Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Virada Comunicação discute representação das periferias pela mídia
A representação das periferias pela grande mídia, a importância dos coletivos de comunicação periféricos e a necessidade de promover um novo olhar sobre as bordas da cidade foram alguns dos pontos debatidos durante a 1ª Virada Comunicação, evento que aconteceu no dia 16 de setembro no Centro Cultural do Grajaú. A iniciativa, inédita, foi realizada […]
A representação das periferias pela grande mídia, a importância dos coletivos de comunicação periféricos e a necessidade de promover um novo olhar sobre as bordas da cidade foram alguns dos pontos debatidos durante a 1ª Virada Comunicação, evento que aconteceu no dia 16 de setembro no Centro Cultural do Grajaú. A iniciativa, inédita, foi realizada pela Rede Jornalistas das Periferias, composta por 13 coletivos de diferentes áreas da comunicação, e contou com o apoio da Fundação Tide Setubal, Ford Foundation e Instituto Alana.
Com mais de 10 horas de atividades, a Virada Comunicação combinou oficinas de comunicação, intervenções culturais e mesas de debate com a participação de diversos convidados, que discutiram temas como a conjuntura atual das periferias, genocídio e segurança pública, questões de gênero, etnias e identidades, educação e cultura, transporte e desenvolvimento local, moradia e meio ambiente, democratização da mídia e formas de atuação na comunicação.
A mesa de abertura da Virada teve como tema “A Notícia tem CEP?”, e contou com a participação de Binho (Sarau do Binho) e Maria Vilani (Centro de Arte e Promoção Social), e mediação de Tony Marlon e Gisele Brito, da Rede Jornalistas das Periferias. “Para os coletivos, a periferia está no centro da pauta, e não apenas em um especial, ou citada como um desvio do padrão”, disse Gisele Brito. O caminho para compor a Rede não foi fácil, segundo Tony Marlon. “Somos 13 grupos com linhas editoriais diferentes e, mais importante, de territórios diferentes. O caminho que encontramos para criar a rede foi encontrar pontos de convergência e aceitar nossas diferenças”.
A representação das periferias pela mídia também foi discutida. “Recentemente fizemos a Festa Literária da Zona Sul (Felizs) e reportagens afirmaram que ela estava levando cultura para a periferia. Não é nada disso! A cultura está toda aqui, não estamos levando nada. Estamos apenas aflorando as coisas, trocando”, disse Binho. Sobre a relação com propostas de parcerias partindo de coletivos e organizações do centro, Maria Vilani defendeu a aproximação e o diálogo. “Eles herdaram uma cultura de que somos carentes. Então cabe a nós dizer que não é por aí, que o viés é outro. Por que não nos apresentarmos a eles? Acho que o século 21 não é mais o momento de a gente fazer bonito, cada um em seu canto. Devemos fazer bonito juntos, em todos os cantos”.
Na sequência, foi servido o almoço, e o grupo Ashanti, composto pelas slamers Mariana Félix, Carolina Hariana e Thaila Fernandez, fez uma intervenção artística.
Periferia e seus diferentes aspectos
No período da tarde, o evento contou com mesas simultâneas. No painel “Genocídio e Segurança Pública”, a proposta foi discutir como a morte de jovens nas grandes cidades tem CEP, raça e classe social, e como a comunicação periférica pode abordar esse problema. Participaram do debate Francilene Gomes (Movimento Mães de Maio), Nathália Oliveira (Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas) e Kaique Dalapola (Ponte Jornalismo), com mediação de Pedro Borges (coletivo Alma Preta). Segundo Nathália Oliveira, parte do problema está no ciclo de descriminação que começa quando jovens são encaminhados para medidas socioeducativas, e ao sair ficam “marcados” como perigosos pelo poder público. “Quando um jovem passa por medidas socioeducativas ele tem muitas chances de reincidência, ele carrega uma marca e vira um imã para a polícia, até avançar para um regime fechado, sofrer um processo de exclusão e virar um cidadão invisível pela sociedade, como um morador da Cracolândia, que até mesmo a mídia vai chamar de nóia ou dependente químico”, afirmou. Neste contexto, os participantes concordaram que a mídia tem um importante papel na ruptura de estereótipos associados à periferia e ao jovem negro.
