Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
São Miguel Paulista acordou mais poético na última terça, 25/10
Ações de artistas, conversas, cortejo literário, compra de livros, leituras, discussão sobre drogas e muito mais tomaram as ruas; a festa, aberta e gratuita, vai até 27/10/2011
Intervenções artísticas nos espaços públicos, conversa com autores nas praças, “fruto-livro” nas árvores e cortejo literário pelas ruas foram um convite para que os moradores de São Miguel Paulista adentrassem no universo da leitura. Tudo isso aconteceu no primeiro dia do Festival do Livro e da Literatura, que segue até quinta (27/10), em mais de 15 espaços da região leste da capital de São Paulo.O evento conta com o apoio da Lei Rouanet, do Ministério da Cultura e é patrocinado pelo Banco Itaú.
No Calçadão Serra Dourada, os transeuntes foram surpreendidos com polvos poéticos. Com seus tentáculos, enlaçavam os passantes e ofereciam, ao pé do ouvido, poemas de Fernando Pessoa, de seu heterônimo Álvaro de Campos e de Florbela Espanca. Perto da estação de Trem da CPTM, quem aguardava a condução também podia viajar pelas palavras. “Quer ouvir uma história?” Convite aceito. O morador escolhia uma palavra escrita guardada dentro de um saco, e a contadora narrava um pequeno conto. Em frente ao tradicional Mercadão, houve leitura dramática com o Coletivo Marginaliária e música com os artistas locais, Guiberto Genestra, Santiago Dias e Zulu de Arrebatá.
Uma das grandes atrações do dia foi o cortejo literário em volta da Praça Fortunato da Silveira (Morumbizinho). Na comissão de frente, ia uma charrete com personagens da literatura. O público acompanhava a procissão segurando tochas. Para chamar a atenção, o som ficou por conta da fanfarra dos jovens da Escola Dom Paulo. Vizinhos saíram de suas casas e se juntaram ao cortejo. A professora Lídia Helena Pedroso, 40, fez questão de acompanhar. “Estou emocionada. É preciso mesmo que sejam feitas ações como essas para que a leitura faça parte do nosso cotidiano”. Além de levar ao cortejo o filho João Vitor, 5 anos, que ficou encantado com a charrete, Lídia visitou a tenda de vendas de livros para despertar o hábito da leitura nele. “Gostei do livro da tartaruga”, disse o garoto, fã dos quadrinhos do homem aranha.
Na tenda de vendas da Praça Morumbizinho, os livros são vendidos com até 20% de desconto. Outra opção para os apreciadores da leitura é trocar seus exemplares em feiras espalhadas pelas praças de São Miguel Paulista. A jovem Paloma Pereira, 16 anos, foi até a Praça Arquiteto Saia para trocar obras de poesias por romances. “É ótimo ter essa opção perto da minha casa”. Houve ainda pessoas que ganharam livros. Crianças, jovens e adultos não mediram esforços para pegar os livros pendurados nas árvores do bairro. “Gostei da ideia. Mas não foi fácil tirar o fruto. Está lá no alto”, contou a pequena Melissa Silva, 9 anos.
Conversa com autores
Para aproximar o público dos escritores, o Festival também promove conversas com autores. Na Praça Fortunato da Silveira, Ferréz, Valmir Souza, César Magalhães Borges e Daniel Reis discutiram a importância da literatura e da leitura. “A Literatura valoriza o humano. É também uma forma de resistência. E a leitura abre nosso campo de visão”, destacou o autor de Capão Pecado. “A literatura ajuda a trabalhar a nossa construção interior. É formativa”, complementou César, poeta de Guarulhos (SP).
Outra mesa de debates, também na Morubizinho, foi sobre Juventude e Direitos Culturais, com Alexandre Barbosa, Helena Abramo, Gil Marçal e Rafaela Guabiraba. A discussão girou em torno da legitimação do direito à cultura, como prioritário na gama de direitos, e do papel da juventude da periferia como produtora de cultura. “Muitos grupos juvenis têm reivindicado seu direito à voz, por meio de manifestações e produções culturais. Desse modo, esse jovens estão dizendo quem são e dialogando com as políticas públicas da cidade. Outra marca desses grupos é sua conectividade: conversam entre si e pensam sobre o que é ser jovem na periferia”, enfatizou Alexandre.
