Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Qual é o panorama da participação de mulheres em cursos na área tecnológica?
Confira o panorama, avanços e desafios para haver cada vez mais mulheres em cursos na área tecnológica no Brasil e no mundo.
Uma das inúmeras dimensões do debate sobre equidade de gêneros no mercado de trabalho passa pela presença de mulheres em cursos na área tecnológica. Pois bem, os indicadores não são os mais animadores – pelo contrário.
De acordo com dados do National Center for Education Statistics, dos EUA, 71,1% de estudantes que se formaram em disciplinas relacionadas ao segmento STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática em sigla traduzida do inglês), em 2020-1, eram homens. Ou seja, apenas 28,9% de quem se graduou nesse mesmo segmento eram mulheres.
No Brasil, então, o quadro apresenta semelhanças. Segundo o Censo da Educação de 2020, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), aproximadamente 26% de quem se graduou na área tecnológica naquele ano correspondia a mulheres.
Ainda, o cenário na pós-graduação apresenta contornos que merecem atenção. Nos EUA, 36,6% de quem esteve no mestrado em 2020-1 correspondia a mulheres, ao passo que esse patamar era de 35% no doutorado.
Enquanto isso, o Brasil conta com cenário no mínimo curioso. Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), elas são maioria no mestrado (57%) e no doutorado (54%). Todavia, a sub-representação apresenta contornos que beiram o estarrecedor. De acordo com levantamento da empresa de tecnologia Relevo, voltada ao recrutamento e seleção profissional, 12,7% da mão de obra do setor é composta por mulheres.
Pressionar e incidir por mais espaços
Ainda que a presença de mulheres em cursos na área tecnológica venha apresentando evolução, mesmo tímida, tais avanços são consequências de mobilizações sociais e de grupos minorizados.
“O público feminino está mais presente como nunca esteve. Mas isso não se deu porque as grandes empresas de tecnologia e de games abriram espaço para mais mulheres e/ou pessoas negras. Atribuo esse crescimento a uma constante pressão emergente feita de baixo para cima”, pontua Raquel Motta, cofundadora da produtora de games Sue The Real. Raquel, uma das lideranças que receberam apoio por meio do Edital Traços, da Plataforma Alas, falou a respeito do assunto em entrevista à Plataforma Alas, em 2022.
Na mesma entrevista, a cofundadora da Sue The Real destacou como a sua trajetória no mercado gamer a influenciou a se conscientizar sobre o impacto que contar a sua própria história, assim como mostrar os passos trilhados, pode influenciar outras mulheres a entrarem no mesmo segmento.
“Acredito na filosofia segundo a qual se eu me enxergo em algum ambiente, é mais provável que eu me sinta confortável em estar ali. Isso é algo que se aplica em diversos contextos. Foi ao ver outras mulheres negras atuando profissionalmente na indústria de games que enxerguei essa possibilidade com realidade”, pondera.
Os passos da comunidade vêm de longe
A presença de mulheres em cursos na área tecnológica ainda é alvo de recorrentes ataques de cunho misógino. A trajetória da cientista húngara Katalin Karikó, vencedora do Nobel de Medicina em 2023, exemplifica isso. A profissional sofreu com desconfiança e descrédito, pois seu estudo era considerado pouco relevante. A saber: ele serviu como base para as vacinas de RNA mensageiro, fundamentais para proteger a população contra os devastadores efeitos da Covid-19.
No entanto, se a trajetória de Karikó contém marcas da estrutura machista em diversos segmentos sociais, isso tem caráter histórico. Mas os passos da resistência vêm de longe. “As mulheres no passado foram protagonistas em descobertas científicas e tecnológicas que, em diversas ocasiões, não foram atribuídas a elas – ou, se foram, não em sua totalidade”, detalha Luciene Rodrigues de Andrade, liderança também apoiada no Edital Traços e mestranda em Empreendedorismo na Universidade de São Paulo (USP).
“Por exemplo, mulheres como Marie Curie, que fez descobertas grandiosas para a área médica com o uso da radioatividade, e tantas outras precisaram desafiar todo um contexto social com sua genialidade. Mesmo assim, não tiveram o devido reconhecimento em vida”, ressalta.
Por fim, mesmo ao destacar que uma questão estrutural na sociedade precisa de um pacto coletivo e envolvimento de inúmeros atores para revertê-la, um ponto pode ganhar destaque. No caso, a existência de figuras de referência podem mostrar para as futuras gerações que há caminhos possíveis para haver cada vez mais mulheres em cursos na área tecnológica.
“Acredito que ao ter oportunidades de estar em locais como a FEA-USP, empreender atuando em uma área não comum para mulheres e muito menos para mulheres negras, é uma das formas de criar exemplos, de ser o desvio da estatística que aponta para a não existência desse tipo de representatividade”, finaliza Luciene Rodrigues de Andrade.
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Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Pexels / PNW Production