o interesse deles pela escola? Como, com tudo o que foi dito, interferimos de uma forma criativa e saudável? E há, também, a importância do planejamento do bairro: são praticamente dez anos que vejo que não caminhamos quase nada com a distritalização nem com a coleta seletiva, por exemplo”.
Natalina, assistente social e moradora da zona leste
“Na luta pelas oficinas culturais, conseguimos um espaço, mas não temos um projetor. Que tipo de sustentabilidade é essa? A gente tem de pensar isso não de cima para baixo. Muita gente daqui da plateia deveria estar aí no palco. Antes, quando houve a proposta de descentralização na administração, existia um pensamento de aproximar os equipamentos da população. Porém, hoje, não temos diálogo com os subprefeitos, não conseguimos falar de arte e de cultura”.
Vander, integrante do Coletivo Cultura da ZL, de Ermelino Matarazzo
“Levando essa ideia da sustentabilidade criativa para o bairro, vemos um potencial humano e criativo para viver dele e notamos que podemos estar economicamente atuantes, sem estar dependentes dos grandes mercados. Não podemos nos esquecer de que somos pensados como cidade-dormitório, e hoje queremos viver dentro dela, ter espaços de convivência nas ruas, para nos enxergarmos. É o momento de começarmos a pensar a nossa verdadeira imagem”.
Adenilton, morador de São Miguel Paulista