Já Abramo destacou a importância da luta dos jovens por seus direitos. “Essas mobilizações pelo direito a cultura devem ganhar forças, e os jovens devem também conseguir aliados”. O público presente, boa parte estudantes da Universidade Cruzeiro do Sul, de escolas da região e representantes de coletivos culturais, expôs sua visão sobre o tema e reforçou seu compromisso com a luta para melhorias para a juventude da periferia. Rafaela, representante do movimento juvenil da zona leste, convocou os presentes a participarem do movimento pela existência da Universidade Federal da Zona Leste.
Conversa sobre drogas
Debater, abertamente, sobre temas cotidianos na vida dos jovens foi a proposta do 2º Fórum de Debates sobre Adolescência e Juventude, ocorrido na Praça da Escola Arquiteto Saia. Dezenas de pessoas, entre adolescentes, pais, educadores e profissionais da área da saúde se reuniram para uma conversa sobre drogas. “Na adolescência, a construção de um projeto de vida ganha mais autenticidade e autonomia, a partir das vivências de cada um e das suas possibilidades de inserção social no mundo adulto. Nesse sentido, a drogas pode entrar como elemento importante, tentador e perigoso nesta fase de tantas dúvidas, incertezas e transformações”, destacou Viviane Hercowtiz, coordenadora do Núcleo Mundo Jovem, da Fundação Tide Setubal.
Também discorreram sobre o assunto: Letícia Maria Fossaluza Dutra, gerente do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Álcool e Drogas II, de Ermelino Matarazzo; Márcia Crystal, psicóloga, especialista em Psicologia Educacional; Veridiana Maurelli, biomédica, toxicologista e coordenadora geral do Depto. de Pesquisa e Atenção ao Uso de Álcool e Drogas da Casa de Isabel; Eli Mendes de Moraes, psicólogo, especialista em Psicopatologias e Dependências Químicas, técnico do mesmo Depto. da Casa de Isabel. Nas falas, foram enfatizados os papéis fundamentais do professor e da família na prevenção ao uso, por meio do diálogo franco, com uma abordagem clara sobre os prejuízos que as drogas podem causar.
Balanço e outras atrações
Tião Soares, idealizador do Festival, avaliou positivamente o primeiro dia. “Já é um sucesso a participação da sociedade nestas ações culturais. Os grupos da zona leste estão envolvidos para fazermos um festival inesquecível. O público está surpreso e alegre com a festa. Esperamos manter essa atmosfera nos próximos dias, com a expectativa de levar a nossa mensagem para mais de 50 mil pessoas”, declarou.
O subprefeito de São Miguel, Luiz Massao Kita, também prestigiou a festividade, acompanhando todo o cortejo literário em torno da Praça Morumbizinho. “Fico contente em ver iniciativas como estas em uma região tão carente de atividades culturais. É uma grande satisfação participar e apoiar essa grande festa literária tão importante para nosso bairro”.
As atividades continuam hoje, quarta (26/10). Às 15h, o Clube da Comunidade (CDC) Tide Setubal abrigará uma roda de conversa com Marcelino Freire e Sacolinha sobre “A cultura e a diversidade no exercício dos direitos e liberdades”. Por volta das 17h30, agitará o clube um animado sarau, com recital de poesias e contos e um show de hip-hop.
Ainda nesta quarta, à noite, às 19h, na Praça Morumbizinho, o destaque é o debate “Direito à cidade, à cultura e à mobilidade”, com os jornalistas convidados, Jairo Marques e Flávia Cintra, além da advogada Thays Martinez. Já na quinta (27/10), a partir das 15h, nesta mesma tenda da praça, a discussão ocorrerá em torno da literatura brasileira contemporânea e seu diálogo com os leitores. Os convidados são Eucanaã Ferraz e Luiz Ruffato. Às 19h, acontecerá a grande homenagem a Ferreira Gullar, que fará uma palestra.