Na mesa “Educação e Cultura”, o direito de acessar equipamentos culturais e uma educação de qualidade nas periferias foi debatido por Alexandre Barbosa Pereira (Doutor em Antropologia Social pela USP), Ana Fonseca (coletivo Perifatividade – Fundão do Ipiranga) e Solange Amorim (EMEF Sócrates Brasileiro – Campo Limpo), com mediação de Gisele Alexandre (coletivo Capão News). Paralelamente, ocorreu a mesa “Moradia e Meio Ambiente”, com participação de Helena Silvestre (Movimento Luta Popular), Maria Alves da Silva (MST) e da ambientalista Maria Lucia Ramos, e mediação do Mariana Belmont (coletivo Imargem). Nela, o principal tema abordado foi a ocupação da cidade e seu viés ambiental, que seguem sendo tratados pela mídia de forma descontextualizada, sem a abordagem de temas como as desigualdade socioespaciais e a exclusão social.
Desafios e oportunidades
Após um intervalo para o café, aconteceu a segunda rodada de conversas. Na mesa sobre gênero e sexualidade, foram abordados temas como o machismo periférico e os problemas na representação da comunidade LGBT pela mídia, e até mesmo por coletivos independentes. “A grande imprensa ainda fala de questões de gênero como se eles não existissem na periferia. A gente perde um tempo só explicando que existimos enquanto poderíamos estar aprofundando esse debate”, afirmou Bruno Cesar, da Periferia Trans. Também participaram da mesa a ativista Fernanda Gomes, Jennyfer Nascimento (coletiva Fala Guerreira) e Rafael Cristiano (Núcleo Pele), com mediação de Myara Penina.
No painel “Etnias: Indígenas, negros e imigrantes”, o foco foi a reprodução de preconceitos, racismo e xenofobia pela mídia frente a diferentes grupos étnicos que vivem nas periferias. Para discutir como a comunicação periférica pode enfrentar esses problemas e dar visibilidade às potências locais, participaram do debate Jerá Guarani (Aldeia Tenéond Porã – Parelheiros), Jobana Moya (Equipe de Base Warmis – Convergência de Culturas) e Marcio Farias (Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-americanos), com mediação de Jéssica Moreira (Nós, Mulheres da Periferia).
O transporte público, a economia local, a transição pela cidade, a ocupação do espaço público e a atuação do Estado foram temas de outro painel, com Alex Barcellos (Agência Solano Trindade), Francisco Sanches (Movimento Passe Livre – MPL) e Isadora Santos (Unisol), e mediação de Paulo Silas Ribeiro (TV Grajaú). Na discussão, foi colocado que o sistema de transporte de São Paulo vê o morador das periferias como mão de obra para postos de trabalho em locais distantes, normalmente em áreas mais ricas da cidade, mas ignora os comerciantes e empreendedores locais, as necessidades de lazer e a potência das iniciativas autogeridas. Foi discutido como a mídia periférica pode ajudar a pautar estas questões.
A sétima mesa do evento trabalhou questões como os efeitos da concentração de mídia no território e a relação entre o direito à comunicação e a educomunicação. “Se você olhar bem, quem mora nas periferias tem o direito à comunicação negado o tempo todo e isso traz muitos problemas no futuro”, diz Ronaldo Matos, do Desenrola E Não Me Enrola. Participaram também Aline Rodrigues (coletivo Periferia em Movimento) e Ana Claudia Mielke (coletivo Intervozes).
Após um intervalo, todos os participantes da Virada acompanharam o painel de encerramento do evento, chamado “Comunicação e como viver dela”. Compuseram a mesa Juca Guimarães (R7), Gisele Alexandre (Capão News) e Gustavo Soares (Periferia Invisível), com mediação de Simone Freire e Ronaldo Matos. “Talvez a gente tenha que olhar mais as oportunidades financeiras, e não só as pautas. Criar essa inteligência empreendedora ainda é um desafio”, afirmou Gisele Alexandre ao comentar sobre os desafios de sustentar financeiramente os coletivos. “O problema central é que estamos criando algo novo. Embora os modelos existentes não estejam totalmente esgotados, acredito que não dão conta das necessidades dos coletivos de periferia”, afirma Gustavo. Para encerrar o dia, aconteceu o show da banda Veja Luz, composta por sete integrantes do Taboão da Serra.
O evento contou com cerca de 400 pessoas ao longo do dia, que vieram de diversas regiões da cidade. Paulo Ramos, integrante do coletivo Perifatividade, da região do Ipiranga, foi dos participantes. “Fiquei impressionado com a estrutura do evento. Foi muito dinâmico, com várias mesas ao mesmo tempo, e ter acontecido no Grajaú foi muito importante”, opinou.